LULA ACHA QUE PODE MANTER INTATO SEU PROJETO POLÍTICO AO REALIZAR ALIANÇAS COM A DIREITA GOLPISTA.
Uma das notícias dos últimos dias, no Brasil, é a divulgação, pela imprensa, de gravações de diálogos dos ministros do Superior Tribunal Militar, entre 1975 e 1985, época da ditadura militar.
São diálogos que mostram a crueldade e a falta de humanidade de um regime político iniciado em 1964, sob a promessa apenas de "cobrir o buraco" do mandato de João Goulart, deposto pelo golpe, e depois retomar a democracia pelas eleições de 1965.
A ditadura mudou de ideia e resolveu se prolongar. Foi um grande pesadelo. Um trauma que atingiu muitos brasileiros e causou efeitos devastadores até hoje.
As decisões dos generais e dos ministros do STM em prender, julgar, condenar e torturar presos políticos e consentir com os abusos de órgãos como o DOI-CODI e o DOPS, sem poupar pais de família nem mulheres grávidas e expondo crianças a ver o triste espetáculo da tortura.
O general Antônio Hamilton Mourão, vice-presidente da República (des)governada por Jair Bolsonaro, esnobou a necessidade de investigação por achar que todos os envolvidos "estão mortos".
Falecido pouco antes, o general Newton Cruz, conhecido figurão da repressão militar, nunca foi punido nem investigado um momento sequer, apesar do numeroso crime contra os direitos humanos.
Mas a ditadura militar, como não podia só ficar reprimindo, tinha também seus think tanks civis que desenvolveram um culturalismo que alcança o respaldo até mesmo de quem se considera de esquerda.
Bregalização cultural, fanatismo pelo futebol, obscurantismo assumido dos neopentecostais e enrustido dos "espíritas", ambos a serviço do enfraquecimento da Teologia da Libertação católica, degradação da escola pública, tudo isso criou condições para os tempos medíocres atuais.
Desenhou-se um Brasil medíocre, de tal forma que a própria ditadura, sem deixar de torturar presos políticos - foi revelado que, nos governos dos generais Geisel e Figueiredo, a tortura continuava intensa - , teve que suavizar.
A Lei de Anistia, que não distinguia vítimas de algozes, dando o mesmo benefício para ambos, foi uma manobra feita para evitar que a ditadura fosse denunciada por crime contra os direitos humanos.
Por outro lado, Edir Macedo e R. R. Soares alugavam horários na TV e o "médium de peruca" virava queridinho da Globo com narrativa no Globo Repórter inspirada no inglês Malcolm Muggeridge, ambos anestesiando o público com promessas de "vida nova" por meio de uma "paz sem voz".
Tudo para deixar as pessoas tranquilas por uma suposta paz trazida pela falsa diversidade religiosa tramada para enfraquecer a reputação de católicos progressistas que, no exterior, denunciavam os crimes da repressão ditatorial.
Com tantas armações, com a bregalização mostrando o povo pobre como caricatura de si mesmo sob os sorrisos alegremente insensíveis de Sílvio Santos, Raul Gil e similares, a ditadura militar "educou" o povo e a classe média "esclarecida" lançando um imaginário cultural que vale até os dias de hoje.
Daí que se permitiu que a democracia fosse negociada pelos mesmos artífices civis e militares do golpe de 1964.
O antigo PTB de João Goulart e Leonel Brizola foi sabotado pelo general Golbery do Couto e Silva, transformando a antiga sigla trabalhista em um partido de direita, numa condição que culminou no PTB bolsonarista dos últimos anos.
O desmonte "lento, gradual e seguro" da ditadura permitiu também que a antiga "polarização" entre políticos ainda vinculados com a ditadura, como Paulo Maluf, e outros pedindo a "redemocratização", como os "caciques" do MDB, lançou o artifício da democracia negociada.
Políticos que haviam contribuído para a queda de João Goulart passaram a ser defensores da democracia, através de um acordo entre conservadores e (relativamente) progressistas, na época um eufemismo para os "fisiológicos" do MDB.
E aí temos Lula e Brizola participando das Diretas Já, numa frente ampla que pediu eleições diretas. A exemplo da Campanha da Legalidade de Brizola em 1961, cuja frustração se deu no governo parlamentarista de Jango, a campanha de 1984 resultou na eleição indireta pelo Colégio Eleitoral.
Tancredo Neves, que em 1961 governou como primeiro-ministro de Jango, foi eleito presidente, mas, doente e, depois, falecido, não exerceu o mandato, ficando para o conservador José Sarney (antes da ditadura, era da ala jovem da UDN, chamada de "Bossa Nova da UDN) assumir o cargo presidencial.
Era uma democracia negociada, através de um governo liberal, um capitalismo com acenos populistas bastante demagógicos, como um desastrado Plano Cruzado.
Tempos depois, em 2016, houve outro golpe político, desta vez sob um aparato jurídico e midiático e sob uma fachada de "legalidade civil".
Dilma Rousseff foi deposta por acusações infundadas e abriu caminho para o "pacote de maldades" do vice traidor, Michel Temer, que, como presidente, instituiu a nefasta "Ponte para o Futuro", cheia de retrocessos de ordem socioeconômica.
Veio Jair Bolsonaro e seu governo desastroso e trágico - seu desprezo à pandemia fez o Brasil ter mais de 650 mil mortos pela Covid-19 - e aí se tem um outro contexto de democracia negociada.
Agora, o que temos? Um Brasil culturalmente medíocre, sem vozes críticas - hoje temos jornalistas e até acadêmicos e intelectuais passando pano na mediocridade reinante - , e cuja classe média parece estar vivendo num paraíso imaginário manifesto no cotidiano e nas redes sociais.
E, diante disso, há a empolgação exagerada pela figura de um Lula que, pouco tempo atrás, era hostilizado pela direita moderada e chegou a ser preso por manobras acusatórias da Operação Lava Jato.
Só que Lula resolveu negociar, às escondidas, sua retomada política. Estranhamente, foi escolher seu antigo rival da campanha presidencial de 2006, Geraldo Alckmin, para ser vice-presidente na chapa para 2022.
Uma negociação clara, que supostamente não afeta o projeto progressista de Lula, que, ontem, na cerimônia de lançamento da Federação Partidária Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV), disse que "revogaria a reforma trabalhista e o teto de gastos".
Só um detalhe. A federação partidária ainda não inclui o PSB que hoje abriga Geraldo Alckmin, porque há um sério problema na corrida pelo governo de São Paulo, pois o PSB quer Márcio França e o PT quer Fernando Haddad.
E, embora quase ninguém na mídia atente para isso, Lula tem a campanha mais contraditória no aquecimento para a corrida presidencial de 2022.
Está na cara que Lula, ao falar de "democracia" para justificar sua aliança com a direita moderada, com gente divergente do seu projeto político, retomou a tendência da "democracia negociada".
Ele enfatizou sempre a escolha do conservador Alckmin para ser seu vice. Alckmin, por sua vez, encena seu papel de "aprendiz de esquerdista" acompanhando eventos sindicais e de movimentos sociais.
Lula enfatiza também a negociação entre trabalhadores e empresários, em muitos casos priorizando estes últimos, supostamente para promover um "diálogo aberto voltado ao desenvolvimento".
Tudo isso é uma "democracia negociada", que pretende dar um pouco mais aos pobres sem tirar muita coisa dos ricos.
Portanto, vamos esquecer a expectativa de um governo progressista, uma vez que as elites da direita moderada não estão com Lula de graça. Elas também querem sua parte no programa de governo que se pretende implantar em janeiro de 2023.
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