Pular para o conteúdo principal

O TANCREDO NEVES DE 1961 E O TANCREDO NEVES DE 1985

AS DUAS VEZES EM QUE TANCREDO NEVES FOI DESIGNADO PARA GOVERNAR O BRASIL. A PRIMEIRA, EM 1961, COMO PRIMEIRO-MINISTRO DE JOÃO GOULART, E A SEGUNDA, QUANDO PRESIDIRIA O BRASIL PÓS-DITADURA SE NÃO FOSSE A DOENÇA QUE O MATOU EM 1985, TENDO JOSÉ SARNEY COMO VICE.

Muitos cronistas da mídia progressista ou mesmo de parte da imprensa liberal evocam a aliança de Tancredo Neves e José Sarney para justificar a importância história que consideram da aliança recente entre Lula e Geraldo Alckmin.

Presos nas compreensões mais acessíveis do cenário político recente, esquecem de episódios de tempos mais distantes que poderiam também trazer subsídios para nossa compreensão.

Eu, por exemplo, costumo comparar a aliança Lula-Alckmin à solução parlamentarista que os opositores de João Goulart aceitaram para permitir que ele fosse empossado presidente.

Naquela época, setembro de 1961, houve uma crise séria, com ameaça de golpe militar, depois que Jânio Quadros renunciou ao mandato presidencial.

Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, fez uma campanha para que Jango, seu cunhado, fosse empossado presidente da República, conforme a Constituição de 1946, vigente na época.

Sua realização não foi plena. Jango foi empossado presidente, mas a atuação do também gaúcho Raul Pilla, como deputado federal, fez com que o vice-presidente de Jânio só assumisse o mandato desde que seu governo fosse comandado pelo presidente do Conselho de Ministros.

Pilla foi, no seu tempo, um dos maiores defensores do parlamentarismo como sistema de governo no Brasil.

Hoje fala-se numa adaptação, o "semipresidencialismo", uma espécie de parlamentarismo em que o presidente da República pode dar sugestões e propostas. O presidente até governa, neste caso, mas as decisões finais seriam, na maioria das vezes, do presidente do Conselho de Ministros.

E aí tivemos João Goulart, entre 1961 e 1962, começando um governo com um projeto político conservador. As decisões estavam centralizadas na figura do primeiro dos três primeiros-ministros, Tancredo Neves.

Não vamos aqui dizer o que ocorreu no governo Jango depois de então, porque não é este o foco.

Mas, 24 anos depois, vemos Tancredo Neves anunciado como novo presidente da República, em eleição indireta pelo Colégio Eleitoral, em 1984, com uma frustração do projeto Diretas Já comparável com a castração política de Jango, mais de duas décadas antes.

Se Tancredo era visto como o lado conservador do governo parlamentarista de João Goulart, no pós-ditadura o mesmo político mineiro era considerado relativamente progressista.

E a castração ocorreu por conta do destino. Tancredo adoeceu e morreu com 75 anos em 21 de abril de 1985. A comoção foi tanta que nem uma vitória de Ayrton Senna numa corrida de Fórmula 1 naquele dia foi comemorada pelos brasileiros.

Mais conservador, embora brincando de ser "esquerdista" nos últimos anos, Sarney herdou a função presidencial, exercendo um governo que terminou de maneira desastrosa, em 1990, com a hiperinflação.

Mas os fatos históricos se juntam e interpretações comparativas mesclam episódios aqui e ali, desde que respeitando semelhanças e diferenças de contexto.

Juntemos dois temores.

Um é o de que Lula será politicamente castrado pela política neoliberal de Geraldo Alckmin.

Lula será obrigado a ficar apenas nos projetos de sua grife, patenteadas pelo PT: Bolsa Família, Fome Zero, Mais Médicos, Minha Casa, Minha Vida, Cotas Universitárias e um e outro projeto a mais.

A logística da Economia e de outras ações políticas mais técnicas sinaliza que ficará nas mãos de Geraldo Alckmin e de outros neoliberais agora "solidários" com Lula.

Vai ser como João Goulart em 1961, deixando a agenda governamental para os desígnios de Tancredo Neves, o mesmo que, morrendo em 1985, abriu caminho para um projeto mais conservador, porém populista, do vice José Sarney.

E aí tem outro temor. E se Lula, que sinaliza estar bastante velho e fará 77 anos este ano - dois a mais que a idade final de Tancredo - , falecer de repente?

Lula já teve câncer, hoje ele está visivelmente fragilizado, se ele faz ginástica é muito mais para controlar a relativa saúde do que para mostrar uma suposta força de um "garotão sarado".

Aliás, é nojento ver Lula ser considerado "galã", "gostosão", "bonitão", ser visto como "meninão bronzeado", ou como um "sósia brasileiro do George Clooney".

Tudo ilusão das esquerdas identotárias e lacradoras que não entendem a complexidade de nosso país.

Elas foram capazes de trocar um movimento de oposição real a Jair Bolsonaro nas ruas pela confortável memecracia que só de leve ridiculariza o presidente, sem causar um único arranhão na sua pessoa.

Esquerdistas sérios, no entanto, temem pela vida de Lula, e o risco de Geraldo Alckmin abandonar, aos poucos, a hipotética herança do projeto político do petista.

Tudo está muito complicado e é interessante que Tancredo Neves reapareça nas análises políticas, embora a princípio na sua fase de "patrono da Nova República" no biênio 1984-1985.

Mas o Tancredo Neves que prometia mudar o Brasil em 1985 foi o mesmo que impediu João Goulart de mudar o país em 1961.

Avô de Aécio Neves, um dos artífices do golpe politico de 2016, Tancredo foi padrinho político de Mário Covas que, por sua vez, foi padrinho político de Geraldo Alckmin.

Geraldo Alckmin, portanto, tem em Tancredo Neves seu ancestral político.

E, assim como Tancredo castrou politicamente Jango, Geraldo castrará politicamente Lula.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

BRASIL NO APOGEU DO EGOÍSMO HUMANO

A "SOCIEDADE DO AMOR" E SEU APETITE VORAZ DE CONSUMIR O DINHEIRO EM EXCESSO QUE TEM. Nunca o egoísmo esteve tão em moda no Brasil. Pessoas com mão-de-vaca consumindo que nem loucos mas se recusando a ajudar o próximo. Poucos ajudam os miseráveis, poucos dão dinheiro para quem precisa. Muitos, porém, dizem não ter dinheiro para ajudar o próximo, e declaram isso com falsa gentileza, mal escondendo sua irritação. Mas são essas mesmas pessoas que têm muito dinheiro para comprar cigarros e cervejas, esses dois venenos cancerígenos que a "boa" sociedade consome em dimensões bíblicas, achando que vão viver até os 100 anos com essa verdadeira dieta do mal à base de muita nicotina e muito álcool. A dita "sociedade do amor", sem medo e sem amor, que é a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, está consumindo feito animais vorazes o que seus instintos veem como algo prazeroso. Pessoas transformadas em bichos, dominadas apenas por seus instin