LULA DOMESTICADO E SUCESSO FAKE DE ANITTA NO COACHELLA - Ícones idolatrados pela classe média que domina corações e mentes no Brasil.
A chamada "elite do atraso", que comandou os movimentos contra Dilma Rousseff e clamou pelo golpe político de 2016, agora banca a boazinha.
Ela é parte de uma classe média heterogênea que domina os corações e mentes e conduz o imaginário e o culturalismo que prevalecem no Brasil.
No aspecto econômico, essa classe média varia dos suburbanos "bem de vida" - os "novos ricos" - aos famosos que se tornam empresários. Vai desde o ex-pobre que vira empresário de uma rede de lanchonetes num subúrbio à atriz de novela que investe em empresa de tratamento de beleza.
No aspecto ideológico, essa elite varia do bolsonarista mais obsessivo ao lulista mais deslumbrado.
Essa classe média heterogênea foi formatada no período do "milagre brasileiro", criando uma base culturalista que pode variar com o passar do tempo, mas sempre se fundamenta no ideal da mediocridade e do consumismo emocional e financeiro.
É um pessoal que fala "portinglês" (tipo uma mocinha dizer que trocou "seu boy por um dog") ou fala gírias da juventude da Faria Lima (como "balada" - ©Jovem Pan) e detesta exercer o senso crítico. Só criticam os que têm coragem de criticar.
Descontando a extrema-direita, odeiam fake news, mas aceitam e levam a sério obras da literatura fake, dita "mediúnica", por conta de supostas lições da vida (coisas medievais do tipo "sofrer é tão bonito").
E isso quando a religião dessas obras farsantes, o Espiritismo brasileiro, por ser uma seita da positividade tóxica, procura embarcar nesse "novo cenário de esperança e alegria". Com direito a filme com "médium" charlatão com a bolsomina enrustida Juliana Paes no elenco.
Essa classe média é desumana, e viveu sempre feliz desde a crise do governo Dilma Rousseff.
Dilma foi derrubada, e o que vemos? A classe média feliz da vida, achando que estava vivendo um "novo tempo".
Aí veio Michel Temer com seu "pacote de maldades". E a classe média? Feliz da vida, se divertindo nas redes sociais ou na sua diversão presencial.
Parte da classe média até recorre a algumas lágrimas de crocodilo.
O Museu Nacional é destruído por incêndio? A floresta amazônica e o Pantanal são devastados pelo fogo criminoso? A Cinemateca quase é toda destruída pelas chamas?
Mariana e Brumadinho sofreram tragédias ambientais por conta de descasos com barragens. E como reagiu a classe média?
Há algumas lágrimas da patota identitarista e, depois, todo mundo vai viver seu Brasil-Instagram com sorrisos arreganhados.
Jair Bolsonaro faz campanha e nada impede dele ser eleito? A classe média ou apoia ou deixa acontecer, e vai viver sua boa vida no Brasil-Instagram.
Tem a crise do governo Bolsonaro, mas nunca a crise dessa classe média "sempre de bem com a vida".
Agora temos um Lula domesticado, feito ursinho de pelúcia do tucanato, e a classe média enlouquece, apostando todas as suas esperanças de mais consumo e mais hedonismo através do petista.
Essa classe média não se limita à elite raivosa que rosna quando passa pela Praça Princesa Isabel, em São Paulo, ou em frente à Candelária, no Rio de Janeiro, e vê uma multidão de sem-tetos.
Da mesma forma que seu culturalismo vira-lata não se limita a noticiário político, hidrofobia de jornalistas, pedagogia neoliberal e publicidade fascista.
A classe média que destrói o país é, em boa parte, um monte de "gente legal" que aparentemente recebe uma unanimidade de apoio e de elogios.
É uma classe média identitária, hedonista, prepotente, falsamente modesta, que trata os erros humanos como motivo de orgulho, criando uma espécie chamada "quenunca".
Seu culturalismo vira-lata é toda a bregalização e todo o pop ultracomercial, mais as subcelebridades, o fanatismo tóxico por futebol e espiritualismo religioso. Coisas "maravilhosas", que não despertam suspeitas, são sempre vistas como "coisas saudáveis".
Mas isso é o lado mais podre do culturalismo vira-lata. O lado "mais feliz" mas cujo lado negativo é jogado debaixo do tapete por isentões passadores de pano.
É um imaginário que estruturalmente foi formado durante o "milagre brasileiro" da ditadura militar, embora seu sistema de valores viesse desde os primórdios do Brasil-colônia.
Isso se deve porque, até 1970, havia um forte contraponto ao culturalismo conservador, na medida em que vozes críticas e analíticas tinham vez e repercutiam de maneira além da razoável.
Hoje em dia, as vozes que poderiam ter algum senso crítico e até tem precisam passar pano em alguma coisa ruim, seguindo os isentões que, em nome da "imparcialidade" e da "objetividade", são verdadeiros flanelinhas culturais, passando pano em tudo.
Vivemos um tempo em que temos que optar entre o ruim e o pior.
O culturalismo conservador, com o combo do fanatismo esportivo (que supervalorizava e tentava repetir velhas glórias de um "futebol-arte" que morreu definitivamente), religiosidade não-católica e, principalmente, bregalização cultural, hoje prevalece desencorajando ou desprezando vozes críticas.
A religiosidade não-católica, que faz com que até os identitaristas mais loucos se revelem uns caretas religiosos, se fez com o "yin e o yang" do combate à Teologia da Libertação, o Neopentecostalismo e o Espiritismo brasileiro, ganhassem dianteira no mercado financeiro e emocional da fé.
Cinco décadas antes de Júlio Lancelotti ser parado pela PM para mostrar documentos antes de ajudar os pobres, seus congêneres da Teologia da Libertação eram ridicularizados pelos "neopenteques", como os "bispos" e "pastores", e falsamente bajulados pelos "médiuns" farsantes em psicografia e caridade.
O medievalíssimo Espiritismo brasileiro, que traveste de "moderna espiritualidade" um sistema de valores moralista e punitivista digno do século XII, se apropria do prestígio da Teologia da Libertação para enfraquecer a original, se passando por ela sem sê-la de fato.
E isso envolve uma "caridade"que mais ajuda os supostos benfeitores, pela promoção pessoal, do que os pobres, que apenas recebem uma micharia de donativos medíocres. E isso é de propósito, pois os chamados "médiuns", os pretensos "heróis" dessa empreitada, tratam os pobres como inferiores.
Isso porque o pobre, para todo o imaginário da classe média contemporânea no Brasil, tem que ser visto como um animal doméstico. Nem a supostamente "mais generosa" filantropia "espírita" - e fala-se daquela movida pelos ditos "médiuns renomados" - consegue humanizá-los.
Os pobres, conforme lembra Jessé Souza, são vistos como inferiores até mesmo pela parcela "piedosa" da sociedade. "Só sentimos pena de quem é objetivamente inferior", escreve o corajoso sociólogo em Como o Racismo Criou o Brasil, livro que estou lendo no momento.
Esse imaginário da classe média só quer espetáculo, consumo, a liberdade hedonista de curtir emoções baratas, uma "paz sem voz" que faça as pessoas "mais legais" procurarem novas drogas de aluguel no vídeo coagido, seja TV aberta, a tela do celular mostrando o Instagram ou o streaming.
Gente que só de ver a foto de um "médium de peruca", sente o mórbido êxtase da adoração fanática da religião, atribuindo à figura uma caridade da qual nunca se viu provas reais nem resultados objetivos, mas todo mundo aceita como se fosse "verdade absoluta".
Gente que, ao passar por um restaurante e vê uma TV mostrando um gramado verde ocupando toda a tela, com vários homens correndo em torno de um objeto redondo, fica parada como se fosse conduzida pelo piloto automático.
Pouco importa se é o jogo entre os times 32 de Fevereiro e Atlético de Piranguaçu da série Z do Brasileirão, é só a tela mostrar um gramado verde para a pessoa ficar parada como que sob hipnose e puxar conversa com quem está no local.
Esse culturalismo que exalta a mediocridade musical da bregalização e, agora, do pop popularesco, acha que sofisticação musical tem que ser um subproduto de reality shows musicais, em que o oversinging, um irritante modo afetado de canto, é considerado "genial".
Bregas do passado ou popularescos veteranos não podem ser mais criticados.
De Benito di Paula a Ivete Sangalo, de Michael Sullivan a Alexandre Pires, passando por Chitãozinho & Xororó, Bell Marques e todo o "funk", a canastrice e a mediocridade musical agora têm que ser vistas como "geniais". É uma imposição hipócrita que nem no período ditatorial existia.
Hoje a elite do atraso renega a ditadura militar que moldou seu culturalismo através de seus avós.
No tempo em que o Brasil vê morrerem Cabo Anselmo e o general Newton Cruz, se divulgam gravações (1975-1985) do Superior Tribunal Militar sobre relatos de tortura ocorridas nos porões do regime ditatorial, o mesmo que o "médium de peruca" alegava "fazer do Brasil um reino de amor".
A elite do atraso sempre vendeu uma falsa modernidade, manifesta até em atitudes constrangedoras, como o prolongamento forçado do uso da gíria "balada" (©Jovem Pan) no vocabulário da mídia do entretenimento e até no jornalismo "sério".
A novilíngua de dialetos "portinglês" - que não deram um termo português para bullying, apesar do meu proposto "valentonismo" - e da tal gíria "balada" (que nasceu como jargão para orgia de drogas na linguagem da vida noturna de jovens da Faria Lima) - é algo que deixaria Robert Fisk abismado.
Mas a própria classe média tenta convencer a quem for ingênuo ou passador de pano que o culturalismo conservador se limita ao jornalismo político e às conduções maléficas de práticas da Publicidade e da Educação.
Tentam tratar a cultura em si, praticada e testada no entretenimento da maioria das pessoas, é como uma "virgem imaculada" que não sofre as interferências malignas e gananciosas do mercado. A "má cultura" pode ser tudo: jornalismo, propaganda, pedagogia mal conduzidos. Menos cultura mal conduzida.
E aí vemos toda uma confusão de valores. Mulheres-objetos se passando por feministas, por exemplo.
E vemos o viralatismo se manifestando pelo desejo doentio de ver o Brasil como potência do Primeiro Mundo, sem ter as condições sociais para tanto.
Basta um Lula domesticado, nas mãos dos neoliberais, para a direita moderada e as esquerdas médias sonharem com um Brasil "desenvolvido" de mentirinha, com controle de preços, facilidades para consumo, embora com industrialização precária ou entreguista e cidadania relativa.
E o pessoal sonha com o Brasil brincando de se exibir para o mundo: desde o triunfalismo ufanista da "Pátria do Evangelho" até os falsos sucessos de ídolos popularescos no exterior.
Recentemente, Anitta foi atribuída a um suposto sucesso mundial do sucesso "Envolver".
Um sítio estrangeiro, Rest of the World, denunciou que a cantora carioca havia designado os perfis de fãs no Spotify a manipular algoritmos para alavancar a música para a 9ª colocação na plataforma, enquanto o clipe de "Envolver" atingia 58 milhões de visualizações no YouTube.
Foi a Folha de São Paulo noticiar a denúncia que a própria Anitta, aproveitando a falha da Folha em noticiar a morte da Rainha Elizabeth da Grã-Bretanha (a monarca continua viva), soltou uma leve ironia: "Tudo ok com a rainha Elizabeth, galera"?
E agora tem-se o factoide das apresentações "históricas" tanto de Anitta quanto de Pabblo Vittar, em palcos secundários do Coachella, e mais uma vez a mídia brasileira sai babando, superestimando apenas algumas coberturas a respeito.
É sempre assim com um fenômeno musical, comportamental, esportivo ou religioso marcado pela mediocridade.
Quando muito, Neymar consegue ser um hype sustentável, como jogador de clubes estrangeiros.
Mas papos como o de "médium de peruca" ser reconhecido em todo o mundo não passam de cascata, assim como ídolos popularescos que se apresentam em locais secundários e inexpressivos para plateias brasileiras.
Vide a apresentação do finado Mr. Catra em Dublin. Estava na cara que os "irlandeses" que foram prestigiar o funqueiro tinham pinta de jovens do interior paulista.
A classe média tem dessas manias, assim como sua visão provinciana é capaz de absurdos aberrantes, como atribuir um fictício romance entre Fausto Silva e a atriz Selena Gomez.
Um público que é o que mais consome redes sociais no mundo, que pensa que o humorístico Chavez é "moderno" assim como pensa que a canção brega do passado é "vanguarda", faz o Brasil não merecer entrar no Primeiro Mundo, por falta de condições objetivas para isso.
E o pior é que essa classe média que temos é prepotente, se acha dona da verdade, comanda o senso comum dos brasileiros, e se atreve a bancar a dona do mundo, querendo se impor, através da Síndrome de Dunning-Kruger, até mesmo ao Velho Mundo, historicamente mais experiente.
Não se faz um país desenvolvido com povo vira-lata, seja de extrema-direita, centro-direita e esquerda. Um país que sempre olha para trás, pensando que olha para a frente.
Um país falsamente moderno, porém brega e medieval, que só quer consumismo e hedonismo, e que não possui um pingo de humanidade, mas que sempre aposta na positividade tóxica que desde o golpe político de 2016 se agravou, como doença incurável.
E assim vemos o Brasil decaindo, rumo ao pesadelo distópico, enquanto as pessoas ficam fingindo para si mesmas que tudo está bem.
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