O JORNALISTA VALTER POMAR É UM DOS SEVEROS CRÍTICOS DA ALIANÇA DE LULA COM GERALDO ALCKMIN.
Sem aqui dar o parecer definitivo, mas uma sugestão, ponho aqui a questão da chamada "esquerda do PT" pensar em romper com o partido e com Lula.
A essas alturas do campeonato, Lula virou refém da direita gurmê que foi mentora do golpe político de 2016.
Hoje esses mentores do golpe que derrubou Dilma Rousseff tentam minimizar sua responsabilidade, preferindo que a culpa maior caia em figuras como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Janaína Pascoal, Eduardo Cunha, Kim Kataguiri e similares.
Com essa manobra, ficou fácil para os "cabeças do golpe" articularem uma aliança com Lula, mesmo tendo ajudado na sua prisão e na interdição eleitoral em 2018.
Dessa maneira, políticos veteranos do MDB e PSDB hoje são supostos apoiadores da candidatura de Lula, que caiu numa armadilha bastante grave.
Lula dá sinais, sim, de que irá ceder em muita coisa no seu programa de governo. Fora os projetos de grife, que levam a sua logomarca (como Bolsa Família e Fome Zero), tudo indica que os grandes projetos da Economia e outros de similar envergadura estarão nas mãos de Geraldo Alckmin.
Lula será o "coração" do governo. Alckmin, seu vice, o "cérebro".
E isso pode ser fatal ao petista, uma vez que, aliado à direita gurmê, o que restava do antigo líder sindical até 2020 desapareceu por completo.
Ou seja, o "Lula esquerdista" morreu, acredita-se que para sempre. Não haverá tempo para ele recobrar a lucidez, admitir a autocrítica e retomar as origens do antigo militante trabalhista.
E é esse o problema que os críticos à esquerda que fazem parte do PT têm dificuldade em perceber.
Sabe-se que Lula integra a tendência hegemônica, a Articulação Unidos na Luta, e a principal oposição vem da outra corrente, Articulação de Esquerda, ambas internas no Partido dos Trabalhadores.
A corrente hegemônica defende a aliança com Geraldo Alckmin e a integração com a direita moderada, como meio de, em tese, garantir não só a derrota de Jair Bolsonaro, mas a manutenção da governabilidade e do funcionamento das instituições.
Há vozes críticas dentro do partido, que incluem os jornalistas Valter Pomar e Breno Altman, além dos ex-presidentes do partido, Rui Falcão e José Genoíno, este um sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, que ocorreu há 50 anos.
É complicado, para eles, romper com Lula e o PT, por conta do envolvimento afetivo no cotidiano, principalmente na rotina partidária, mesmo durante momentos de desavenças.
Daí que eles criticam Lula e Alckmin, mas se não houver jeito, eles vão apoiar Lula mesmo com a chapa sendo aprovada na próxima reunião do partido, em 04 e 05 de junho próximos.
Há uma esperança em reverter a aliança e impedir que Lula se junte aos neoliberais, mantendo ele fiel às bases populares do PT.
A esperança reside em pedir um outro candidato a vice-presidente que, mesmo sendo de direita moderada, tenha mais afinidade com o projeto de Lula e não tenha se envolvido no golpe contra Dilma.
Só que Lula acabou se comprometendo demais com a direita moderada. E está se assanhando nessa perigosa empreitada.
A ênfase com que Lula sinaliza seu interesse por um "diálogo aberto" com o empresariado o faz ser prisioneiro de um jogo de interesses que o impedirá de implantar uma agenda progressista.
O próprio PSB, partido de Geraldo Alckmin, apesar do nome "socialista" da sigla, já afirmou que Lula e seu vice "não devem fazer um governo de esquerda", mas um governo "amplamente democrático".
A história do PSB mostra que o partido, embora tivesse seus momentos progressistas, nunca foi inteiramente de esquerda.
Ele surgiu de uma dissidência da antiga UDN, em 1947. Entre 1964 e 1985, o PSB foi declarado extinto por imposição da ditadura militar.
Nos últimos anos, o PSB abrigou figuras conservadoras como o falecido Jaime Lerner e o ativista católico Gabriel Chalita, amigo e colega de Geraldo Alckmin na corrente católica internacional Opus Dei, que segue uma linha medieval.
O PSB falou em "socialismo criativo", mas sua ênfase está na manutenção de medidas capitalistas, consentindo com as privatizações e o desmonte de direitos trabalhistas.
Lula, de forma direta ou indireta, já contradiz sua antiga intenção em manter intato o seu programa de governo.
Ele já não fala mais que fará um governo "mais à esquerda" que os anteriores, e seu discurso mudou, agora enfatizando a "democracia".
"Democracia" é um eufemismo que as elites usam para projetos políticos que beneficiem as elites do poder econômico.
Esse eufemismo pode se referir a governos conservadores e até autoritários, como a ditadura militar de 1964-1985, durante muito tempo classificada como "revolução democrática".
Mas pode se referir, também, a governos liberais, em que há a formalidade das instituições e projetos sociais paliativos, em que os pobres são relativamente ajudados sem que isso represente alguma redução dos lucros abusivos dos mais ricos.
A "democracia" de Lula e Alckmin é, portanto, um eufemismo para um governo que não fará muito pela inclusão social, dados os limites dos atuais aliados do petista.
E diante disso, Lula está politicamente castrado. E, como em outros momentos da História do Brasil, se Lula avançar, será golpeado.
Lula não vai realizar seu projeto progressista. O governo dos sonhos acabou, a realidade agora é um governo neoliberal com apenas alguns relativos projetos sociais.
Os abusos das elites durante o governo Michel Temer serão mantidos. O "pacote de maldades" apenas será "melhorado", o que é uma maneira de dizer, porque os mais ricos não podem ser prejudicados porque serão eles a sustentar o governo Lula.
E como fica a "esquerda do PT"? A fidelidade a Lula é uma quimera. O "Lulão dos sindicatos" morreu e não volta mais.
Lembranças afetivas podem gerar lágrimas até no próprio Lula, mas como agora ele mesmo falou que "devemos olhar para a frente", até o passado sindical do petista está no retrovisor abandonado pela limusine política sem freio da aliança Lula-Alckmin.
Se a "esquerda do PT" romper com o partido e Lula, haverá o preço da perda afetiva, da dor de um convívio de muitos anos, do qual ainda pesa uma vã esperança do "Lulão dos sindicatos" ressuscitar e reinar pleno na República, ao arrepio das elites que agora se aliam a ele.
Mas em muitos casos as rupturas são necessárias. Afinal, Lula não pode mais voltar às bases progressistas, ele assumiu compromisso com as elites conservadoras e contraiu dívidas muito fortes com elas.
Hoje até Michel Temer dá pitacos na nova fase política de Lula.
Na prática, Lula não ouve mais seus amigos da "esquerda do PT", que o acusam de autoritarismo e imposição de decisões.
Lula só está "dialogando" com quem é divergente a ele. Lula ouve mais os "caciques" do PSDB do que seus próprios colegas do PT.
Lula diz que "não vai governar para o mercado, para a Faria Lima". Mas se alia a essas elites.
Inútil Lula ter dito, na entrevista recente para a imprensa alternativa, que "se sentiria mal" se tivesse que dizer, para os brasileiros, que "tem que governar em favor da Faria Lima, do mercado".
Mas é isso que vai ocorrer. As alianças com a direita moderada cobram um preço. Esse preço é caro. Isso não é de graça e os novos aliados de Lula não vão suportar ele cometendo as ousadias que seus seguidores tanto esperam que se realize, num hipotético projeto de esquerda.
Imagine os novos aliados de Lula verem que o petista, como presidente da República, aumentar o poder do Estado e barrar ou anular privatizações. Esses aliados vão saltar da cadeira, revoltados.
A ruptura da "esquerda do PT" com o partido e com Lula pode ocorrer com o coração partido (com a licença do trocadilho), mas é um bom recado para o caminho sem volta que o presidenciável está seguindo abraçado aos neoliberais.
Ver a "esquerda do PT" romper com Lula será um balde de água fria para o presidenciável, que acha que pode fazer o que quiser, se aliar com quem quiser, que está tudo bem.
No mundo ideal, os "diálogos" com forças divergentes podem ser feitos sempre com entendimento e consideração. Mas, no mundo real, eles ocorrem com brigas, conflitos e tensões que podem causar consequências muito drásticas.
Os novos aliados de Lula não vão tolerar que ele faça mais do que medidas paliativas para o povo pobre. Geraldo Alckmin, promovido a "co-presidente" em vez de um "vice decorativo", ao "governar junto com Lula", também estabelece vigilância rigorosa no seu programa de governo.
Medidas como o fortalecimento da Petrobras, a anulação das privatizações e a recuperação total dos direitos dos trabalhadores terão que ser abandonadas. Os novos aliados não querem.
Lula voltar às origens sindicais, como sonham seus amigos, seguidores e admiradores, é uma utopia impossível, diante dos impedimentos que o petista acabou obtendo com os acordos com forças divergentes.
Lula já era moderado entre 1978 e 2020, período em que ele sinalizava um flerte com o liberalismo econômico, mas até pouco tempo atrás havia vestígio do antigo líder sindical que empolgava as classes populares.
Mas, de 2021 para cá, quando assumiu de vez as alianças com forças divergentes, o "Lulão dos sindicatos" desapareceu para sempre. Seus últimos vestígios já estavam se apagando em 2020, quando Lula disse que "pobre custa barato no orçamento da União".
Se a "esquerda do PT", no caso de não poder recuperar Lula para as bases progressistas - essa recuperação, aliás, é difícil, pois a presidenta Gleisi Hoffmann afirma que a maioria do PT está com Alckmin - , se mantiver apoiando o petista, haverá vantagens e desvantagens.
As vantagens não serão muitas, pois residem apenas na memória afetiva de Lula, que a "esquerda do PT" acredita que se sensibilizará e retomará, no novo mandato presidencial, a origem de sua militância sindical.
Já o rompimento, embora fosse mais doloroso e tenso, pode ser um aviso de como Lula não pode sair se aliando com o primeiro que apertar sua mão.
O certo é que a campanha de Lula, apesar do aparente favoritismo na corrida presidencial, é a mais confusa, a mais contraditória e a mais cheia de erros do processo de sucessão de Bolsonaro.
Lula não tem autocrítica, não está sendo estratégico nem competitivo. Está ridicularizando a Terceira Via como se não suportasse concorrer com ela, se esquecendo da vantagem que um punhado de terceiro-viáveis poderia pulverizar os votos que poderiam cair no colo de Bolsonaro.
Cabe à "esquerda do PT" pensar na hipótese de romper com o partido e com Lula. Haverá uns dois meses para pensar nisso.
Que a "esquerda do PT" decida pelo que achar melhor. Mas, apesar de doloroso, tenso e de altíssimo risco, o rompimento com Lula e o PT será um grande aviso de que não se pode fazer uma frente ampla demais para derrubar Bolsonaro e passar pano no neoliberalismo.
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