Infelizmente, no Brasil, a distopia, para a "boa sociedade" de classe média que monopoliza o imaginário público nas redes sociais, é apenas uma ficção asiática.
Depois de Parasita e Round 6, temos agora o Drive My Car mostrando que o pesadelo distópico, para a "gente bem", é uma realidade distante.
Claro, é o pessoal que vive em apartamentos de luxo, não sabe o que é ser favelado ou sem-teto, que vivem um drama diário em dimensões traumatizantes.
Só veem a crise diária quando ela mexe com seus benefícios solipsistas.
Se não tem apresentação ao vivo, botam logo culpa no bode expiatório de plantão. Mário Frias pode ser tudo de ruim como um bolsonarista, mas devemos admitir que não foi ele quem inventou a crise cultural de nosso país.
Também, ninguém lê Esses Intelectuais Pertinentes..., o livro que revela todo o processo de crise cultural que chegou a Jair Bolsonaro, com base em muita pesquisa jornalística.
O pessoal quer ler ficção medieval, drama de meninas adolescentes atormentadas, romances de Minecraft ou Pokémon Go, estudantes vampiros, auto-ajuda e livros para colorir.
Conhecimento, para que Conhecimento, para uma sociedade que acha que não precisa raciocinar porque "já se acha inteligente"?
Basta ter capacidade apenas de dar qualquer justificativa em defesa do "estabelecido", do que está na moda, através de muita passagem de pano, muita ginástica mental e algum empenho em contestar somente os contestadores "daquilo que está aí".
Dito isso, vamos para mais uma tragédia brasileira: as chuvas, resultantes tanto do desequilíbrio ecológico quanto do descaso das autoridades, que nunca fazem um trabalho preventivo para recolher lixo, melhorar o escoamento das águas e realizar limpeza nas ruas.
Até a edição deste texto, 13 pessoas morreram no temporal do Estado do Rio de Janeiro.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Praça da Bandeira, como sempre, se transforma na "Veneza carioca". Mas o alagamento atinge até o Jardim Botânico.
Cidades como Paraty e Angra dos Reis se tornaram a Petrópolis da vez, com muita gente sofrendo e perdendo entes queridos com deslizamentos de terras, alagamentos e até choques elétricos.
Niterói também sofre pela enésima vez com os temporais. A "boa sociedade" sofre porque não pode sair nos fins de semana, mas bem menos do que as pessoas mais pobres ou quem não vive em bons condomínios.
Na RJ-106, entre Maricá e Saquarema, uma ponte foi atingida pelas chuvas e abriu-se uma cratera, complicando o trânsito, com reflexos para o trecho onde desfilam carros de Rio do Ouro e Várzea das Moças, onde a rodovia vive em modo "avenida de bairro" nessa área niteroiense.
Para o "correspondente da Rua Ator Paulo Gustavo" que atua nos informes niteroienses nas redes sociais, isso não faz muita diferença, porque o foco dele é o solipsismo de sua vida entre Icaraí, a Ponte Rio-Niterói, a Barra da Tijuca, o Baixo Gávea e o Estádio do Maracanã.
Voltando à cidade do Rio de Janeiro, a Rocinha acumula lixo e lodo, enquanto os moradores sofrem com os problemas crônicos de toda construção precária que são as casas nas favelas.
Não há um trabalho preventivo nem uma cultura de reorganização urbana nas cidades brasileiras, sobretudo as fluminenses, no contexto em que o Estado do Rio de Janeiro, que foi berço do golpe político de 2016, foi o que mais pagou caro com esta causa.
Devemos parar de pensar em fantasias, achar que tudo é festa e tudo está social e culturalmente maravilhoso. Devemos agir para prevenir tantas tragédias, lutar para que tudo esteja bem e não fingir que está tudo bem, como se vê nas redes sociais dominadas pela mediocridade cultural.
A distopia não é uma distante ficção asiática. Ela é uma realidade brasileira desde há muito, muito tempo.
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