O governo de Michel Temer, com sua agenda retrógrada, só foi possível por causa de José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.
Muitos subestimam as concessões politiqueiras de rádio e TV do então presidente José Sarney, nos anos 80.
Da mesma forma que Temer, Sarney era um presidente sem voto, de uma chapa eleita de forma indireta, cujo titular era Tancredo Neves, doente e depois falecido sem poder tomar posse.
Sarney e seu ministro das Comunicações, o baiano Antônio Carlos Magalhães, fizeram uma farra de concessões de emissoras de rádio e TV que já desenhou o cenário midiático e sócio-cultural dos anos 90.
Na Bahia de ACM, isso teve um defeito devastador.
O arrivismo midiático dos barões midiáticos regionais, como Mário Kertèsz, antigo afilhado de ACM, e Marcos Medrado, ruralista baiano, praticamente arrasou com a mídia baiana.
Criaram uma concorrência desleal com as emissoras AM, com FMs, com arremedos ruins e grosseiros da Amplitude Modulada, programas noticiosos de baixa qualidade e transmissões esportivas que seguiam fórmulas velhas e antiquadas.
Sem falar das cansativas resenhas esportivas, com sisudos e pedantes locutores vestidos de camisa polo listradas, discutindo o "sexo da bola" e apoiados por um excedente de patrocinadores.
Era um jabaculê que articulava alianças entre dirigentes esportivos e barões da grande mídia, da qual a baixa audiência poderia ser maquiada com sintonias coletivas em estabelecimentos comerciais.
Os dois "coronéis" midiáticos, Mário e Marcos, eventualmente, vestiam o abadá da falsa esquerda, com o primeiro embarcando no trem publicitário de Duda Mendonça, o segundo numa breve aventura como integrante do PDT regional. Leonel Brizola reprovaria.
Mas a breve folia "progressista" se sucedia a surtos reacionários explosivos.
Kertész esculhambando em seu programa de rádio tudo que era esquerdista. Até Emiliano José e Oldack Miranda não eram poupados pelo Astro-Rei da Rádio Metrópole.
Medrado foi citado numa votação de parlamentares do Congresso Nacional ligados à bancada ruralista, ou Bancada do Boi, uma das mais retrógradas do país.
Além de "matar" as AMs - tarefa que no Rio de Janeiro só foi possível com a aliança aos barões da telefonia móvel - , o baronato midiático também destruiu a cultura popular brasileira.
Na Bahia, a farra das FMs se aliou à farra dos donos de blocos carnavalescos.
Criou uma monocultura da axé-music, que enriqueceu demais uma meia-dúzia de conjuntos e cantores, e criou sub-gêneros imbecilizantes, como o "pagodão" e o arrocha.
Afastou o povo de qualquer debate ou mobilização públicos.
Isso porque, quando a "cultura popular" é comercial, entreguista e idiotizante - sim, estamos falando da tal "admirável cultura transbrasileira" que temos que aceitar sob a desculpa do "combate ao preconceito", o povo fica distraído.
Como crianças no parque que não sabem o que seus pais estão falando.
E o combo de concessões politiqueiras de Sarney e ACM criou várias distorções.
Fernando Collor já destruía a MPB patrocinando pastiches de música caipira e samba que tocaram nas rádios dos anos 90.
Os mesmos que outro patrocínio político, a Era FHC, tentou "emepebizar" com a ajuda da Rede Globo.
No Rio de Janeiro, os deputados regionais que apoiavam Collor financiavam os "karaokês" com uma mesma base eletrônica que viraram o "funk carioca".
Os laboratórios intelectuais do PSDB estavam treinando free lancers para criar uma "etnografia" de mercado.
Foi aí que vieram os intelectuais que se infiltraram nas esquerdas com suposta solidariedade à vitória de Lula.
Mas aí houve também outros fenômenos midiáticos.
Exagero de tudo quanto é lado para manipular o inconsciente coletivo das classes populares e até da classe média.
A violência exagerada dos policialescos, a hipersexualização das mulheres siliconadas, a pieguice extrema da religiosidade, a supremacia das hierarquias, tudo isso criou um ovo da serpente há cerca de 30 anos.
Criaram ao mesmo tempo pessoas submissas e teimosas, conformistas e rancorosas, moralistas e libertinas, pornográficas e beatas, dotadas do consumismo voraz e alienado.
São pessoas que queriam permanecer na estabilidade forçada dos anos 90.
Queriam que houvesse pensamento único e respeito à supremacia da plutocracia na condução da humanidade.
Um sistema de injustiças sociais ao mesmo tempo controladas e sustentáveis.
Um sistema em que hierarquias são estabelecidas para que segmentos humanos permaneçam em certos limites sociais impostos pelos valores dominantes.
Com a ruptura da "paz sem voz" dos anos 90, quando o mercado e a supremacia midiática determinavam os rumos do povo brasileiro, os reacionários se sentiram incomodados.
Os "midiotas" explodiram transformados em fascistas ao mesmo tempo jocosos e violentos na Internet.
Os comentaristas da "racional" grande imprensa explodiram num reacionarismo irracional.
Os exploradores da fé religiosa inserindo fanatismo, enquanto mulheres siliconadas transformavam seus fãs em tarados a ameaçar mulheres nas ruas.
Essa boa dose de degradação sócio-cultural é que reagiu contra as medidas progressistas dos últimos 13 anos.
Foi através das concessões de rádio e TV de Sarney e ACM que se moldou uma série de comportamentos sociais que pediam um presidente como Michel Temer.
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