Sabemos que o coronavírus simplesmente fez paralisar as atividades na Terra.
E que as recomendações para todo mundo ficar em casa não têm validade prática para o povo pobre.
Este não pode ficar em casas que já são superpovoadas.
Eles precisam trabalhar. Se devem abastecer sua despensa, isso significa que o trabalho será redobrado, e crianças de três anos já devem exercer o primeiro emprego, como vendedores de balas.
Como eles vão ficar em casa sem fazer coisa alguma? Para ficarem sem dinheiro para comprar seus alimentos?
A situação está complicada. E o "consolo" é que o cenário hoje é de dureza para todo mundo.
Até o valentão que fica rindo dos outros que contraíram a Covid-19 - "covid" coincide com "cova", em termos de prefixo linguístico, mais parecendo um "cov'ide", um "convite" para a morte - pode contrair essa doença, por mais que ele fique teclando "KKKKKK" adoidado.
O problema é quando ele tiver febre alta e sérios problemas respiratórios, tremendo de frio e sem poder dar um suspiro.
Será que ele vai teclar suas postagens agressivas em estado de asfixia, criando blogues ofensivos para a equipe médica que constatou positivo para o coronavírus do valentão?
E o valentão, com a respiração parando, vai ter forças para chamar os médicos que o examinaram de "cubanos nascidos no Brasil"?
Dito isso, vamos ao pior que pode haver nesses tempos de coronavírus: o obscurantismo religioso.
Nem falo do caso de Silas Malafaia e sua teimosia em não fechar suas igrejas, só o fazendo sob pressão da Justiça, já que acreditava que Deus pouparia seus fiéis de contrair o coronavírus.
Falo de outro perigo, por incrível que pareça ainda pior, embora aparentemente agradável.
É quando surge o mito da "solidariedade" religiosa, a aparente união dos povos, a suposta resolução das diferenças humanas, a pretensa solução do perdão, um perdão religioso que, de tão complacente, mais parece um "ganhão".
É um desses "perdões" que apenas anestesiam o orgulho humano e criam espécies como Guilherme de Pádua, por exemplo. Eles beneficiam mais os caloteiros morais do que os endividados realmente arrependidos.
Esse mito da "solidariedade", que ilude setores das esquerdas - daí o "brinquedo" da religião "espírita" e dos "médiuns" que mais parecem "filantropos de novela da Globo" - , sempre prometeu um progresso que quase nunca veio.
Ela mais parece uma "confraternização" das galinhas com a raposa, uma "paz" forçada na qual existe um acordo hipócrita na qual perdedores e vencedores se "reconciliam" e vivem numa aparente paz, só que sob uma condição.
Os perdedores têm que aceitar a sua derrota, enquanto os vencedores ficam com sua vitória.
É uma "paz" hipócrita, que não vai na raiz dos problemas que levam uns a odiarem os outros.
Daí que, quando O Rappa lançou "A Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero", o verso "paz sem voz não é paz, é medo", ninguém entendeu.
Palavras como "paz", "fraternidade" e "caridade" até agora não têm seu uso traiçoeiro reconhecido pela opinião pública, como vemos nas palavras "democracia" e "liberdade".
Sabemos que muitos supostos defensores da "democracia" e "liberdade" são ou foram, na verdade, figuras autoritárias e repressivas.
No mito do "corpo livre" que prefere erotizar do que conscientizar e valorizar as mulheres "fora do padrão", dentro de uma "sensualidade de guerra" que agride e não traz prazer, lancei a seguinte questão.
A questão de que a mulher é dona do seu próprio corpo ou é o corpo que é dono da (consciência) da mulher.
Um exemplo é quanto à tatuagem, que a mulher não tem noção de que faz isso por influência alheia e, além disso, sofre a interferência masculina, pois a maioria de tatuadores é de homens.
O que é "liberdade"? A mulher que acha que se "sensualizar" demais é liberdade porque pensa que o Instagram é o espelho do armário de seu quarto, quando ela se expõe para outros homens.
E precisa uma musa popularesca dizer que "adora andar pelada em casa"? Se ela se acha livre assim, que fique na sua privacidade, ora!
No caso da "paz", a única coisa que indica o uso traiçoeiro desta palavra são as "forças de paz", que, conforme mostra a geopolítica de guerra, são eufemismos para forças de guerra que, supostamente, se exercem para promover a "paz", a "liberdade" e a "democracia".
Apesar disso, até parece que falamos árabe quando dissemos aos outros que "paz sem voz" é ruim.
Se não conseguimos entender a diferença entre uma musa siliconada se exibindo nas redes sociais ou se exibindo para si mesma, também não entendemos outras coisas, diante do travamento mental que certos devaneios emotivos provocam.
No caso da "caridade". Muitos não compreendem a diferença que há entre a caridade que ajuda o próximo e a "caridade" que promove o suposto benfeitor, ávido por protagonismo às custas de uma aparente ação assistencial.
Eu rompi com o Espiritismo brasileiro há oito anos, depois de 28 anos pedindo pão e recebendo serpentes dessa religião hipócrita, que já começou traindo Allan Kardec e se promovendo com literatura fake, a partir de um horroroso livro de poemas "mediúnicos" de 1932.
(Um livro de poemas, "parnasiano" - embora a maioria de supostos autores espirituais ser de poetas românticos - quando o Parnasianismo era demodê, e que estranhamente sofreu alterações editoriais bastante bruscas, o que põe em xeque-mate sua validade literária e o prestígio do "médium")
Via como a ideia de "caridade" insiste em ser tratada de maneira hipócrita, vendo mais o prestígio do suposto "benfeitor", geralmente os ditos "médiuns", servindo como uma cínica "carteirada".
É como se a ideia de bondade tivesse sido privatizada, nas mãos dos tais "médiuns". Um "médium" muito farsante, aquele que usou peruca e se responsabilizou pelo referido livro "parnasiano" - pioneiro na literatura fake e nos "deep fakes de Cristo" - , se benefia, até postumamente, disso.
"Ele fez caridade", repetem, como se fosse num disco de vinil pulando na vitrola, para blindar o charlatão mineiro que, além do mais, defendeu a ditadura militar e foi premiado pela Escola Superior de Guerra, que não iria premiá-lo se não fosse a fidelidade canina ao regime dos generais.
(Temos que insistir às esquerdas que o dito "médium" mineiro antecipou os "médiuns de direita", portanto não tendo a ver com a falsa ideia de que o religioso era a "alma gêmea do ex-presidente Lula", de quem o "bondoso médium" sentia horror e forte medo de vê-lo presidindo o país)
E essa "caridade" que mais parece um quadro do Caldeirão do Luciano Huck é que vêm à tona nesses tempos de coronavírus.
Infelizmente, predomina a ideia de que a bondade é um patrimônio privado e o ódio é que é um bem público.
A "bondade" é tratada como se ela tivesse um copyright, atribuído a Jesus Cristo, e geralmente associada às religiões católica e "espírita" (no sentido do sub-Catolicismo de ranço medieval que o Espiritismo se desenvolveu no Brasil).
O risco é ver ressurgirem aquelas horrorosas mensagens medievais do "médium de peruca", que falava que a pessoa deveria sofrer calada para ser "melhor ouvida por Deus".
Essas mensagens apelavam até para valores da reforma trabalhista, defendendo o trabalho exaustivo, a servidão e as perdas salariais (sob o pretexto de "desapego aos bens materiais") e passando pano para os abusos dos patrões, aos quais só se recomendava o "perdão" (ou "ganhão").
E tem gente achando que o tal "médium" era "progressista" porque carregava criança negra e pobre no colo e prometia a "paz mundial" promovendo o Brasil a uma (perigosa) condição de "pátria do Evangelho", sutil leitura "espírita" da fusão de Estado e Religião.
Grande engano. O "médium" era dos mais medievais, só não usava o discurso violento dos Macedo, Malafaia e Soares das seitas "evangélicas", mas ainda assim esculhambou operários, camponeses e sem-teto diante de uma audiência gigantesca na TV Tupi.
O maior medo, nesses tempos de coronavírus, é essa doença maior de uma "solidariedade" religiosa que esconde motivações interesseiras de dominação pela fé, de ações meramente paternalistas e de uma manutenção das desigualdades pelo modo hipócrita de promover a reconciliação.
Repetindo: é aquela "reconciliação" de vencedores com perdedores, desde que os vencedores sejam reconhecidos em sua vitória e os perdedores aceitem suas derrotas.
Num país em que intelectuais pró-brega são "santificados" por promover o mito da "pobreza linda", faz sentido religiões como o "nosso" Espiritismo falar que "sofrer é lindo e sofrer calado é mais lindo ainda".
Uma religião hipócrita no qual seus fiéis, sem saber, se divertem às custas do sofrimento alheio, ouvindo aquelas "histórias lindas" de pessoas que perdem tudo e só ficam com a "bênção de Deus".
E reagem com a masturbação pelos olhos, ou seja, transformando o ato de chorar por comoção em um divertimento fútil e premeditado. As pessoas vão às "reuniões espíritas" já se preparando para esse "orgasmo ocular", muito mais leviano e obsceno do que mil orgias sexuais.
Esse é o grande temor. Essa contaminação por uma visão igrejeira de "caridade" e "solidariedade" que nem de longe resolve os verdadeiros problemas humanos, mais contribuindo para mantê-los e forçar a aceitação dos mesmos por quem mais é prejudicado por eles.
Ninguém percebe que um dos lemas do Espiritismo no Brasil é justamente uma versão sofisticada do lema que elegeu Jair Bolsonaro: "Brasil, acima de tudo, Deus acima de todos".
Assim como devemos ficar em casa para não contrair o coronavírus, deveríamos também nos amarrar nos mastros, como o bravo Ulísses da Odisseia, para evitar nos levarmos ao abismo marinho pelo pior dos cantos de sereias.
O pior canto de sereia é aquele que não vêm de mocinhas bonitas com rabo de peixe, mas de velhinhos feiosos que, falsamente, julgam serem "porta-vozes dos mortos". Esse canto é, mil vezes, o mais traiçoeiro, enganador e até mortal. Talvez pior que o coronavírus.
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