HUMBERTO DE CAMPOS, ESCRITOR QUE SE TORNOU A MAIOR VÍTIMA DA LITERATURA FAKE PRETENSAMENTE ESPIRITUALISTA.
Um crime da mais extrema gravidade está sendo consentido, durante, pelo menos, 76 anos, oficialmente em todo o Brasil.
É o uso de nomes de mortos para a produção de supostas mensagens espirituais, tidas como "psicográficas".
Sem que suas obras fossem transformadas em domínio público, já se usurpam as memórias dos falecidos de maneira irresponsável, e sob a chancela do Espiritismo brasileiro.
A prática teve como um dos precedentes um livro poético cujo título evocava o Parnasianismo que, no ano de seu lançamento, 1932, já era considerado um movimento literário ultrapassado.
Pouco depois, o escritor Humberto de Campos, provavelmente por revanchismo da parte de um "médium" - o mesmo hoje adorado por muita gente, graças a uma imagem de "filantropo" construída pela grande mídia durante a ditadura militar - , tornou-se a maior vítima dessa apropriação.
Quem tem um mínimo de conhecimento literário não tem dificuldades para reconhecer que o conteúdo da "obra espiritual" de Humberto é uma grande farsa.
A linguagem, o estilo e a mentalidade dessa "obra do além" não bate com o estilo original do autor.
Especialistas falam que a obra é cheia de cacófatos, a linguagem é pachorrenta, sem a agilidade textual que Humberto havia deixado nos escritos em vida.
Seu caso, que resultou numa vergonhosa impunidade na qual um juiz chamado João Frederico Mourão Russell, em 1944, autorizou - sempre a seletividade da Justiça brasileira - , abriu precedente para uma grande farra literária.
A coisa é tão grave que existe até denúncia de haver um lobby para proibir que livros originais de Humberto de Campos sejam republicados, porque basta a leitura destes para pôr a "psicografia" em descrédito.
Embora o mundo espiritual e a chamada atividade psicográfica sejam um mistério, sobretudo nas relações com o sobrenatural, é suficiente afirmar que as "psicografias" são fake. Existe até um neologismo pejorativo chamado psicografake.
Além do mais, no Brasil há um estranho surgimento de "médiuns" em quantidade maior do que se pode admitir. A lembrança de um dito popular é inevitável: "bom demais para ser verdade".
Gente usando nomes de mortos ilustres para ludibriar as pessoas, com mensagens prometendo a paz mundial e pedindo a confraternização de todos.
Realmente, é bom demais para ser verdade. O professor Allan Kardec, criminosamente traído por aqueles que se dizem seus seguidores, desaconselhava a aceitação de obras que usem com facilidade os nomes de ilustres falecidos, pelo forte indício de fraudes que representam.
Desconfio dessa facilidade em produzir "psicografias" num país atrasado como o Brasil, quando a paranormalidade já é um enigma ainda não decifrado nos países mais antigos.
Não seria um Brasil, ignorante em paranormalidade, que traria a solução para isso. E é bom demais para ser verdade haver um número de "médiuns" além da conta, quando mesmo os "mais conceituados" não passam de uns grandes farsantes.
Da forma como se faz no Brasil, é como se houvesse um equivalente textual para os hologramas que são digitalmente montados para famosos mortos "se apresentarem" nos palcos.
Não há estudos, não há preparação, e tudo que há é um truque que se revela como se faz.
Primeiro, o "psicógrafo" se reúne numa sala bem fechada. Ele tem em mãos um repertório de informações previamente colhidas a respeito do "morto" que irá representar.
Segundo, ele decide se concentrar, não para ouvir as vozes do além, é claro, mas para, como um ator, desempenhar o papel do "personagem" que é o falecido de sua escolha.
Terceiro, produz-se uma mensagem que, de forma superficial, reproduz parcialmente alguns aspectos pessoais do morto, e, para não despertar desconfianças, capricha-se na propaganda religiosa e nas mensagens "cristãs".
Quando a psicografake é feita diante do público, já existe uma prévia, que são as informações trazidas pela leitura fria e pelas fontes bibliográficas referentes a um "morto".
Infelizmente, gente que carrega a imagem de "tarimbada", "respeitável" e "competente" foi a primeira a produzir tais fraudes.
Mesmo as "melhores psicografias" sempre apresentam uma irregularidade muito séria e preocupante, em relação aos aspectos pessoais referentes a uma pessoa morta.
Seus seguidores se revoltam quando se fala que tais obras são fraudulentas, mas ninguém tem a coragem de dizer que elas são legítimas.
Pelo contrário, cria-se uma malandragem na qual as obras "não são falsas nem legítimas", cabendo ao leitor ter a "liberdade" de aceitá-las ou não, conforme sua fé.
Usar a fé para usurpar livremente a memória dos mortos é um desrespeito a eles.
Daí a gravidade desse crime.
Se no Brasil não se tem concentração para ouvir uma música chinfrim nem para ler uma lista de compras, se tem concentração para receber mensagens dos mortos?
Ainda mais quando elas são sempre padronizadas, seguindo sempre o mesmo roteiro: "Fui para o umbral, depois fui para a colônia espiritual, fui conhecer Jesus e voltei para dizer para vocês serem cristãos".
Essa malandragem é feita para ofender a memória dos mortos, que, por não estar mais entre nós, isso não significa que alguns supostos "iluminados" tenham o direito de usar seus nomes da maneira que querem.
Pedimos aos leitores denunciarem toda essa farsa mencionada nesta postagem, porque o que está em jogo é a ética, que não desaparece quando as obras passam a ter domínio público.
Afinal, apesar do domínio público, temos que respeitar o legado e a memória das pessoas falecidas. Respeito não tem prazo de validade.
Da mesma forma, criar literatura fake usando os "ensinamentos do Cristo" é mil vezes mais ofensivo, porque se usa a religião e as "mensagens edificantes" como escudos para textos falsos.
Temos que nos preocupar com as fake news e com os deep fakes de hoje com muita prioridade e propriedade.
Mas também temos que nos preocupar com as psicografakes, que abriram o caminho "abençoado" para as demais práticas farsantes.
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