O Brasil sucumbiu à flanelização cultural. Como flanelinhas, muitos brasileiros estão a passar pano em tudo.
Até os documentários e as teses acadêmicas entram nesse embalo. Tudo tem que ser chapa branca. Desproblematiza-se as problemáticas. Senso crítico é proibido, confundido com opinião.
A ideia é passar pano até mesmo sob o verniz da narrativa documentária ou monográfica.
Diante disso, o Brasil também sucumbiu ao pragmatismo. Aquela coisa do "o que vier, tá bom", que fez o Rio de Janeiro jogar fora sua imponência, sua grandeza e sua diversidade.
Dos anos 1990 para cá, o Rio de Janeiro sucumbiu a uma mediocrização e uma decadência vertiginosa.
As pessoas custam a acreditar que o Rio de Janeiro está decadente. Até as esquerdas não aceitam que o Estado, sobretudo sua capital, tenha se tornado um antro de ultraconservadorismo.
Os fluminenses passaram a aceitar ônibus padronizados, rádios pseudo-roqueiras com nome banal - devemos nos lembrar que há "n" emissoras com o nome "Rádio Cidade" espalhadas pelo país - , mulheres-objetos, bicheiros mafiosos, milicianos etc.
Foi o Rio de Janeiro que elegeu Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro deputados federais em 2014. O ovo da serpente do golpe de 2016 surgiu no Rio de Janeiro, apesar do impulso dado pela Operação Lava Jato em Curitiba.
O Rio de Janeiro é que veio com a mania de pragmatismo, uma forma maluca de aceitar retrocessos visando deixar a cidade "mais pé no chão".
Daí que, antecipando os bolsomínions, muitos internautas do Grande Rio passaram a defender esses retrocessos com tanto radicalismo que chegaram ao ponto de criar páginas da Internet ofendendo quem discordar de tais retrocessos.
E isso quando os discordantes já estavam abatidos pelo "gado" que seguia o valentão da Internet na ocasião dos "ataques".
Sim, porque, infelizmente, muita gente se ilude com o jeito "divertido" do valentão e segue ele na hora de humilhar alguém nas redes sociais.
Aliás, até que ponto pessoas consideradas "normais" não podem fazer parte desse "gado"?
Até agora, Jair Bolsonaro só representou o que há de ruim na espécie humana. Até durante a campanha eleitoral, só faltou o próprio Jesus Cristo para advertir sobre a figura nefasta do presidenciável.
Mas um mero chilique anti-PT fez com que Bolsonaro fosse eleito. E olha que havia várias opções de centro-direita anti-petista para votar.
Pareciam os ouvintes da Rádio Cidade, que ignoram que há zilhões de rádios de rock bem melhores e mais competentes. Esses bolsomínions só querem a Rádio Cidade, com toda sua canastrice eletrônica.
Entre o "picolé de chuchu" Geraldo Alckmin e o perigoso sociopata Jair Bolsonaro, teria sido preferível o primeiro, em que pese seu caráter obscurantista e neoliberal.
Mas não. O pessoal quis Jair Bolsonaro. Foi uma teimosia infantil que contaminou muita gente grisalha, de cabelos brancos. Fico perguntando o que é "maturidade", hoje em dia.
Aí o pessoal passou pano em tudo que Bolsonaro fez e não fez. De gafes do tal "chuveiro de ouro" (eufemismo para urnia) até as ofensas à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, ao corroborar as mentiras que um produtor de notícias falsas deu num depoimento.
As esquerdas não foram para as ruas. Saíram desmoralizadas com o impeachment e ainda estão presas nos seus "brinquedos" dados pela centro-direita.
Não conseguem aceitar que um "médium espírita" de Minas Gerais foi homenageado pela Escola Superior de Guerra por ter apoiado e colaborado com a ditadura militar.
Presas ao pensamento desejoso, as esquerdas ainda insistem que o sujeito, que usava peruca durante um tempo, era "progressista", mesmo defendendo ideias como a servidão, o trabalho exaustivo e ideias análogas à "cura gay" (sob "a ótica espírita") e à Escola Sem Partido.
Da mesma forma, também não aceitam que Rômulo Costa era filiado ao PSL na época do "baile funk contra o impeachment", em abril de 2016, e que depois ele foi festejar suas realizações ao lado de um jornalista ligado a Temer (Luís Erlanger) e um senador golpista (Eduardo Lopes).
As esquerdas também têm momentos em que se tornam prisioneiras de suas convicções. Custou a elas, por exemplo, aceitar que o "funk" é um subproduto da Rede Globo e sua forma de fantasiar as "periferias" (vide os idealizados núcleos pobres das novelas, por exemplo).
Presas nos seus "brinquedos" e insistindo em chamar fatos de "opiniões", as esquerdas perderam o protagonismo, e repetiram o modus operandi da direita bolsonarista.
As esquerdas viraram passadoras de pano incapazes de reconhecer os "novos Cabos Anselmos" que aparecem como falsos amigos das causas progressistas.
Aí a direita bolsonarista passou a "sequestrar" os métodos de mobilização das esquerdas, como "retribuição" ao fato das forças progressistas acolherem "heróis" nada progressistas.
Como é que, por exemplo, as esquerdas, que expressam seu senso crítico afiado na mídia progressista, vão cultuar um "médium" que dizia para as pessoas suportarem as adversidades em silêncio, "sem queixumes"?
É por isso que tudo caminhou para o pesadelo em que vivemos, agravado pela ameaça importada do coronavírus.
E tinha que ser o coronavírus o primeiro fator de um repúdio sério contra Bolsonaro, só por causa do risco de infecção e contágio nas pessoas.
Só por um efeito direto e imediato nas pessoas é que Bolsonaro passou a ser reconhecido como nocivo, apesar de tantas atrocidades e desastres.
Isso exige aos brasileiros uma grande revisão de valores porque a flanelização está generalizada. A maioria dos brasileiros, mesmo entre as esquerdas, virou uma multidão de passadores de pano.
Agora é pagar o preço exorbitante de um pragmatismo arrogante e irresponsável que fez o país até congelar gastos públicos e saquear, de maneira também irresponsável, a reserva internacional e o FGTS que eram depositados para melhorar o nosso país.
Esta conta tem que ser paga por essa plateia arrogante e reacionária que espalhou o terror nas redes sociais.
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