O Brasil, país dos Quenuncas, não tem condições para se prevenir contra o coronavírus e as pessoas assistem passivas à tragédia humana vigente desde 2016 (mais precisamente, desde 2015).
Ainda que fossem a "massa silenciosa" ou a direita ultraconservadora, ou mesmo a burguesia centro-direitista, seriam compreensíveis as hesitações em torno da necessidade de tirar Jair Bolsonaro do poder presidencial.
Mas é justamente nas esquerdas, que falam, falam, mas nada agem de concreto, que está o pior da passividade, apesar da natural indignação contra o "mito".
As esquerdas guardaram seus "brinquedos" culturais da centro-direita - que haviam sido dados de "presente" pela Rede Globo, SBT, Folha de São Paulo, Caras etc, para ser depois cultuado pela Caros Amigos, Carta Capital ou mesmo pelo Brasil 247 em fases de "coração mole" - no armário.
A questão não é guardar no armário e não usar esses "brinquedos", e fazer cara de desdém do tipo "você pensa o que quiser" ou "vamos mudar de assunto, por favor".
A questão é jogar fora esses "brinquedos", assumir a decepção pelos mesmos, admitir que até gostou deles, mas se desiludiu depois.
Não é errado dizer que gostou de algo e se decepcionou. Quantas pessoas, ideias ou instituições eu adorei, e hoje até detesto, depois de tanta decepção!
O Brasil não tem tradição de país esquerdista, e infelizmente boa parte de nossos progressistas ainda parecem ter resíduos culturais trazidos da Era FHC ou mesmo do tempo da ditadura militar.
Isso se dá porque os "brinquedos" culturais - mulheres-objetos, "médiuns espíritas", jogadores de futebol, cantores "sertanejos", funqueiros e antigos ídolos cafonas - eram vistos como "acima de ideologias", por mais que sejam paparicados até por um entusiasmado Sílvio Santos.
Se brincou muito com esses "brinquedos", na utopia de que estes trariam a tão sonhada "revolução social" dos movimentos progressistas, conforme o imaginário das esquerdas médias que andaram vendo novela demais nas telas da Rede Globo.
Toda a complacência com esses "brinquedos" até agora não deu lugar a uma autocrítica das esquerdas, um relato firme, decidido e conciso de que se iludiram com tais "objetos".
Não custa dizer, por exemplo, "eu me decepcionei com aquele médium de peruca, achava que ele traria a paz mundial e a revolução socialista, mas vi que ele nunca passou de um reaça doentio'?
Será que até as esquerdas possuem indignação seletiva?
É muito fácil se decepcionar com aquele antigo ministro de Lula ou Dilma que "desembarcou" e passou para o lado dos golpistas políticos.
Difícil é aceitar que Rômulo Costa, dono da Furacão 2000, é golpista e amigo dos golpistas e ele forjou aquele "baile funk anti-impeachment" de 2016 só para anestesiar os manifestantes com um clima de "festa" que eliminou o tom do protesto.
As esquerdas perderam a firmeza do discurso. Ficam cheias de dedos, hesitam ou reclamam pelas costas.
Rômulo Costa fez o papel de Cabo Anselmo naquele abril de 2016, para anestesiar as esquerdas, e ninguém, oficialmente, deu a mínima, ou fica relativizando isso às escondidas.
Daí que é na direita que está o discurso mais visceral, seja a centro-direita que encampou a antiga indignação das esquerdas, seja a extrema-direita golpista que se acha livre para falar grosso o tempo inteiro.
Roberto Justus, por exemplo. Há quinze anos, ele era apenas mais um entre empresários, médicos, economistas, advogados que, na casa dos 50 anos, combinavam sucesso financeiro, pedantismo cultural vintage e novas esposas (inclusive uma ex-paquita) mais jovens que eles.
Mas hoje ele se juntou ao reacionarismo profissional ao lado de Luciano Hang, Júnior Durski - o sócio bolsonarista de Luciano Huck na rede de restaurantes Madero - que prefere ver muita gente trabalhando precariamente "pela Economia" do que trazer alguma solução à Covid-19.
Esses empresários passaram a preferir ver gente trabalhando sem salário nem garantias, só para "salvar as empresas da crise", do que ter uma mínima preocupação com quem morre por causa do coronavírus.
E alguém espera que o "médium espírita" de peruca defendesse algo diferente, como as esquerdas médias que ainda o guardam no armário, para uma futura apreciação?
Pois esse pretenso "símbolo de paz e fraternidade", do qual muitos idiotas inseriram "Amor" como seu sobrenome, pregava a servidão, a redução salarial, o trabalho exaustivo, a submissão aos patrões.
Se o trabalho era difícil e exaustivo e estourava o horário do expediente, o "médium" dizia para que o trabalhador continuasse trabalhando.
Se o salário reduzia, se os encargos eram extintos, mesmo diante da multiplicação e reajuste de contas a pagar, que aceite, que replaneje os gastos e agradeça a Deus pela "oportunidade" de desapego à matéria.
Que o trabalhador se vire para pagar as contas que, juntas, superam R$ 5 mil, com um salário de apenas R$ 200, que será pago depois que todas as contas já estiverem com o prazo vencido, já significando uma boa multa.
O trabalhador que aprenda a mudar até o café da manhã. Cortar o café, botar água de bica no lugar. Se o misto quente não tem mais queijo nem presunto, agradeça a Deus por só restar o pão!
Nos acordos entre patrão e empregado, se prevalece o interesse patronal, que o trabalhador aceite, porque o patrão é um "irmão como ele" e também "possui famílias e contas a pagar".
Tudo isso vindo daquele "médium" que as esquerdas pensam ser "progressista", só porque traz um discurso supostamente pacifista, carrega uma falsa imagem de humilde e sua literatura fake promete até mesmo a liderança planetária do Brasil como futura "Pátria do Evangelho".
O pessoal se esquece que o "médium" foi, em seu tempo, uma espécie de "Jair Bolsonaro do Cristianismo", que se promoveu às custas de uma risível antologia poética de 1932, que, atribuídas a uma série de poetas mortos, sofreu estranhos reparos editoriais cinco vezes (!).
Esse é o maior "brinquedo" e o mais perigoso no armário das esquerdas. Fico preocupado porque é o Espiritismo brasileiro que mais se aproveitará da crise do coronavírus para promover bom-mocismo, como uma espécie de "Renova BR das religiões".
Daí que ando alertando em várias postagens sobre isso. Periga, nesses tempos de quarentena, pânico e convulsões sociais, que os "cantos de sereia" de "médiuns" repulsivos seja ouvido e acolhido por incautos.
Mesmo quando sabemos que o tal "médium de peruca" era mais amigo do patronato do que do proletariado que esculhambou num programa da TV Tupi.
Jair Bolsonaro é fácil de ser derrubado, e fez um discurso revoltado ameaçando dar golpe e ordenando o fim da quarentena, em evidente apologia à ameaça à saúde pública e, por associação, à integridade física do povo brasileiro.
Ou as esquerdas rompem com seus "brinquedos", jogando-os fora no lixo do culturalismo conservador, ou terão que prestar misericórdia ao coronavírus, orando pelo "pobre irmãozinho" que fica infectando os organismos das pessoas.
É preciso jogar esses "brinquedos" fora e voltarem para a luta cotidiana.
É preciso autocrítica e firmeza para as forças de esquerda, antes que seja tarde demais.
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