A geração nascida nos anos 1950 pode se considerar uma geração perdida.
Não digo só ela. A geração nascida nos anos 1960 e até na mesma época que eu (sou nascido em 1971 e, por incrível que pareça, farei 49 anos no próximo sábado), também é cúmplice dessa triste sina.
Vide, por exemplo, a patota que nasceu mais ou menos na mesma época que eu: Luciano Huck e sua Angélica, Pedro Alexandre Sanches, Ivete Sangalo, Alexandre Pires, Sérgio Moro, Rodrigo Maia, Solange Gomes.
Não vou contar as exceções, entre intelectuais e ativistas progressistas, roqueiros (punks, pós-punks ou pós-hippies), artistas não-comerciais, atores de vanguarda e contraculturais em geral, que em tentaram fazer algo por sua geração, mas eram uma minoria.
A maioria que faz jus ao título de "geração perdida" é justamente a de homens e mulheres bem-sucedidos, envolvidos em posições estratégicas de liderança ou associados ao prestígio social.
Vai desde um punhado de empresários e profissionais liberais que se promoviam às custas do pedantismo cultural e de belas esposas bem mais jovens até figuras problemáticas como Harvey Weinstein e o nosso Jair Bolsonaro.
É uma geração que não ensinou seus filhos a terem uma cultura de verdade. Eles são pais de gerações que vão dos nascidos em 1978-1983, criados dentro da bolha do mainstream, até os mileniais (millenials) dotados de pura indigência cultural.
Seus filhos acabaram perdendo tempo vendo franquias cinematográficas de super-heróis e ouvindo um pop cheio de dançarinos tão rasteiro que deveria ser denominado poop music (algo como "música de bosta").
E logo quando vemos que os empresários, médicos, publicitários e economistas casados com belas mulheres com idade para serem suas filhas ou, quando muito, irmãs "do meio", se julgando "culturalmente sofisticados".
Eles passaram o tempo todo ouvindo Doobie Brothers, Eagles e toda a disco music, mas quando completaram 50 anos encanaram em dizer que são "especializados em jazz" e, nos seus desvarios pedantes, achavam que podiam, a essas alturas, carregar pelas costas os anos 1930 e 1940.
Se era uma geração de "sofisticados culturais", por que não contribuíram para um mundo melhor?
A geração nascida nos anos 1950 usava Frank Sinatra para contrapôr à Contracultura que foi a tendência dominante entre os nascidos dos anos 1940.
Fácil fingir que curte jazz aos 50 ou 65 anos de idade, mas que contribuição foi dada para evitar que seus filhos curtissem conjuntos de dançarinos cantantes ou rappers com voz robotizada recitando temáticas bastante grosseiras e sensacionalistas?
Fácil dizer que são "culturalmente sofisticados", mas nunca ensinaram seus filhos a ler um livro, em vez de estimular, neles, através das festinhas de aniversário e reaniversário todos os sábados, a obsessão doentia por noitadas.
Fácil falar de figuras humanitárias do passado, fácil bajular Millôr Fernandes e Norman Mailer, mas que contribuição os paizões e mãezonas (geralmente as ex-mulheres dos "coroas sofisticados") - estas convertidas em beatas a partir dos 50 anos - para evitar a formação de jovens midiotas?
Seus filhos só conseguem aprender o que é um violão e um piano quando veem os reality shows de música, tipo American Idol e The Voice.
Para piorar, os piores chiliques e omissões que vieram a partir de 2015 vieram da patota que tinha, em média, 60 anos de idade.
Eles puseram no poder "velhinhos" inexpressivos como Michel Temer (famoso pelo casamento-margarina com uma mulher com idade para ser sua neta) e Donald Trump (também envolto em outro casamento-margarina, mas com mulher com idade para ser sua filha).
A geração nascida nos anos 1950 foi capaz de uma risível façanha de concretizar aquilo que era apenas uma piada sarcástica do seriado Os Simpsons: transformar Trump em presidente dos EUA.
Essa mesma geração preferiu também tirar a Grã-Bretanha da União Europeia (o Brexit, abreviatura para "British Exit", "saída britânica"), achando que as ilhas britânicas estavam autossuficientes sob o guarda-chuva econômico dos Estados Unidos.
E também não criaram as condições científicas e sanitárias para evitar o coronavírus. Ou, talvez, as condições políticas, porque, dizem, o coronavírus seria uma arma química sabe-se lá de que origem.
Fácil conversar com um médico de elite de 60 e tantos anos sobre a Nova York dos anos 1940 que ele alega ter vivenciado, apesar de nascido na década seguinte.
E isso para uma geração que mal conseguia entender fatos como o assassinato de John Kennedy, e não se fala em conhecer segredos de bastidores, é óbvio.
Mas difícil é perguntar para esses pedantes como Donald Trump conseguiu ser eleito presidente dos EUA. Não se esperava, ao menos, um arremedo de John Kennedy lançado pelo Partido Republicano, na pior das hipóteses?
E no Brasil? Fácil um empresário de 60 e tantos anos falar em Tom Jobim, em Copacabana Palace, em Anos Dourados, embora ele não saiba quem foi Jacinto de Thormes e muito menos como era a TV Excelsior.
Difícil é ele explicar como Jair Bolsonaro, que foi um delinquente militar e um deputado desastroso, foi eleito. Sua geração prometia um "novo Kubitschek", ainda que "mais à direita", mas preferiram um crossover de Jânio Quadros e Ernesto Geisel que é Bolsonaro.
O próprio Bolsonaro é "filho" dessa geração, nascido em 1955. Vergonhoso outro "filho", o "sofisticado" empresário Roberto Justus, ter apoiado o "mito" na campanha presidencial.
A exemplo de Trump, sabemos que ele foi eleito pela máquina de fake news disparadas pelas redes sociais.
Mas de que adianta pais e avós condenarem as fake news se, no Brasil, se legitimou a literatura fake das falsas psicografias, sobretudo através daquele "médium de peruca" de Minas Gerais que foi uma espécie de "Jair Bolsonaro do Cristianismo", apesar das esquerdas passarem pano nele?
"Psicografias" risíveis, de livros que fogem dos estilos pessoais dos autores mortos alegados e têm até qualidade inferior - em que pese a promessa de oferecer "lindas estórias de esperança na fé cristã" - , e "cartas mediúnicas" que não condizem às assinaturas originais dos entes queridos mortos.
Como combater as fake news legitimando e estimulando a literatura fake?
E como combater o terraplanismo se, sem o menor embasamento científico, se acredita que há uma "cidade espiritual" flutuando sobre o Rio de Janeiro, que lembra mais uma combinação de condomínios e hospital de luxo da Barra da Tijuca com os bosques da Quinta da Boa Vista?
Se o avô aceita que oportunistas se passem por Humberto de Campos, Raul Seixas, Hebe Camargo, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e Domingos Montagner em mensagens "do além", o netinho se sentirá encorajado a crer em páginas que falam que Lula causou o terremoto no Haiti em 2010.
É tanto pedantismo intelectual dos homens e mulheres mais influentes, sobretudo as mulheres rezadeiras que imaginavam que Pais Nossos e Aves Marias trariam mais a paz mundial do que toda a Contracultura junta, mas ninguém conseguiu se prevenir à pandemia do coronavírus.
Agora, a geração de 1950 que parecia ter esnobado a Contracultura e seus apelos por mais saúde, por um meio-ambiente melhor e por valores sociais mais dignos, terá que ficar em casa de castigo.
Terão que se assumir como uma geração perdida e admitir os erros que fizeram ao não zelar por uma formação melhor deles e de seus filhos e netos.
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