Eis uma aparente vitória com sabor de derrota e uma quase derrota com sabor de quase vitória. Na primeira hipótese, a vantagem de Lula sobre Jair Bolsonaro na campanha presidencial não foi suficiente para dar ao petista a vitória no primeiro turno, tida como "certa" por seus defensores. Já Bolsonaro ficou em segundo lugar, mas com uma vantagem que anima seus seguidores e que, durante três horas de apuração, chegou mesmo a colocar o extremo-direitista em primeiro lugar.
Entre 17 e 20 horas, Bolsonaro ficou em primeiro e a variação na diferença de votos, no decorrer da contagem das urnas, do candidato do PL sobre Lula era de cerca de 800 mil a 1,3 milhão de votos. Houve depois um empate técnico e Lula deu a virada, crescendo até chegar a cerca de cinco milhões de votos sobre Bolsonaro, insuficientes para a vitória imediata. Com cerca de 48% contra 43%, Lula venceu Bolsonaro com uma vantagem apertada.
Ainda não é um tempo de ventos progressistas. Nomes como Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro, Romeu Zema, de Minas Gerais, Ronaldo Caiado, de Goiás, e Ratinho Júnior, do Paraná e filho do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, foram reeleitos, mostrando ainda a força do conservadorismo pós-2016. O deputado federal mais votado do Brasil também é de direita, o bolsonarista Nikolas Ferreira, candidato de Belo Horizonte (MG), com mais de 1,4 milhão de votos.
Em São Paulo, o petista Fernando Haddad também sofreu a mesma sina de Lula, enfrentar no segundo turno o rival apoiado por Bolsonaro, Tarcísio Freitas, do Republicanos, na disputa para o governo paulista. No entanto, é Tarcísio quem saiu em vantagem, com cerca de 42%, contra 35% do petista que disputou a Presidência da República em 2018.
Nomes ligados direta ou indiretamente ao bolsonarismo foram eleitos para o Senado, como o ex-vice de Bolsonaro, general Antônio Hamilton Mourão, e o ex-ministro do atual presidente, do qual está brigado, Sérgio Moro, o mesmo "herói" da Operação Lava Jato que jurava de pés juntos que não arriscaria a carreira política. Deltan Dallagnol, parceiro de Moro nesse embuste jurídico, foi também eleito, tendo sido o deputado federal mais votado no Paraná, mesmo com Vaza Jato e tudo.
Os resultados eleitorais fizeram a mídia de esquerda voltar à realidade. A tão sonhada vitória de Lula, que fez a mídia progressista sentir obsessão pela "candidatura única" do petista, falando em "voto plebiscitário", "disputa entre democracia versus fascismo, civilização versus barbárie", e humilhando a Terceira Via, tida como "natimorta" o tempo todo, ruiu e o lulismo conseguiu vantagem eleitoral relativa.
Lula afirmava que, se fosse vencedor no primeiro turno, ainda em outubro começava a bolar sua equipe de governo e as primeiras ações a fazer para o Brasil. Mas, com o resultado adiando a disputa final para o segundo turno, o lulismo sentiu uma vitória com sabor de derrota. Isso piora quando se constata que Lula só saiu vencedor, por região, no Norte e Nordeste, enquanto nas demais regiões Bolsonaro saiu vencedor.
Isso é um preço a ser pago por uma campanha muito ruim realizada pelo petista. Ele cometeu três erros primários: entrou em clima de festa num momento de distopia, se aliou a forças opositoras de sua causa e prometeu demais sem ver condições para tanta promessa.
Depois, Lula fez outros erros. Embora forçasse os lulistas a aceitarem a escolha de Geraldo Alckmin como vice na chapa presidencial, mais por ser uma decisão do petista do que por qualquer motivo de necessidade, nenhuma autocrítica foi feita pelo ex-governador de São Paulo, que também não quis demonstrar uma mudança real, pois suas supostas mudanças, de partido e de conduta, partiram de comentários de terceiros, sem resultado prático algum.
Lula não se dediciu se ia revogar a reforma trabalhista ou o teto de gastos ou se aproveitaria pontos "positivos" por influência de aliados mais moderados. Lula também se contradisse, ao alegar que ele nunca iria se submeter à Faria Lima e, nas reuniões empresariais, acabou se submetendo. E tudo o que não pudemos conhecer de Lula é seu programa de governo, e o petista, para piorar, preferiu agir de maneira inconveniente neste sentido.
Lula afirmou, em entrevista à revista Time, que "em vez dos eleitores perguntarem o que (Lula) vai fazer, perguntem o que foi feito (nos dois mandatos anteriores". Lula nunca abriu o jogo sobre seu programa de governo e, depois de até abrir um canal de sugestões dos eleitores comuns, que agora estão nas mãos de sua equipe de governo, o petista cancelou a divulgação do texto final deste programa.
Isso foi muito ruim. Mesmo que um programa de governo fosse sujeito a mudanças, é necessário que ele seja divulgado num texto definitivo para o eleitorado, apresentando não as coisas que serão feitas de qualquer maneira, mas ideias possíveis de serem realizadas, para assim fazer o eleitorado se interessar por elas. Lula não quis se destacar pelas ideias, pois os lulistas acreditam que "Lula (já) é uma ideia".
Foi um dos piores erros recentes. O segundo foi a ausência do debate do SBT/CNN, que seria fundamental para o petista furar a bolha. Tendo criado um comício num horário próximo, para chocar, de propósito, com o evento televisivo, Lula deu um tiro no pé, e pensou que bastou ir ao Programa do Ratinho, dias antes, para interagir com o público do SBT.
Grande engano. O público do Ratinho odeia Lula e boicotou a edição. Já o debate presidencial tinha o público de Ciro Gomes, de Simone Tebet ou de Soraya Thronicke para Lula enfrentar e, quem sabe, roubar eleitores. No comício do Itaquera, Lula praticamente falou para "convertidos", e perdeu uma grande chance de atrair para si mais eleitores.
Lula agiu de forma errada. Querendo recuperar a democracia, a sacrificou, pulando etapas ao menosprezar a Terceira Via. Achou que a Terceira Via lhe roubava votos e ignorou que ela é um subproduto do antipetismo que poderia muito bem enfraquecer o eleitorado de Bolsonaro.
Lula também agiu errado quando entregou o programa de governo para a frente ampla, achando que era "mais democrático" do que estabelecer o programa do PT. Mas o petista impôs sua vitória eleitoral o tempo todo, como se fosse o "candidato único" de um supervalorizado maniqueísmo da "democracia" contra o "fascismo" de Bolsonaro. Lula quis uma "democracia" só para ele, mas como um projeto político, soou mais como um híbrido entre José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.
Com esses erros, que no calor do momento eram considerados ações acertadas, Lula viu o resultado das urnas lhe abater, já que dependia da vitória no primeiro turno para trabalhar seu novo governo. Devido à sua arrogância e à sua falta de estratégia, Lula perdeu quatro semanas para adiantar sua volta ao Governo Federal, e fala-se isso se considerarmos a hipótese de vitória no segundo turno.
Afinal, Jair Bolsonaro é grotesco, incompetente e, politicamente, uma catástrofe. Mas ele é estratégico e sabe se comunicar muito bem com o eleitorado e trabalhar situações em que o extremo-direitista poderia sair derrotado de forma a lhe favorecer, tirar proveito de sua própria encrenca e sair em vantagem, obtendo visibilidade através da imagem de "polêmico".
As motociatas de Bolsonaro animaram seus eleitores, que apoiam o candidato devido à combinação de valores ultraconservadores difundidos sob o aparato da rebeldia e da valentia. Isto é a chamada "direita alternativa", a alt-right e seu fascismo hardcore. Lula não soube enfrentar a alt-right, e não teve a paciência de enfrentar a Terceira Via. Fala-se que Lula é um grande estrategista, mas estratégia é o que mais faltou ao petista.
Cabe agora Lula repensar seus métodos de campanha em quatro semanas, fazendo o que em onze meses se recusou a fazer. Se não dá para reverter sérios erros, como se aliar com os opositores da causa progressista, ao menos seja mais cuidadoso no seu projeto de "recuperar a democracia", buscando conquistar, e não impor, uma vitória eleitoral. Caso contrário, será ultrapassado por Bolsonaro e sua motociata e seus jet-skis.
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