LULA, NO COMPLEXO DO ALEMÃO - Mais festa, mais espetáculo e menos ideia e muito menos razão.
A campanha de Lula para a Presidência da República decepcionou pela falta de ideias precisas e consistentes, substituídas por promessas mirabolantes que aumentam ou diminuem em teor da proposta conforme as circunstâncias. Vide o exemplo do teto de gastos, que Lula fala que vai romper, em outras que vai apenas flexibilizar. E Geraldo Alckmin "entregou" que Lula vai "ampliar a reforma trabalhista", apesar do rascunho do programa de governo falar em "revogação".
Isso fez com que o mundo real, para desespero dos jornalistas da mídia progressista, mostrasse a frustração dos trabalhadores com Lula. Me despindo de juízos de valor e de possíveis solipsismos, e apenas ouvindo, sem me intervir sequer falando, as pessoas trabalhadoras comentarem entre si, na proximidade, vejo que o antipetismo retomou com toda a força.
Seja em Niterói, Mesquita, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Juiz de Fora, Belo Horizonte e São Paulo, cidades do meu conhecimento nos últimos anos, os trabalhadores andam falando mal de Lula. Pode ser doloroso, mas é verdade, e vendo Lula tendo Geraldo Alckmin como vice e se aliando com empresários, banqueiros e políticos fisiológicos, os trabalhadores logo se lembram da intensa campanha lavajatista e o proletariado passa a evitar votar no número 13 para presidente da República.
Lula virou o candidato dos identitários. Sua campanha se ancorou no espetáculo e na festa, e não na razão e na discussão de ideias. Tanto que o texto final do programa de governo foi cancelado, o que mostra que o petista não quis discutir ideias, deixando vazar que ele tem compromissos com a direita moderada que prejudicam as causas progressistas.
E aí vemos Lula falando apenas de "combate à fome". Não que Lula fosse incapaz de fazer um governo com habilidade técnica e medidas de ponta para o progresso do Brasil, mas ele renunciou a tudo isso quando resolveu se aliar com o A ao Z da direita moderada, sob a desculpa de "resgatar a democracia".
Não dá para manter um programa ousado, com tanta gente em cima, incluindo muitos que irão puxar o tapete. E aí Lula fará um governo mais fraco, mesmo que ele não queira, porque tem compromissos e dívidas políticas. A cobrança de impostos dos mais ricos, que Lula jura que irá cumprir, terá que ser cortada, porque são justamente estas elites que criaram facilidades para Lula criar a base eclética de apoio para manter a vantagem eleitoral sobre Bolsonaro.
E olha que a coisa não é fácil. Lula não consegue mais do que oito pontos em média sobre Bolsonaro, e no primeiro turno sua vantagem foi apenas de seis milhões de votos. Lula conquista os grupos identitários, associados a causas grupais e, não raro, a pautas hedonistas como a liberdade sexual e o uso de drogas, que passam longe de qualquer necessidade trabalhista de comprar uma quantidade farta de alimentos, ter um teto para morar e ter as contas em dia.
Bolsonaro não vai atender essas finalidades, mas o extremo-direitista consegue cooptar boa parte do proletariado por meio das seitas neopentecostais e aproveitando sua indignação com Lula, plantada pelas pregações da Operação Lava Jato. As classes trabalhadoras não estão preocupadas em ter um representante delas no Planalto, elas querem é eleger um presidente que possa atender suas necessidades mais fundamentais.
Em tese, Lula parece ser o candidato ideal. Mas Lula se perde com os erros de sua campanha, fazendo clima de festa num cenário distópico, pior do que em 2002. Não adianta Lula falar, da boca para fora, que o Brasil de hoje está pior do que há 20 anos atrás, se no entanto faz da sua campanha presidencial mais parece um Carnaval com tanto espetáculo e tanta festa.
Os grupos identitários não têm a indignação natural dos trabalhadores. Há uma grande diferença entre a revolta dos trabalhadores que reconhecem o caráter nocivo do governo Bolsonaro e a indignação de fachada que se vê, por exemplo, no Movimento Fora Bolsonaro. Os proletários anti-Bolsonaro se revoltam, os identitários apenas se sentem incomodados com ele. Se estivessem realmente revoltados, os identitários teriam derrubado Bolsonaro há três anos.
Lula sinaliza isso, quando suas propostas trabalhistas não vão além de paliativos. Aumento salarial com acréscimos de R$ 120 reais em média a cada ano, mas sempre com um quinto do que é recomendado pelos técnicos do DIEESE. Medidas assistenciais como Bolsa Família. Promessas de relativo progresso social para os mais pobres, sem romper com sua inferioridade social. Substituir favelas por casas populares e dignas não é prioridade.
Em compensação, Lula fará com que empresários e banqueiros continuem lucrando e dará verbas estatais para a "cultura", beneficiando mais os nomes popularescos que já têm verbas privadas lhes sustentando - como é o caso do "funk", patrocinado até por multinacionais - e garantindo o divertimento hedonista e vazio dos grupos identitaristas.
Funqueiros poderão receber mais de R$ 10 milhões de verbas estatais para fazer um DVD, mas as classes pobres só receberão uns R$ 600 de acréscimo às suas precárias finanças, apenas para deixar as contas em dia e ter comida na mesa, porque a mísera ajuda não irá dispensar as crianças de trabalhar precocemente, pois o dinheiro não será suficiente para ter uma vida digna.
E aí vemos o quanto as esquerdas médias, dominadas pela classe média, estão errando muito e perdendo o protagonismo que querem impor à realidade. As esquerdas não têm condições de impor seu protagonismo e agora brincam de "protagonizar", quando por baixo dos panos é a nata do mesmo golpe político contra Dilma Rousseff, ocorrido em 2016, a mesma direita moderada que aplaudiu Michel Temer e seu "pacote de maldades" e agora ensaia um "humanismo de resultados" apoiando Lula.
Por isso, vemos um quadro farsante, no qual Lula e as esquerdas pensam que estão vivendo um grande protagonismo político, quando na verdade não passam de coadjuvantes ostensivos de um roteiro tramado pelos neoliberais, que agora pensam num bom-mocismo maior do que aquele feito por Luciano Huck. Pois este bom-mocismo envolve uma maior pretensão, a de um "neoliberalismo para todos", um capitalismo flexível mas irredutível dotado de relativas medidas pelo bem-estar social.
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