FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LULA - Na prática, o reencontro é para que Lula não faça um terceiro mandato de centro-esquerda, mas uma cópia do tucano.
Gosto, defendo e acho fundamental a democracia, mas não gosto quando o uso desta palavra se torna banalizado, sinalizando um forçamento de barra, que dependendo do contexto tanto pode servir para mascarar uma ditadura quanto para supervalorizar um cenário de recuperação da paz social, que é o caso que temos hoje em dia.
Lula já se desfez do esquerdismo que tinha, e hoje é, oficialmente, um candidato de "centro", por mais que seus seguidores e apoiadores ainda o definam como "candidato de esquerda". O resto de esquerda que havia na mente de Lula em 2020 se extinguiu de maneira irreversível, e hoje o ex-sindicalista está mais próximo de um neoliberalismo assistencialista do que de algum centro-esquerdismo, mesmo o mais moderado.
O recente encontro, ocorrido ontem, entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, que agora declarou voto ao petista no segundo turno, aproveitando a decadência do PSDB, entregue a uma geração de novos mas problemáticos políticos - dos quais o único veterano é Aécio Neves, atuando junto a nomes como Rodrigo Garcia e Eduardo Leite - , para transformar o PT no "Partido dos Tucanos", com o apoio "entusiasmado" do tucanato clássico.
O reencontro de Lula e Fernando Henrique consolidou todo o esquema de alianças que incluiu também os idealizadores do Plano Real, como Edmar Bacha, Pérsio Arida, Pedro Malan, André Lara Resende, Armínio Fraga e outros, agora apoiadores de Lula, foi festejado pelos lulistas. Lula definiu a reconciliação política com o "cacique" tucano como um "reencontro democrático".
Lembremos, no entanto, que o tucanato clássico é responsável por um dos piores e vergonhosos escândalos políticos da História recente do nosso país, que é a Privataria Tucana, cujo livro seminal de Amauri Ribeiro Jr. estou na fase final de leitura. Durante anos as esquerdas viam no tucanato clássico um bando de oportunistas políticos, mas agora tudo ficou "de boa", como diz o jargão do culturalismo vira-lata dos últimos tempos.
Lula cometeu os erros que já descrevi em outras oportunidades e, agora, no caminho sem volta das alianças heterogêneas da frente ampla demais, seu esquerdismo está morto. Os esquerdistas de raiz ainda acreditam que o Incrível Exército de Brancaleone dos movimentos sindicais de hoje possam fazer ressuscitar o líder sindical que morreu no petista, mas é tudo em vão.
Em seus erros cometidos de maneira turrona, Lula perdeu a chance de vencer o primeiro turno porque não compareceu ao debate do SBT / CNN, que poderia "furar a bolha" do fã-clube do petista, e também porque não apresentou um programa de governo claro, preferindo cancelar o texto final do seu projeto, alegando "pontos polêmicos" que "dependem de serem discutidos pela sociedade".
Isso desidratou o projeto progressista de Lula de tal forma que hoje nada existe mais de esquerdismo. Tudo agora é "democrático", um eufemismo para um pretenso esquerdismo "qualquer nota", um neoliberalismo assistencialista que consegue controlar seu apetite voraz de privatizar estatais, mas pede que aos pobres se dê paliativos e benefícios relativos, sem que isso traga riscos aos privilégios abusivos dos mais ricos.
Se Lula já era acusado de imitar o programa de governo de FHC, no primeiro mandato de 2003-2006, em que pese algumas brechas mais progressistas, hoje, quando Lula está aliado a uma direita moderada mas inflexível em seus princípios, na prática fará o terceiro mandato de Fernando Henrique que o próprio Fernando Henrique não vai mais fazer, por estar com 91 anos e, praticamente, aposentado da política.
Por isso, Lula - que também deveria ter se aposentado e parece bem mais velho e frágil do que sugere o rosto maquiado e o ralo cabelo tingido de tintura prateada para parecer "menos idoso" - é pressionado a não romper totalmente com o teto de gastos públicos nem com a reforma trabalhista, e deverá se concentrar em projetos sociais patenteados pelo PT (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Sistema de Cotas Universitárias etc), enquanto a parte mais técnica ficará nas mãos do vice Geraldo Alckmin.
Lula tem dívidas políticas com a direita moderada e com as elites neoliberais que irão pavimentar seu retorno à Presidência da República. Por isso é que Lula não vai cobrar impostos dos mais ricos, apesar de prometer tanto fazê-lo. Ele não pode cumprir essa promessa, porque ninguém agradece a ajuda dos amigos cobrando um preço, até porque a ajuda já foi feita, quem ajudou é dispensado de pagar pelo benefício obtido pelo ajudado.
Com isso, o aumento da carga tributária e outras limitações da Economia vão pesar nas contas dos trabalhadores. A isenção do Imposto de Renda, que seria para salários de até R$ 5 mil, podem ser reduzidos para o teto de R$ 3 mil, ou talvez menos. Se Lula anunciou que implantaria Auxílio Emergencial e Bolsa Família de R$ 600 cada, auxiliando os mais pobres com R$ 1.200, tudo indica que isso será cancelado e os dois benefícios serão fundidos num só, o novo Bolsa Família, só de R$ 600.
Tudo muito "democrático". Democracia virou o rótulo de um esquerdismo sem pé nem cabeça, sem cara, sem forma, sem propostas, que mal consegue esconder sua ênfase no mercado, dentro do princípio de "crescer o bolo para depois dividir para a sociedade", enquanto os pobres tendem a ser atendidos de maneira paliativa, com relativo conforto mas sem sair de sua inferioridade social.
Para uma sociedade cuja classe média metida a "esclarecida" confunde "transformar vidas" com "aliviar a dor do sofrimento", tanto faz o povo pobre ganhar alguns trocados, enquanto o setor financeiro que agora abraça Lula continuará com seus lucros exorbitantes. Mas isso é "democracia", não é? O povo pobre comendo arroz e feijão de marcas ruins, enquanto os banqueiros e empresários comem um cardápio mais diversificado, chique e de origem estrangeira. Isso é ser feliz de novo? Não sei, não...
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