O debate presidencial da Rede Globo de Televisão foi um pastiche do que ocorre na TV dos EUA. Não há debate de ideias, o debate mais parece um telecatch político, um show, um mero espetáculo de troca de ataques e desmentimentos dos dois candidatos.
Lula e Jair Bolsonaro não estavam preocupados em transmitir ideias, mas a trocar ataques (com um chamando o outro de "mentiroso" e vice-versa) e desmentir acusações. É constrangedor ver que a campanha eleitoral se limitou a essa vergonhosa polarização, que nos leva a duvidar se Lula realmente não quer fazer revanche, como ele tanto alardeou e alardeia.
Afinal, Lula fez uma revanche contra Sérgio Moro, que ordenou a prisão do petista por acusações sem provas da Operação Lava Jato. Se Sérgio Moro, agora um apoiador de Bolsonaro, havia, na sua trajetória de juiz, adotado métodos "excepcionais" de ação jurídica, Lula resolveu também adotar seus métodos "excepcionais" de campanha presidencial.
Em sua campanha, Lula esteve muito pouco preocupado com o que vai fazer. Preferiu trabalhar a campanha explorando o que fez nos mandatos anteriores. Lula parece viver entre 1985 e 2002, e, embora diga, da boca para fora, que 2022 está pior do que 2002, ele demonstra não sentir isso, achando que pode repetir o movimento Diretas Já e a campanha presidencial consagrada pela Carta aos Brasileiros (na verdade, carta aos empresários e aos banqueiros).
Lula não demonstra segurança nas propostas, já que existe uma luta interna, em sua consciência, entre as propostas sociais de esquerda e as restrições impostas pelos aliados neoliberais. Por isso o conflito entre prometer a revogação ou a flexibilização de questões como reforma trabalhista e teto de gastos, e uma demagógica promessa de cobrança de impostos aos mais ricos que dificilmente será cumprida, pois os ricos é que estão ajudando Lula a ter maior vantagem de votos e apoios.
Lula, a princípio, parecia ter saído melhor, por não estar tão nervoso quanto Bolsonaro. Mas disse obviedades a respeito de suas promessas de "combater a fome" e "dar aumento real para o salário mínimo, acima da inflação". Já Bolsonaro preferiu dizer que "todo o sistema" - leia-se imprensa brasileira e Tribunal Superior Eleitoral - estão "contra o presidente", e no final, não se sabe se por ato falho ou ironia, o presidente pediu para "dar uma nova chance a ele como deputado federal".
Mediador do debate, William Bonner admitiu que Lula não tem dívidas com a Justiça, devido às anulações das sentenças e acusações da Lava Jato: "Eu, de fato, disse na entrevista do Jornal Nacional que Lula não deve nada à Justiça. Eu não disse isso da minha cabeça, eu disse isso baseado em decisões fundamentadas do Supremo Tribunal Federal".
Embora Lula tenha tido algumas vantagens nos debates, conseguindo desmentir acusações dadas pelo rival, e tendo quatro direitos de resposta, enquanto nenhum foi concedido pelo mediador Bonner para o presidente. Um dos comentários rebate a acusação de Bolsonaro de que Lula foi ver o chefe do narcotráfico do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro:
"No meu governo, a gente vai distribuir livros, distribuir cultura, vamos distribuir aquilo que educa, não aquilo que mata".
No entanto, a julgar pelo conjunto da obra da campanha de Lula e seus desempenhos em comícios e debates - incluindo as vergonhosas ausências em debates do SBT/CNN e Record - , ele não saiu-se vencedor do debate, embora tenha feito tiradas interessantes no debate da Rede Globo, como, por exemplo, atribuir a Jovem Pan como a "rádio do Bolsonaro" e explorar o vínculo do presidente com o ex-deputado Roberto Jefferson, que virou notícia ao reagir à prisão dando tiros.
Lula obteve vantagem mais porque Jair Bolsonaro é um político ruim demais. O fascista é estratégico, no que se diz em trabalhar sua visibilidade, manipulando as encrencas a seu favor, mas como político é um desastre inegável.
E Bolsonaro, de tão nervoso, depois do debate teve que interromper bruscamente uma entrevista coletiva porque um repórter disse que era uma mentira o fascista ter dito que a visita de Lula ao Complexo do Alemão foi organizada pelo narcotráfico. Descontrolado, Bolsonaro disse que o repórter "não tinha moral para chamá-lo de mentiroso" e teve que ser retirado pelos assessores antes que a discussão virasse uma agressão física.
O debate fechou com chave de lata uma campanha na qual não havia a ênfase nas propostas concretas, e também não permitiu a diversidade das candidaturas, com Lula cometendo o erro grosseiro de se vender como "candidato único". Por sorte, Jair Bolsonaro é um político muito ruim, o que dá a impressão de que Lula "venceu".
Mas Lula se sobressaiu mais por ser o menos ruim, e, com isso, vale apostar num Lulão mesmo com Geraldo Alckmin, a Faria Lima, os coronéis do agronegócio, Xuxa e a nata da direita moderada ao seu lado, prestes a fiscalizar o petista, no caso dele ser presidente da República, para que ele não cometa as ousadias políticas de esquerda, pois Lula comprometeu que só fará um "governo de centro".
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