A campanha de Lula foi encerrada ontem, como toda a campanha presidencial. Lula terminou sua propaganda pela volta ao governo em São Paulo, onde percorreu a Rua Augusta e a Av. Paulista, incluindo passeio e caminhada. Lula estava ao lado de Fernando Haddad, candidato ao Governo do Estado de São Paulo.
Lula ensaiou uns pulos patéticos, talvez para dar a impressão de que está saudável e forte, apesar de visivelmente envelhecido, mesmo para seus 77 anos, a serem completos no próximo dia 27. Foi um dos gestos finais de uma campanha muito estranha, na qual as elites se entusiasmam demais com o petista, algo que deveria ser visto com estranheza. Só que não.
As pessoas acham tudo normal. Lula abraçado ao empresariado da Faria Lima, com Geraldo Alckmin como vice, com religiosos conservadores apoiando, com a direita política moderada ao seu lado. O Departamento de Estado dos EUA também estão com a "democracia", respaldando Lula. E creem que, com tudo isso e com uma mistureba de famosos apoiando Lula, seu projeto progressista sairá incólume e intato para realizar medidas esquerdistas das mais ousadas.
Quanta ingenuidade. É alegria maior que a festa. "Democracia" virou uma desculpa vaga para qualquer coisa, como Lula ter a direita moderada ao seu lado e, supostamente, ter condições para realizar um programa de governo de esquerda. Acredita-se que é só dizer que é "para matar a fome do brasileiro" que até o neoliberal inflexível vai se sensibilizar.
De repente, todo mundo virou humanista e altruísta. Bom demais para ser verdade. Ainda ontem, o pessoal defendeu o golpe político de 2016 e o desmonte do Estado e dos direitos sociais e trabalhistas. Da noite para o dia, esse mesmo pessoal agora apoia Lula por "solidariedade ao sofrido povo brasileiro" e quer retomar a normalidade democrática que, há pouco, não tiveram o menor escrúpulo em destruir.
Geraldo Alckmin, que ainda se recusa a assumir como golpe o golpe feito contra Dilma Rousseff, disse que o processo foi "injusto". E, privatista doente, alegou que "não defende a privatização de grandes estatais" como a Petrobras, mas não escondeu a sua defesa da PPP, Parceria Público-Privada, um processo híbrido de atuação da iniciativa privada em ações comandadas pelas estatais.
Tudo soa como um aparente equilíbrio entre neoliberalismo e um socialismo nacional-popular, mas na verdade se trata de um neoliberalismo assistencialista, que nada tem de esquerda. Embora prevaleça a narrativa de que o Brasil e o mundo democráticos se renderam a Lula, a verdade é que Lula é que se rendeu a esse contexto de convencionalismo social, econômico, cultural e político.
Lula perdeu boa parte dos eleitores de esquerda. Virou o candidato da classe média, dos famosos, dos empresários, dos movimentos identitários. A maioria silenciosa, composta de trabalhadores em sua maioria, está decepcionada com Lula e, do contrário que se espalha por aí, não vai aderir em massa ao petista, visto como um grande pelego.
Por isso, Lula virou o candidato dos "moderados". O esquerdismo pode persistir na retórica da mídia progressista, mas é tudo em vão. É como se o Lulão dos sindicatos fosse um mero holograma a deixar os lulistas extasiados, mas é só uma projeção daquilo que não existe mais: Lula está mais próximo da Av. Brigadeiro Faria Lima do que das fábricas de São Bernardo do Campo.
Embora o favoritismo de Lula traga o mantra de que ele "tem condições" de vencer no primeiro turno, não há garantia para isso. Jair Bolsonaro, decadente e apostando nas motociatas, só irá perder por completo se todo o conjunto da direita golpista de 2016 o abandonar oficialmente, entre militares e empresários. Aparentemente, toda a direita com algum mínimo de civilidade garante que não ajudará Jair Bolsonaro a fazer um golpe.
O espírito do tempo no Brasil pós-2016 substituirá a raiva pela positividade tóxica, aquela obsessão em ser feliz a qualquer preço. A tônica do momento é o embate esquerda x direita, na prática, não faz o menor sentido, porque a dicotomia é entre a alegria (lulismo) x raivismo (bolsonarismo), que permite que nossos esquerdistas acolham os "brinquedos culturais" da direita moderada, ou seja, valores e personalidades conservadores (tradicionalistas ou popularescos) que não investem na "estética da raiva e da intolerância".
Vencendo em primeiro ou em segundo turno, Lula simboliza esse novo tempo, bem mais moderado do que há 20 anos. Lula aceitou fazer papel de cosplei de Dom Pedro II e fará um governo neoliberal assistencialista, apoiado por uma classe média que, em sua maioria, descende dos beneficiados do "milagre brasileiro" do período de Médici e Geisel, mas que sonha em curtir tais benesses num contexto mais democrático e civil.
O Brasil não irá para o Primeiro Mundo nem será uma nação socialmente mais desenvolvida ou culturalmente mais forte. Os valores socioculturais vinculados aos fenômenos popularescos e ao fanatismo religioso, etílico ou esportivo e o identitarismo que se manifesta numa "Contracultura de resultados" revelam muitos aspectos do atraso social que agrada muitos brasileiros, de forma tão intensa que a Síndrome de Dunning-Kruger à brasileira quer ver esses valores prevalecendo no mundo inteiro.
Desistamos dessa aventura, até porque o mundo desenvolvido não irá engolir os "brinquedos culturais" que as esquerdas e a sociedade isenta apreciam no Brasil. Que o Brasil da fantasia, do misticismo e do hedonismo fique dentro do próprio país, abandonando a loucura de se impor ao resto do mundo. Que a apreciação dos "brinquedos culturais" se limite a ter validade doméstica, dentro do território nacional, e que seja um "patrimônio" de uma classe média gananciosa mas travestida de muito "bom mocismo".
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