Enquanto as esquerdas se deixam levar pela pieguice e Lula se comporta como um candidato de contos de fadas, mordendo a isca das elites golpistas que compõem a frente ampla demais, Jair Bolsonaro pode ser um péssimo presidente e uma figura desumana, mas é um estrategista comprometido em confundir as pessoas para levar vantagem em cima de tudo isso.
Bolsonaro não mede escrúpulos e, se Lula está sendo contraditório em sua campanha, o atual presidente que busca se reeleger também lança mão de contradições. Mas Bolsonaro consegue contextualizar e ter uma habilidade de obter visibilidade e se beneficiar em circunstâncias que poderiam prejudicá-lo.
Isso é terrível de se dizer. Ainda mais quando Bolsonaro tem em sua rede de apoio assassinos beneficiados pela impunidade, como Guilherme de Pádua, o goleiro Bruno e a ex-pastora Flordelis. Mas Bolsonaro se engrandeceu pela omissão dos opositores do bolsonarismo, sobretudo o Movimento Fora Bolsonaro, que parecia de má vontade em fazer protestos de rua, achando que só a memecracia iria derrubar o "mito".
Como havia muitas oportunidades para derrubar Bolsonaro desde meados de 2019, o grande erro das esquerdas foi não aproveitar isso. Imaginava-se que se podia segurar Bolsonaro até o fim de seu mandato e massacrá-lo na campanha eleitoral. Como no quixotismo, as esquerdas imaginavam que era desnecessário derrubar Bolsonaro, bastando "segurá-lo" na Presidência da República para fazer chacotas contra o mandatário e assim esmagá-lo na disputa das urnas.
Não é preciso explicar que houve erros estratégicos. O Movimento Fora Bolsonaro encerrando menor do que o Movimento Brasil Livre (aka Movimento Me Livre do Brasil). Protestos com grandes intervalos entre um e outro evento, manifestações que mais pareciam micaretas, gente sem vontade de fazer protestos de verdade, confundindo humor com indignação. Gente mais preocupada em se fantasiar de jacaré ou leite condensado do que em pedir de verdade a saída de Bolsonaro.
Até o PT não queria a saída de Bolsonaro. Muitos pedidos de impeachment morreram na gaveta. O golpe de 2016 continua e apenas se dissolveu em água com açúcar, com a adesão tendenciosa dos golpistas a um Lula domesticado, sem um programa de governo certo e reduzido a um ursinho de pelúcia das elites do mercado e do setor financeiro.
E aí Bolsonaro, que começou pequeno, se engrandeceu. 51 milhões de votos nas eleições do último 02 de outubro. Chances pequenas, mas reais de vencer. E isso às custas de um programa de governo perverso, que faz aumentar o número de cidadãos armados, num quadro de realidade que contraria o clima de positividade tóxica de lulistas que se acham triunfalistas por nada.
É aquela alegoria dos tanques bolsonaristas que, mesmo "enferrujados", caminham contra a população identitária dos lulistas. Os grupos identitários reagem aos tanques erguendo as cabeças, fechando os olhos e sorrindo, ainda que com as sobrancelhas zangadas, como se combinassem no sorriso um olhar desafiador. E suas armas são apenas flores, como se isso fosse derrotar os bolsonaristas armados de canhão. Infelizmente, o ódio armado derrota o amor desarmado com tiros.
E Bolsonaro veio com mais uma. Depois de mostrar seu cinismo pretensamente "cristão" ao aparecer numa missa na Basílica de Aparecida, no Norte paulista, ele veio com uma declaração de pedofilia e tara sexual ao ver adolescentes venezuelanas, dada durante um podcast, ontem. Disse Jair Bolsonaro:
"Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado de moto [...] parei a moto em uma esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas... Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. 'Posso entrar na sua casa?' Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida".
Trata-se de um cínico moralismo sem moral de um Jair Bolsonaro que um dia assiste a uma missa, em outro fala que se sente atraído por "novinhas". E logo as da Venezuela, para fazer um trocadilho com sua famosa ojeriza anti-esquerdista. Uma declaração pedófila associada a um país hostilizado pelo extremo-direitista, combinada pelo cinismo próprio do "mito".
Até que ponto Jair Bolsonaro poderá agir assim, enquanto as instituições não se interessam a puni-lo, depois de tantos crimes? Até que ponto Jair cometerá tais atos abusivos e truculentos, enquanto a oposição a ele se limita a fazer meras notificações de repúdio, sem tirar o maléfico mandatário de cena?
É a omissão dos não-bolsonaristas que fez com que Bolsonaro crescesse. 51 milhões de votos contra os 57 milhões de Lula são uma diferença de seis milhões, ou seja, Lula tem a quantidade de habitantes do Rio de Janeiro como única diferença superior a Bolsonaro.
O pior problema não será Lula ser eleito. Será Bolsonaro ser colocado na oposição, quando, através de suas teleconferências, irá criticar o petista e alimentar uma base anti-Lula que poderá crescer nos próximos anos. Tantas omissões e condescendências podem fazer o Bolsonarismo voltar, não bastasse ver Damares Alves, Sérgio Moro, Ricardo Salles e Deltan Dallagnol sendo eleitos para o Legislativo, depois que as esquerdas infantilizadas lhes julgaram estar politicamente "mortos".
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