Ontem ocorreu a cerimônia de encerramento da campanha presidencial de Lula, que alcançou a etapa do segundo turno pela insuficiência de votos necessários para vencer no primeiro. E anteontem o encerramento foi no que deveria ser um debate de ideias, o debate presidencial da Rede Globo, que foi mais um pastiche da campanha presidencial estadunidense do que um debate político real.
Lula não manteve coerência na sua campanha, faltou a debates, se impôs como "candidato único" ao espinafrar a Terceira Via, fez terror psicológico ao impor seu voto, se aliou com a direita moderada e neoliberal, e encarou um Brasil distópico forjando um clima de festa.
Lula não conquistou a vantagem de sua campanha pelos critérios racionais de um candidato correto à Presidência da República. Ele apelou pela emoção, pouco se preocupando com o que vai fazer, com um projeto político exato. Preferiu falar do seu passado, seja pelas realizações de seus mandatos anteriores, seja pelo carisma de seu mito, do qual a imagem do líder sindical está tão "viva" quanto hologramas de cantores mortos.
Lula explorou o sentimentalismo dos brasileiros, aqueceu o entusiasmo dos descolados que ainda sonham com o "Lulão dos sindicatos" ressurgindo no gabinete presidencial, e estimulou a sensibilidade emotiva de uma parcela de pobres relativamente remediados. Tudo na base da emoção, do sentimento, com bordões do tipo "Lula é a esperança" ou "Lula vai fazer o brasileiro voltar a sorrir".
O comício na Av. Paulista, que contou com Fernando Haddad - que disputa, com desvantagem para o direitista Tarcísio Freitas, o governo de São Paulo - , Geraldo Alckmin, a esposa de Lula, Rosângela da Silva, a Janja, e até o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, foi em clima de festa e de folia, o que dá o tom dos erros de campanha de Lula, a fazer Carnaval num contexto de distopia que o presidenciável petista só admite no discurso. O evento teve até motociata de trabalhadores de aplicativos, o que em si não é ruim, mas teve também bonecos e máscaras com a cara não de Lula e alas de diversas categorias. Tudo festa.
Apesar da consagração, o comício da Av. Paulista, que praticamente lotou o famoso logradouro daqui de São Paulo, foi ofuscado por um ato criminoso ocorrido não muito longe. No bairro dos Jardins, a deputada bolsonarista Carla Zambelli discutiu com o jornalista esportivo e negro Luan Araújo, e, armada de um revólver, ela ameaçou balear a vítima e invadiu um restaurante na área. O advogado e militante pedetista João Guilherme Desenzi também chegou a ter a arma dela apontada contra ele.
Carla Zambelli ameaçou tais ataques, e por pouco não consumou tais atos. Ela cometeu esse crime, de ameaçar pessoas, praticar racismo e ter porte ilegal de arma - e, além disso, desafiar o Tribunal Superior Eleitoral a desobedecer as recomendações de não estar armada no dia das votações, hoje - , seis dias após Roberto Jefferson reagir a tiros à voz de prisão da Polícia Federal, levando oito horas para se render e ser preso. E ainda houve o fato de bolsonaristas violentarem uma repórter da CNN Brasil, Magalea Mazzioti, só porque ela exibiu um adesivo a favor de Lula. Horrível.
Nesse meio caminho, também se descobriu uma reaça de carteirinha: a antes admirável atriz Cássia Kis, que se tornou uma rabugenta beata obscurantista, fazendo comentários homofóbicos e acreditando numa falsa profecia que aposta na tese delirante de que o Brasil sofrerá uma invasão comunista que resultará em lutas sangrentas. Na boa, se haverá lutas sangrentas, será de parte dos bolsonaristas.
O episódio de Carla Zambelli, ocorrido pouco depois de Roberto Jefferson - e esta semana ainda tivemos o assassinato de um político petista em Jandira, na Grande São Paulo, até agora sem algum esclarecimento sobre o motivo. Mas pode ter sido um atentado bolsonarista, embora não tenha sido divulgada alguma hipótese neste sentido.
Em todo caso, o Brasil não está para festa. Por isso mesmo a festa de Lula na Avenida Paulista acabou tendo um destaque abaixo do esperado, apesar do grande movimento de pessoas. O Brasil real ainda mostra a fúria bolsonarista, que continuará sendo uma ameaça ao nosso país, e será ainda mais porque seus partidários não aceitarão a vitória de Lula.
Lula não é comunista, seu esquerdismo é coisa do passado que não volta mais, e sua campanha que aposta num sentimentalismo que beira à pieguice infantil não causará banho de sangue. Neste sentido, Lula tem uma grande qualidade, que é ser pacífico e legalista. Mas o bolsonarismo, sim, é que é violento e pode provocar o caos no caso de Jair Bolsonaro não sair vencedor das urnas.
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