RIO DAS PEDRAS, BAIRRO CARIOCA REDUTO DE MILICIANOS, QUE SÃO SUBPRODUTOS DE UM PRAGMATISMO QUE DESTRÓI O RIO DE JANEIRO.
Sabemos que o Rio de Janeiro decai por conta de seu pragmatismo.
Esse pragmatismo é uma forma de combinar viralatismo sócio-cultural com o complexo de superioridade, uma reação vinda de um sentimento latente de ressentimento cultural.
Desde 21 de abril de 1960 o município do Rio de Janeiro não é mais capital do Brasil, o que causou nas elites uma dor-de-cotovelo aparentemente discreta, mas que se evidenciou anos depois.
As raízes desse pragmatismo de um Rio de Janeiro que perdeu a sua grandeza e a trocou pelos retrocessos combinados com grandiloquência (espécie de "grandeza" de fachada) se deram a partir dos anos 1970.
As primeiras amostras do "pragmatismo carioca" foram as mais sombrias.
Esquadrões da morte para "limpar" as ruas de supostos vagabundos, o que a sociedade perversamente elitista atribui a mendigos, sem-teto e os LGBTQ mais pobres, ao lado de pequenos ladrões que roubam para comprar comida.
Vieram os traficantes de drogas, que comercializavam as "merendas" que as pessoas ricas usam de forma recreativa em suas festas luxuosas. Um pragmatismo lúdico de gente desocupada.
Veio o jogo-do-bicho, espécie de "loteria mais facilitada" na qual, em tese, é mais fácil lucrar fazendo apostas a cada semana. Pragmatismo econômico para os que não podem.
E, recentemente, temos a atuação diversificada de milicianos, que oferecem segurança mais facilitada (pragmatismo policial) e estabelecem um "Estado paralelo" (pragmatismo institucional) com uma aparente diversidade de serviços: vans, TV por assinatura, fornecimento de gás.
Não devemos esquecer que foi o pragmatismo carioca que em 2014 elegeu Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro deputados federais, criando condições para o golpe de 2016 e para o pesadelo político do bolsonarismo.
Um pragmatismo associado a clichês de moralidade, eficiência e religiosidade que povoou o Legislativo de delegados, militares e pastores evangélicos de quinta categoria.
De um âmbito menos sombrio, tivemos coisas como as rádios pseudo-roqueiras e os ônibus com pintura padronizada.
A Rádio Cidade, de triste lembrança, hoje é uma webradio que mistura radialismo pop com vitrolão roqueiro e se vende como "rádio de rock" por causa desse pragmatismo de não ter gente especializada.
Bastava ter uma meia-dúzia de produtores e jornalistas engajados no rock e de resto poderia manter a linguagem, o estilo de locução e a mentalidade iguaizinhos a qualquer Mix e Jovem Pan da vida.
O pragmatismo estava nos ouvintes terem em mãos (isto é, aos ouvidos) um som catártico que seja identificável com rock, podendo ser Mamonas Assassinas e Guns N'Roses, e uma alternância de nomes do grunge, poppy punk, nu metal e bandas australianas para "aquecer os hormônios".
Não precisa ser uma programação abrangente. Os hits podem se repetir. O ideal é garantir a catarse juvenil, fazer os ouvintes brincarem de air guitar e pronto.
E os ônibus padronizados? "Pouco importa a empresa, o que importa é o serviço", é o que diziam os arrogantes busólogos "padronizetes" que arrumaram confusão na Internet.
A pintura padronizada que deixava várias empresas com um mesmo visual, podendo juntar uma empresa boa e uma empresa ruim sob a mesma pintura para confundir as pessoas, era vista sob uma abordagem pragmática da "mobilidade urbana".
À mesmice visual se sonhava com a grandiloquência dos ônibus com configuração diferenciada: chassis suecos, articulados, refrigerados e de piso baixo. Nada contra, mas isso era oferecido como "moeda de troca" para aceitar que empresas não tenham mais identidade visual própria.
Isso contraria o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), inciso IV, que define como prática abusiva vedada pela lei:
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
Mas o que são leis diante de uma mente pragmática, que quer que as coisas "não sejam aquela maravilha, mas melhores que nada"?
Sempre esse papo de que "isso não é aquela maravilha, mas é melhor do que nada", que se fala tanto no Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, em São Gonçalo e numa Niterói resignada em perder o status de capital fluminense e hoje se comporta como uma cidade do interior piorada.
Contente em ser creditada como "bairro do Rio de Janeiro" pela mídia carioca, Niterói insiste em achar que está tudo bem, com ruas sujas, urbanismo precário e até dois bairros, Rio do Ouro e Várzea das Moças, sem avenida própria de ligação (apesar de haver área pronta para isso).
O pragmatismo do fim dos trajetos de ligação Zona Norte-Zona Sul também envolvia o uso supervalorizado do Bilhete Único e uma falsa organicidade dos ônibus padronizados que não impedia a superlotação de ônibus nem o atraso devido aos engarrafamentos.
É uma mentalidade que morreu antes de Jaime Lerner e o esperou no túmulo, da qual menos ônibus em circulação era defendido sob a ilusão de que bastava aumentar a velocidade nas vias exclusivas e o tempo de espera de um ônibus seria reduzido.
Uma ilusão pragmática que funciona em simulações da computação gráfica mas não tem respaldo na realidade, que não comporta qualquer utopia pragmática.
E o pragmatismo se deu também nas musas femininas, dentro de um Rio de Janeiro dotado de um machismo enrustido.
As mulheres eram valorizadas apenas pelo corpo, o uso de biquíni seria um "uniforme" e tudo o que elas deveriam falar é somente de sexo e vida amorosa, podendo cometer gafes intelectuais de vez em quando.
Chegou-se ao ponto do "gado de Internet" - fala-se nos tempos de Orkut, onde já havia "Tribunal de Internet" e "gabinete do ódio" - dizer que quem não gostasse das mulheres-frutas (um tipo dessas mulheres "pragmaticamente sensuais") era homossexual.
Aliás, qualquer discordância de cada um desses pragmatismos fazia o sujeito correr risco de sofrer linchamento digital, ser caluniado por um blogue exclusivo contra ele e receber ameaças até de agressão física, com o desafeto "visitando" a cidade ou o bairro onde o discordante mora.
Práticas que hoje são muito típicas dos bolsomínions da vida.
Isso num tempo em que a solteirofobia e, para o bem e para o mal, a homofobia (mesmo quando atribui homossexualismo a homens heteros que detestam "certos tipos de mulheres"), corriam soltas nas redes sociais.
O pragmatismo carioca é uma consequência de uma combinação de fatores.
Primeiro é o ressentimento do Rio de Janeiro não ser mais capital do Brasil, o que influiu para a cidade "descontar" criando a nefasta fusão com o restante do Estado do Rio de Janeiro (o município homônimo era capital da Guanabara).
E aí Niterói deixou de ser capital fluminense e a cidade de Arariboia, antes um Eldorado para os interioranos do Estado do Rio, hoje mais parece uma cidade de mentalidade rural, resignada em se rebaixar a um "quintal" da vizinha mais famosa.
Com a perda do glamour e a impossibilidade de ter a mesma imponência, já que o antigo status foi perdido, o Rio de Janeiro passou a viver na ilusão do "piorar para melhorar".
Esse pragmatismo que aposta na "melhoria pela piora", com retrocessos defendidos com unhas e dentes pelo "gado das redes sociais", é uma maneira de compensar a perda da grandeza pelos retrocessos feitos para obter vantagens especiais.
É a rádio pseudo-roqueira que, com sua estrutura comercial forte - aspecto atípico em rádios autenticamente rock -, vai patrocinar a vinda de um medalhão do rock internacional a tocar todo ano no Rio de Janeiro, enquanto diariamente despeja barulheira guitarrística para garantir a catarse da moçada.
É o ônibus padronizado que promete colocar ônibus articulado de chassis sueco e ar refrigerado até para Santa Teresa.
É a mulher boazuda que, com seus trajes forçadamente sensuais, garante o êxtase diário de machos frustrados que passam horas diante do computador ou celular.
E tudo isso com o "empreendedorismo popular" das milícias e a "loteria fácil" dos bicheiros, garantindo a prosperidade numa região metropolitana cujas únicas "grandezas" restantes foram o futebol (ainda assim aquém do que era até 1986) e o Carnaval (também distante dos tempos áureos).
E é isso que faz o Rio de Janeiro sucumbir a uma decadência que está longe de terminar. E que ainda pode atingir níveis mais graves que os de hoje.
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