Não sou fã de samba mas reconheço o seu valor e sua dignidade artística, qualidades herdadas de suas raízes africanas.
O samba é diversificado em si só, porque inúmeras vertentes vieram dele, como o maracatu, o samba-reggae, o caxambu, o jongo, o sambalanço, a gafieira e tantos outros. Sem falar que existem também os sambas catarinense, mineiro, paulista e gaúcho, por incrível que possa parecer.
Não se incluem o "pagode romântico", o "sambão-joia" nem o "pagodão baiano", porque estes são deturpações comerciais. Caricaturas de samba não obstante constrangedoras.
De nada adiantam, por exemplo, alguns nomes do "pagode romântico" fazerem arremedos de samba de verdade, a exemplo do poser metal dos EUA prometendo fazer "puro rock'n'roll".
Isso porque são imitações baratas de Zeca Pagodinho e Jorge Aragão, imitações sem alma e sem muito conhecimento de causa. É só um meio de puxar o saco dos "bambas", como são conhecidos os verdadeiros sambistas.
Vendo toda a trajetória do samba, a gente vê o esforço do samba em mostrar seu humanismo, principalmente depois que o ritmo tentava mostrar para a sociedade, no começo do século XX, que nunca foi a baixaria deplorável que as elites pensavam na época.
Vendo figuras digníssimas como Nelson Sargento, que morreu de complicações da Covid-19 no último dia 27 de maio, e tantas outras que nos deixaram e outras que continuam vivas - como os mestres Martinho da Vila e Paulinho da Viola - , o samba consegue ter uma reputação bastante honrada.
A saudosa Beth Carvalho era conhecida por seus ideais progressistas e, em vida, sempre apoiou Lula e Dilma Rousseff nos momentos mais difíceis.
Sabiamente, Beth Carvalho denunciou que o "funk" era um instrumento da CIA para destruir a cultura popular no Rio de Janeiro e ela foi ridicularizada pelos partidários do ritmo brega-popularesco.
Tão metidos a progressistas, os adeptos do "funk", quando lhes convém, deixam a máscara cair e exibem seu comportamento tipicamente bolsomínion ou tucano.
Se a gente diz que os defensores do "funk", com seus risos esnobes, agem como bolsomínions, eles caem na gargalhada. E caem tanto que, se bobearem, acabam caindo sobre o ombro de Flávio Bolsonaro, a lhes acariciar as cabeças.
O "funk" não é humanista. Vive numa combinação de narcisismo com vitimismo, e a choradeira que ainda continua em prol do gênero já torrou a paciência de qualquer um.
O "funk" quer se comparar com o samba, nivelando seu vitimismo com as rejeições que o samba havia sofrido há cem anos, e que forçou a criação das "escolas de samba", para dar fim à repressão policial.
Só que a sociedade daquela época era outra. Não custa repetir que era uma sociedade que se chocava até com adolescentes castiças mostrando um dos pezinhos quando testavam a temperatura da água do mar na praia.
A sociedade que rejeita o "funk" é muito mais liberal e moralmente aberta, só não tolera abusos.
Além disso, o samba sempre valorizou os instrumentos musicais e, com o tempo, não se limitou a instrumentos percussivos.
É o contrário do "funk", que sempre teve uma má vontade com os instrumentos musicais e nem se preocupa com os arranjos. Choram tanto por serem vítimas de discriminação, mas foram os primeiros a discriminar a figura do músico e atividades como criar arranjos e melodias.
A temática nada tem a ver com humanismo. Quando muito, queixas de violência policial. O que é até justo, se percebermos que isso é um entretenimento, e não uma organização criminosa.
Mas aí a polícia acaba virando propagandista acidental do "funk", assim como, no passado, a Censura Federal fez gourmetizar o alienadíssimo brega dos anos 1970.
É justamente a repressão que acaba forjando a imagem pretensamente transgressora de inócuos ídolos musicais (e comerciais até a medula), que acabam se achando os "maiores Bob Dylan" só porque tiveram músicas censuradas e muita gente foi presa sem motivo nas plateias.
A mediocridade musical já é uma forma de não ter humanismo. O ídolo brega-popularesco em geral se vê, primeiro, como uma mercadoria, fazendo sucesso seguindo uma fórmula comercial.
Como ele tem medo de cair no ostracismo, ele apela para a hipocrisia daqueles que dizem ser o que eles não são, para levar alguma vantagem.
Daí que esses ídolos comerciais insistem em dizer que são "anti-comerciais". Vide o pretensiosismo "alternativo" de Leandro Lehart ou a pseudo-sofisticação de Alexandre Pires.
E não raro esse desespero em se manter na carreira torna esses ídolos irritáveis, pela natural dificuldade de serem levados a sérios. Medíocres, eles não aceitam críticas, acham que estão dando o melhor de si e só aceitam elogios e passagem de pano.
E aí vejo o quanto eles não são humanistas. Até porque eles se afirmaram como meros produtos de mercado, quando eles querem ser algo além disso é tarde demais.
E aí vejo o quanto o samba é marcado por um humanismo que nem mesmo uma parcela de simpatizantes consegue entender, se limitando a bajular os sambistas só para disfarçar o elitismo.
É um humanismo que falta nos dias de hoje, com sensibilidade emocional, altruísmo, simplicidade, até mesmo autocrítica. E essa falta pesa muito nos tempos de fanfarronice neste Brasil reduzido a um gigantesco Instagram.
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