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EM FAZENDA DE CAFÉ, ESCRAVOS NÃO PODIAM SEQUER BEBER ÁGUA POTÁVEL


O café que muitos fregueses da rede de lanchonetes estadunidense Starbucks deveria prestar atenção no sabor amargo da bebida. Não, não se trata de um sabor ao pé-da-letra, mas um outro sabor, um trágico sabor de exploração de trabalho escravo, a partir de uma rede de 11 propriedades rurais situadas no município mineiro de Manhumirim, no leste de Minas Gerais, a 278 quilômetros de Belo Horizonte.

Pois esta grande área de várias fazendas, registrada pelo nome jurídico de Fazendas Klem Importação e Exportação de Café Ltda., que produz café para a Starbucks e possui certificado de qualidade de produto e de sustentabilidade e considerada produtora de café de diversificado e de alto gabarito, é alvo de denúncias de exploração do trabalho escravo.

Uma operação realizada pela Superintendência Regional do Ministério do Trabalho, na gerência de Montes Claros e agência de Manhuaçu, flagrou e fez o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão que estavam nas Fazendas Klem.

Eles já apresentavam condições degradantes de trabalho: trabalhavam de meias e sem calçados, quando as normas de segurança exigem, nessas atividades, equipamentos preventivos como o uso de botas. O trabalho de exploração das safras de café apresenta condições que contrastam com a propaganda imponente da Starbucks nas redes sociais brasileiras.

A exemplo do recente caso das vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, os trabalhadores vieram da Bahia, neste caso a pouco conhecida cidade de Caetanos, da região de Caetité, no Sul baiano, a 300 km de Salvador. Os aspirantes ao emprego aceitaram o assédio profissional acreditando que poderiam ganhar dinheiro, devido à promessa de grandes salários.

Ao começarem a trabalhar, no entanto, os trabalhadores enfrentaram um quadro desumano e cruel, que já começava pelo trabalho informal, sem registro de Carteira do Trabalho nem atendimento de sequer um único direito trabalhista. Também não recebiam salários.

No primeiro dia de trabalho, com o dinheiro que tinham, os trabalhadores se sentiram obrigados a ir para a zona urbana de Manhumirim para comprar roupas, comida e material de higiene. Os alojamentos eram precários, sem um mínimo de conforto, e com as torneiras soltando água marrom e suja, com mau cheiro. Não havia opção de água potável. Não havia lugar para guardar os mantimentos. O banheiro não funcionava, com os vasos sanitários quebrados, o que forçava os trabalhadores a ter que usar o matagal para fazer as chamadas necessidades fisiológicas do organismo. 

Um dos funcionários que depuseram em Brasília, depois do resgate dos trabalhadores, para os parlamentares da Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, Adésio de Brito, narrou o drama dele e de seus colegas nas fazendas mineiras:

"Sofremos bastante lá, até a gente saber o que é que é trabalho escravo. Até aparentemente a gente não sabia o que era. Já tem 4 anos que a gente estava nessa luta, trabalhando lá, sofrendo, sofrendo, até que o Ministério do Trabalho* achou a gente lá, resgatou a gente daquele lugar.

Nunca trabalhei com carteira assinada lá. Assim que nós chegamos, eles pegaram todos os nossos documentos, todos os nossos documentos. Eles disseram que iam nos cadastrar, para nos dar equipamentos, que nunca chegaram. E nunca fizeram cadastro nenhum.

Lá a gente trabalhava em situação precária, sem equipamento nenhum, de pé no chão, descalço, sem água potável. Água a gente levava em garrafa de refrigerante; esquentava, acabava, e a gente ficava com sede, trabalhava com sede.

Quero falar aos meus amigos que não tenham medo de denunciar, porque o trabalho escravo é crime, é um sofrimento que só quem sentiu na pele sabe. Eles só querem se aproveitar da gente".

Os donos das propriedades são dois irmãos do agronegócio, César Viana Klem e Sérgio Viana Klem. Nas redes sociais, César Viana Klem dá conta do recado de sua falta de humanismo, como um típico "cidadão de bem" bolsonarista: "Terrivelmente cristão. De direita. Bolsonarista. Família. Pátria. Deus acima de tudo". Tem mensagens compartilhadas por outros adeptos de Jair Bolsonaro, Carla Zambelli, Daniel Silveira, o comentarista esportivo Milton Neves e Eduardo Bolsonaro.

O mais aberrante disso tudo é que, na depois desativada página das Fazendas Klem na Internet, se mentiu quanto ao nível de exploração de mão-de-obra: "Unido a tudo isso tem a intensa utilização da mão-de-obra humana que passou a ser um aliado fundamental na produção, onde o homem e o café convivem em perfeita harmonia".

Outra aberração foi o fato do filho de Sérgio, Sérgio Viana Klem Júnior, advogado e empresário, ter recebido por 16 meses um auxílio emergencial de $ 600, sendo um homem rico e sem qualquer mérito, mesmo durante a pandemia da Covid-19. Sérgio Klem Júnior é dono da Distribuidora de Gás Klem, que foi contratada pela prefeitura de Linsburgo, vizinha a Manhumirim, para distribuir mantimentos.

César Viana Klem foi obrigado pelas autoridades a pagar as multas trabalhistas e rescisórias e também foi ordenado a pagar os custos de passagens para o retorno dos trabalhadores ao município de origem. Mesmo assim, César desmentiu que estava cometendo irregularidades.

É lamentável que, por trás de tantas empresas consideradas arrojadas, com suas propagandas alegres e sua imagem que aparentemente se encaixa no consumo do público jovem, haja um regime escravista como se o nosso país ainda vivesse antes da controversa Lei Áurea.

Vi e vejo muito filiais da rede Starbucks no Brasil, seja, tempos antes, no Plaza Shopping e na atual Rua Ator Paulo Gustavo, em Niterói, e na Av. Braz Leme, aqui em São Paulo. Como fica a imagem da Starbucks nesta situação? A empresa terá que enviar um pedido de desculpas, a exemplo do que fez a Vinícola Aurora (cujo suco de uva eu já tomei várias vezes), no caso da escravidão em Bento Gonçalves. É muito triste e revoltante saber que a escravidão sempre continuou em nosso país.

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