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O "CRIME PERFEITO" DA MÚSICA BRASILEIRA

UM POUCO INSPIRADO ROBERTO CARLOS, O CANASTRÃO BELL MARQUES E A OPORTUNISTA CLÁUDIA LEITTE GRAVARAM AS PRINCIPAIS VERSÕES DE "AMOR PERFEITO".

Infelizmente, MPB virou um grande MDB musical. Antes associada a música de qualidade, cujo critério é a integridade artística e o compromisso real com a cultura musical e com a dignidade e o progresso social dos brasileiros, hoje o termo Música Popular Brasileira virou um engodo, uma Casa da Mãe Joana, expressão que inspirou o título de um livro meu recente, MPB Virou Casa da Mãe Joana?, disponivel no Clube de Autores e na Amazon.

Tudo piorou quando a bregalização cultural cresceu, primeiro sob o apoio da ditadura militar e da mídia empresarial associada, e, mais tarde, a blindagem de uma elite "provocativa" de intelectuais "bacanas" e aquele papo furado do "combate ao preconceito".

E aí música brasileira desceu ladeira abaixo, não na admirável forma poética dos Novos Baianos com base nas conversas dos saudosos João Gilberto e Moraes Moreira, mas no realismo distópico do massacre cultural previsto pelo também saudoso Mauro Dias.

Nesta catástrofe cultural em que vivemos, o culturalismo vira-lata elegeu seus "mestres" musicais: Michael Sullivan, Benito di Paula, Bell Marques, Chitãozinho & Xororó, entre outros. Todos navegando no pântano da mediocridade e da canastrice gritante de músicas ruins e tristemente piegas.

No caso de Michael Sullivan, resposta do viralatismo cultural à maestria de Tom Jobim, uma canção personifica com muita exatidão o triunfo desse "crime perfeito" que foi o sucateamento da MPB.

Sullivan é um dos autores de "Amor Perfeito", a canção chinfrim que mal consegue imitar o pop romântico de elevador curtido pela jovem burguesia estadunidense dos anos 1970. Os demais autores são Paulo Massadas, então escudeiro de Sullivan, e os falecidos Lincoln Olivetti e Robson Jorge.

A canção "Amor Perfeito" é horrível e parece ter uma linguagem cifrada no fim do refrão, que soa como um convite à passagem de pano: "Já não importa quem errou / O que passou, passou / Então vem". Haja lenço, não só para chorar, mas para passar pano o tempo inteiro.

Em primeiro momento, Olivetti e Jorge pasteurizaram a MPB, eliminando aquela visceralidade dos anos 1960 e primeira metade dos anos 1970, submetendo a música brasileira a fórmulas comerciais do pop estadunidense. Foi isso que fez o público jovem se afastar da MPB e aderir ao Rock Brasil, nos anos 1980.

Em seguida, Michael Sullivan criou uma máquina de fazer dinheiro e chamou dois parceiros, seu ex-colega de Fevers, Miguel Plopschi, para a produção, e o ex-Lafayette e Seu Conjunto, Paulo Massadas, para a composição.

Ancorados também no pop estadunidense mais comercial e meloso, a dupla Sullivan & Massadas gourmetizou a música brega e criou um esquema de destruição da MPB que foi denunciado recentemente por Alceu Valença.

E aí, para comemorar as fortunas conquistadas por esse grave desserviço à música brasileira, as duas duplas comemoraram o feito compondo juntas uma música. Para cantar, foi chamado um cantor que havia se tornado a ponte entre uma MPB mais inócua e os bregas mais ambiciosos, Roberto Carlos.

Roberto Carlos, que sucumbiu a uma fase menos criativa que deixou para trás os bons momentos de Jovem Guarda e soul music no decorrer dos primeiros 18 anos de sua carreira, gravou "Amor Perfeito" em 1986, fazendo um sucesso que não foi além das rádios popularescas.

Em 2001, a canção recebeu duas versões, a de Chiclete com Banana, então liderado com mãos de ferro por Bell Marques (que hoje inclui a canção no repertório solo), e do Babado Novo, grupo cuja então vocalista era Cláudia Leitte, recentemente associada ao apoio a Jair Bolsonaro, assim como outro cantor de axé-music, Netinho.

O problema é que, nos últimos anos, "Amor Perfeito" foi gourmetizada assim como "Um Dia de Domingo", outra pavorosa canção da lavra de Sullivan & Massadas.

É lamentável que um grande intérprete como Ney Matogrosso tenha que se sujeitar a gravar canções dessa dupla medíocre, num ato equivocado que não condiz ao talento grandioso do cantor. Ver que ele gourmetizou "Amor Perfeito" é de entristecer, forçando a canção a ter um vínculo postiço ao cancioneiro da MPB.

É lamentável. Enquanto muitos emepebistas de verdade ficam abandonados e esquecidos, num país em que o mestre João Gilberto morreu pobre e doente, o canastrão Michael Sullivan quis destruir a MPB para esta, tomada pela Síndrome de Estocolmo, reabilitá-lo de graça.

Covardia o Brasil tratar Michael Sullivan como se fosse o Burt Bacharach brasileiro. Isso é avacalhar a reputação do magistral autor de "Close to You", que não merece ser nivelado ao menestrel do culturalismo vira-lata brasileiro. Só mesmo um país decadente como o Brasil para exaltar Michael Sullivan, um nome que merece o desprezo, pela atitude mesquinha de querer destruir a MPB e depois usá-la para retomar a carreira.

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