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O PREÇO COBRADO PELA FRENTE AMPLA E O LEGADO BOLSONARISTA

ALEXANDRE SILVEIRA, MINISTRO DAS MINAS E ENERGIA.

O presidente Lula começa a perceber a conta da frente ampla demais que promoveu para favorecer sua vitória eleitoral. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, resolveu substituir, em sua equipe, os técnicos de confiança do presidente Lula e do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, por outros ligados ao mercado financeiro.

Os técnicos seriam designados para o novo Conselho da Petrobras, e Silveira, que é do PSD de Minas Gerais indicou para o colegiado da estatal nomes da confiança pessoal do ministro: Pietro Adamo Sampaio Mendes, presidente do Conselho de Administração, Carlos Eduardo Turchetto Santos, Vitor Eduardo de Almeida Saback e Eugênio Tiago Chagas Cordeiro. Nomes com conexões políticas com o PSD e a União Brasil.

Em contrapartida, outros nomes alinhados com políticas públicas, como o banqueiro e escritor Eduardo Moreira, também responsável pelo Instituto Conhecimento Liberta, e Josué Gomes, presidente da FIESP e filho de José de Alencar, falecido empresário que foi vice de Lula em dois mandatos anteriores, foram vetados pela lista de Silveira.

É a terceira suspeita de sabotagem no governo Lula desde que ele tomou posse, em janeiro passado. O primeiro caso partiu da suspeita de que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, estava conivente com os protestos de bolsonaristas que, então, acampavam áreas contíguas a quartéis para protestar contra a vitória eleitoral de Lula. Múcio é ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro que, apesar do passado varguista e janguista-brizolista, hoje está alinhado com Jair Bolsonaro.

O segundo caso foi do economista Roberto Campos Neto, que pelo nome tem como avô o falecido e célebre economista neoliberal e ex-ministro da ditadura militar. Presidente do Banco Central, Campos Neto queria manter a independência do órgão, decidida durante o governo Jair Bolsonaro por iniciativa do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Antes, o Banco Central do Brasil (BACEN) estava subordinado ao Ministério da Fazenda, atualmente sob responsabilidade de Fernando Haddad.

A independência, ou autonomia, do Banco Central é um artifício adotado pelo mercado financeiro, então representado por Paulo Guedes, para tornar a autarquia subordinada aos banqueiros. Ou seja, autonomia é uma maneira de dizer, porque o Banco Central, em vez de estar a serviço do interesse público, se torna um reduto dos grandes financistas.

A União Brasil ainda quer uma CPI mista para os atos de Oito de Janeiro, enquanto Lula prefere a base aliada. Apesar de ter três ministérios no governo Lula, o de Turismo, o das Comunicações e o da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, a União Brasil faz no Legislativo uma "oposição independente" ao governo.

E ainda há um outro escândalo envolvendo a União Brasil, com o maranhense Juscelino Filho, escolhido ministro das Comunicações de Lula, que é suspeito de ocultar patrimônio e criar orçamento secreto para favorecer uma propriedade de seus familiares. Lula cobrou do ministro provas de sua inocência, caso contrário terá que destitui-lo do cargo ministerial.

Esses são apenas alguns aspectos que mostram o preço da conta de uma frente ampla demais que Lula defendeu para sua vitória eleitoral, sob a desculpa da "democracia" e do "diálogo". A situação é bem mais complexa do que se imagina, e Lula encontra dificuldades em resolver esses problemas. Não dá para Lula achar que, como um garoto pedindo para o pai lhe fazer os favores sempre, pode pedir para o meio neoliberal para aceitar e acatar todo projeto governamental mais à esquerda. Fica difícil achar que uma aliança heterogênea ficará sempre ao lado do petista.

Fora do meio governamental, a realidade também é complexa. No bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, a diarista Marcelle Oliveira, de 34 anos, negra e humilde, decidiu deixar o serviço incompleto depois do almoço, por conta dos maus tratos que sofreu. O proprietário do apartamento não lhe deu "bom dia" e a diarista, que costuma pedir aos patrões se pode ou não beber água ou esquentar comida.

Ao perceber que o dono do imóvel não a deixou usar o aparelho micro-ondas para esquentar sua marmita, alegando que só ele e sua família, que mora no apartamento, poderiam usar os aparelhos domésticos, a empregada, contrariada, decidiu ir embora, sem receber os R$ 250 pelo serviço. Até aquele momento, a diarista fez faxina nas salas de estar e jantar e no banheiro. 

A diarista mora em Campo Grande e, normalmente, acorda às 4h40 para preparar marmita e se arrumar para pegar os transportes para uma residência interessada. A empregada não decidiu abrir processo contra o dono do apartamento por temer que a Justiça dê privilégios ao patrão, levando em conta o elevado status social dele, em detrimento da diarista, que é negra e pobre.

"Estou indo pra minha casa. Larguei a faxina pra lá! Não poder esquentar meu almoço? que isso, gente? diarista ou faxineira é ser humano igual a vocês. Não adianta ser doutor e não ter educação e respeito pelos outros", desabafou Marcelle ao escrever mensagem nas redes sociais.

E sobre o drama dos 150 baianos escravizados em Bento Gonçalves, o vereador de Caxias do Sul, Sandro Fantinel, de 54 anos, foi expulso do Patriotas, partido antes ligado ao bolsonarismo. Fantinel passou dos limites ao discursar na Câmara municipal anteontem, dizendo que os baianos são "preguiçosos e sujos" e "não deveriam ter sido contratados para trabalhar no Rio Grande do Sul".

Fantinel ofendeu as vítimas - como se não bastasse os trabalhadores terem sofrido tão traumática experiência - dizendo que "baiano só quer saber de tocar tambor na areia da praia" e, por isso, sugeriu que, em vez deles, "argentinos deveriam ter sido contratados" em seu lugar.  Os comentários racistas repercutiram tão mal que até agora o nome do vereador gaúcho se destaca negativamente nas redes sociais.

São problemas profundos de um Brasil bastante complexo, que precisam ser denunciados e analisados para verificar qual a influência do passado escravocrata ou de eventos recentes como a ditadura militar - cujo governo do general Ernesto Geisel "desenhou" os padrões socioculturais ainda vigentes na atualidade - na sociedade contemporânea.

O nefasto bolsonarismo, pelo menos, trouxe como legado uma necessidade de reflexão por parte da sociedade considerada democrática ou progressista, que por enquanto analisa os problemas como vinculados ao cenário sociopolítico e cultural de Jair Bolsonaro, consentindo com fenômenos tão retrógrados e conservadores que evitam o discurso da raiva e da intolerância. Apesar do maniqueísmo do raivismo e da positividade tóxica, a realidade está forçando os brasileiros a repensar o Brasil.

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