Pouca gente imagina que o tal "popular demais", a "cultura popular" do cativeiro do "deus mercado", é tramada pela mídia venal.
Há um lobby de intelectuais "bacanas" - assim chamados porque querem parecer "legais" num contexto de anti-intelectualismo - que quer definir o "popular demais" como uma "revolução popular".
Como se a palavra "popular", por si mesma, fosse necessariamente de conotação positiva.
Mas ela é usada tal qual se usa a palavra "democracia".
E, sob o pretexto do "combate ao preconceito", esconde uma abordagem bastante preconceituosa das classes populares.
A "pobreza linda", idealizada por intelectuais de classe média, que conhecem as periferias brasileiras através de documentários da BBC.
Uma "pobreza legal", sem passeatas dos sem-terra, protestos pedindo melhorias para os bairros, gente pobre falando de humanismo e dignidade.
A "pobreza legal" do "popular demais" é espetacularizada, mas tratada sempre como positiva.
Intelectuais que defendem a bregalização têm o privilégio da narrativa.
Guy Debord brasileiro? A burocracia acadêmica já barrou o caminho nos cursos de pós-graduação.
E aí temos uma degradação cultural maquiada com pretenso ativismo.
Ao sabor do "bom etnocentrismo" dos intelectuais apologistas.
E neste Brasil provinciano em que bregalizar é o máximo, a mídia venal, à qual os intelectuais "bacanas" não são formalmente vinculados mas colaboram com gosto, faz das suas.
Diante de uma forma espetacularizada e mercantilizada do ativismo social, em que até o feminismo e a negritude viram mercadoria, a imagem da mulher solteira é depreciada sutilmente.
O "padrão" da solteira brasileira é uma aberração, se percebermos o que ocorre no mundo afora.
Aqui a "solteira" é uma pretensa hedonista, uma falsa emancipada que presta, com gosto, o serviço da hipersexualização machista.
Contraditoriamente, se julga "dona de seu corpo", mas ostenta seu corpo para um público de machistas afoitos.
Ela é siliconada, tem muitas tatuagens - várias grosseiras - e usa piercing no umbigo.
É a chamada "turbinada", uma mulher que não raro também apela para muitas e muitas plásticas.
No entanto, culturalmente é superficial ou oca, e associada ao brega-popularesco de valor bastante duvidoso.
A título de comparação, uma das solteiras mais badaladas de Hollywood é uma loirinha de pele clara e com padrões físicos atraentes, porém modestos: Emma Stone.
Inteligente, divertida e bastante criativa, Emma, atualmente conhecida pelo filme La La Land, não tem o estereótipo brasileiro das "sensuais demais".
E ela é considerada uma das mulheres mais desejadas e atraentes do mundo.
Talvez pelo Brasil ser um país provinciano, que voltou à sua condição de país subalterno na mais recente aventura ultraliberal, tenha que compensar seu atraso com uma modernidade forçada.
É um sintoma típico. Quando se é atrasado, procura-se forçar a barra no aparato moderno para dar a impressão de estar indo para frente e não de ser deixado para trás.
A mídia venal tem dessas coisas.
Trabalha o povo pobre como se ele devesse ficar nas suas condições simbólicas de pobreza, ainda que seja uma pobreza ideológica nadando em dinheiro, com muito consumo e pouca cidadania.
Por isso se vê mulheres-objeto criando um maniqueísmo desnecessário com as "belas, recatadas e do lar" simbolizado pela atual primeira-dama Marcela Temer.
Mulheres-objeto que seguem uma imagem da mulher idealizada pelo machismo, e que se autoproclamam "feministas" apenas por mera formalidade ideológica: quase não vivem sob o vínculo de namorados ou maridos.
Para disfarçar o machismo, elas pegam carona até em causas LGBT, só para agradar os movimentos sociais.
No entanto, as "solteiras" da mídia venal são uma metralhadora giratória contra as minorias sociais.
Numa só sessão "sensual", elas ofendem negras, gordinhas, mulheres pobres (que geralmente têm corpo fora dos padrões estéticos), índias, mesmo quando tente bajular todas elas.
E ofendem as solteiras em geral, criando na sociedade uma visão pejorativa da vida feminina desvinculada a um homem.
Ofendem tudo isso porque associam a mulher das classes populares a uma hipersexualização irresponsável.
E que se usa da falácia da "liberdade do corpo", contradita pela escravidão a uma imagem excessivamente erótica, contra a qual contestar não é moralismo.
Numa sociedade em que a mulher de classe média quer eliminar as paqueras de rua, o que é um exagero, nas classes populares há o outro exagero, o da mulher ver o sexo como um fim em si mesmo.
No lado de baixo da pirâmide social, qualquer degradação é "positiva", como se o povo pobre fosse uma multidão de pessoas ingênuas e resignadas.
Daí que, em nome do "combate ao preconceito", a intelectualidade "bacana" trabalha visões muitíssimo preconceituosas das classes populares.
Uma visão própria do complexo de vira-lata, e que reduz a mulher solteira à imagem depreciativa de uma "cachorra de rua".
Comentários
Postar um comentário