Durante mais de dez anos, entre 2003 e 2014, prevaleceu um discurso pretensioso.
Vindo de intelectuais culturais dotados de muita visibilidade e prestígio, esse discurso, embora de aparência generosa, expressava um perverso preconceito social.
Aliás, todos esses intelectuais vinham com a falácia do "combate ao preconceito".
Eram só eles, não havia um contraponto nesse "debate" que mais parecia um monólogo.
A burocracia acadêmica fez sua parte, barrou do caminho da pós-graduação gente que poderia ter uma visão mais crítica da pobreza brasileira.
Paciência. Era a burocracia acadêmica que, no âmbito nacional, era "governada" pelo lobby intelectual do PSDB na Universidade de São Paulo (USP).
Daí que intelectuais do nível de Umberto Eco e Guy Debord, que poderiam analisar, no Brasil, a chamada "cultura de massa", foram banidos do mercado da visibilidade intelectual.
E o que tivemos?
Tivemos os porta-vozes da mídia venal que atuaram como free lancers para difundir sua visão de "cultura popular" na mídia progressista, de esquerda.
A ideia era castrar o debate cultural e deixar a pobreza como está.
Os intelectuais "bacanas" usavam a desculpa do "combate ao preconceito" para fazer prevalecer suas visões.
Promoviam uma pobreza espetacularizada tomando emprestado de seu nunca assumido guru, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o termo "periferia".
E aí, o que fizeram?
Defenderam a permanência de valores da pobreza como se fosse lindo ser pobre.
Valores de degradação sócio-cultural eram vistos como "simbologia positiva das periferias".
Isso manchou as esquerdas, que aceitaram as falácias da intelectualidade infiltrada, vinda dos porões ideológicos do PSDB, da Folha de São Paulo e respaldados até por Globo, Veja e Caras.
E diante do estigma esquerdista de que "pobre tem que ficar na pobreza", as seitas religiosas preencheram a lacuna das esquerdas, desmoralizadas.
E criaram ambientes para a adesão dos novos pobres à extrema-direita.
Sindicatos ocupados em arrecadar dinheiro e fazer parcerias com ídolos musicais popularescos em festas trabalhistas.
Governantes esquerdistas preocupados em enfiar bregas decadentes em viradas culturais que depois viram (olha o trocadilho) trampolim para a mídia venal.
Acadêmicos que "etnicizam" os "sucessos do povão" das rádios "populares", mas oligárquicas, preferiram o entretenimento e o consumismo a melhoria da vida das classes populares.
Houve inclusão sem desenvolvimento social.
Apenas se forçou a aceitação das classes pobres pela classe média.
Aceitou-se, no entanto, uma imagem que já nascia preconceituosa e caricatural, daí ter sido hipócrita o pretexto de "combate ao preconceito".
Os intelectuais "bacanas" fizeram apologia da degradação sócio-cultural, se infiltraram nas esquerdas para forçar o vínculo e correram fora.
Daqui a pouco, aquele "bom esquerdista" que queria um Brasil brega vai fazer as pazes com Roger Rocha Moreira, Eliane Cantanhede etc e mostrar o elitista que é.
Mas aí será tarde demais.
Os pobres, desconfiados das esquerdas que amavam mais a pobreza do que os pobres, foram para o caminho perigoso de apoiar fascistas.
Sobretudo no Sul e Sudeste em que há muito pobre lambedor de gravatas.
Reportagem do El País fala sobre os novos pobres desiludidos com o esquerdismo.
É uma situação terrível em que forças autoritárias aproveitam a catarse coletiva para promoverem seu obscurantismo político.
E isso, num Brasil em que se liberou geral para as pessoas serem racistas, machistas, homofóbicos, misóginos, valentões, elitistas, entreguistas etc, isso é muito perigoso.
Tudo isso porque um bando de intelectuais falou que era "lindo ser pobre".
Em 1964, a "pobreza linda", embora longe do ideário brega dos últimos anos, provocou o isolamento social dos pobres que viram no crime organizado sua solução.
A raiz do "Estado paralelo" do tráfico e das milícias veio depois, a partir dos anos 1970.
Quem vai "salvar" os pobres diante da catarse reacionária em andamento não se sabe.
O que se sabe é que, mais uma vez, a falácia da "pobreza linda" fracassou.
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