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INCÊNDIO NA CINEMATECA DE SÃO PAULO AVISA: CULTURA BRASILEIRA NÃO ESTÁ BOA


Oficialmente, o Brasil está no "melhor cenário cultural de toda sua História".

O pretexto é haver "muitas narrativas, muitas vozes, muitos espaços". E, para muitos, "Deus protege seguramente nosso rico patrimônio cultural".

O jornalista cultural isentão, ainda que competente - capaz de escrever biografias maravilhosas sobre Pixinguinha, Elizeth Cardoso etc, mas passa pano na breguice produzida dos anos 1960 para cá - , acha que o Brasil está vivendo o momento mais brilhante de todos os tempos.

Isso quando a "diversidade cultural" se limita a mediocridades de sucesso hoje como o "funk ostentação", a "pisadinha", a "sofrência" e os novos nomes do "pagode romântico". Quando muito, uma "MPB carneirinha" tipo Anavitória ou o pós-caetanismo mediano de um Emicida.

Temos uma pretensa "cultura vintage" de uma "estranha vanguarda artística" composta por Gretchen, Chitãozinho & Xororó, Michael Sullivan, Art Popular, Grupo Molejo, Raça Negra e É O Tchan.

Há também o "excelente mercado literário" envolve livros de youtubers de quinta categoria, ficções de cavaleiros medievais complexados e estudantes que viram vampiros, ou de mocinhas perdidas diante de uma paisagem sombria de árvores centenárias.

Ou livros de Minecraft, Pokemon Go, "livros para colorir" (risivelmente tidos como "não-ficção") e os habituais livros de auto-ajuda (em que os autores "auto-ajudam" a produzir renda com mentiras), agora competindo com livros de business coaches com títulos cheios de palavrões (tipo f***-se).

E temos também o nosso "brilhante e moderno" idioma português, "saudavelmente" invadido por expressões em inglês. 

É muito dog, boy, game, flat, crazy, body etc que a gente fica com a cuca fundindo, principalmente quando sabemos que o tal body é o "novo nome" de maiô (já um estrangeirismo aportuguesado, do francês maillot) e agora se fala até em "doguinho" para definir filhotes de cachorro.

Mas diante do portinglês e da imitação brasileira do pop estadunidense na nossa "maravilhosa cena musical contemporânea" - que, na essência, requenta o que já foi feito há 20 anos nos EUA - , a farra americanizada dos brasileiros hoje vive no "pendura".

Qualquer problema é só botar tudo na conta de Oswald de Andrade, falecido há 67 anos.

Tudo isso é um cenário "maravilhoso", pelos olhos complacentes e paternalistas do jornalista cultural isentão, que acha que tudo está "bom" porque ele, com seu dinheiro poupado por viagens de graça para o interior do país (O que não renderia uma boa bajulada aos bregas de 1990?...), pode comprar raridades lá fora.

Ele pode comprar discos raros de Bossa Nova no mercado estrangeiro da Europa, com os milhares de reais que deixou de gastar com viagens e hospedagem, dadas de graça após classificar nomes como Chitãozinho & Xororó, Michael Sullivan e Alexandre Pires como pretensas "vanguardas da MPB".

O jornalista isentão até se preparava para dormir tranquilo depois que o "Brasil-Instagram" atingiu o paraíso quando "Baile de Favela", de MC João, foi o fundo musical de uma performance de ginástica olímpica em Tóquio que rendeu uma medalha de "prata com sabor de ouro".

Pelo jeito, a cultura brasileira está pegando fogo.

E está mesmo.

Ontem tivemos um terrível incêndio num prédio da Cinemateca de São Paulo, no bairro de Vila Leopoldina, aqui na capital paulista.

Ele se deu por volta de 19h45, devido a um curto-circuito num ar condicionado sem manutenção.

A essas alturas, Jair Bolsonaro acabou de fazer uma de suas horrendas palestras ao vivo e disse que as urnas eletrônicas são fraudadas. Ele admitiu que havia fraude também nas eleições de 2018, vencidas por ele, mas ele prometeu mostrar provas e nada fez.

O incêndio na Cinemateca completou os estragos de outro incêndio, em 2016 - outro "excelente momento" para o "Brasil-Instagram", com gente gritando "Fora Temer" em vão - , e de um alagamento no ano passado.

Filmes importantes ficaram perdidos. Até agora o material todo não foi oficialmente levantado, mas, como sempre, perdemos importantes materiais de nossa memória.

Vendo essa situação trágica, fico comparando, ao consultar o Instagram, o grande acervo que a saudosa e lindíssima atriz Sharon Tate, morta por uma fanática da Família Manson, também já falecida, publicado no portal de redes sociais.

Há filmes de entrevistas e programas de TV nos quais ela aparece, e ela, com uma carreira curtíssima - de 1961 a 1969 - , tem um acervo de fotos e imagens surpreendentemente grande.

Comparemos com Leila Diniz, contemporânea de Sharon Tate e também precocemente falecida. A saudosa atriz brasileira foi estrela de novelas como O Sheik de Agadir, da qual resta fragmentos.

Não sei se há imagens de Leila presentes nesse acervo remanescente. Nossa memória televisiva já foi em boa parte devorada por chamas.

Perdemos muita coisa na cultura do passado, marcada por expressões mais dignas e criativas. Nos anos 1950 e 1960, tivemos grandes produções das quais só restam citações de quem viveu essa época.

Só temos um conteúdo parcial que é reproduzido no YouTube. Pouco, para buscarmos valores do passado para reforçar e realimentar valores do presente e do futuro.

Coisas maravilhosas que, em grande maioria, não existem mais.

E o pessoal hoje dizendo que a cultura brasileira "está boa" porque há atividade intensa nas redes sociais, exaltando ícones bregas do passado, medíocres culturalistas de hoje, subcelebridades e outras bobagens.

Um "Brasil-Instagram" que exalta a mediocridade do "funk", esse "Joe Biden" da música brasileira e seu "ufanismo da favela" não pode ser levado a sério.

Mas se até as esquerdas cometem imbecilidades como evocar um "médium espírita" de peruca e de direita para pedir paz e proteção a Lula, então vivemos num grande caos.

E aí, depois que perdemos acervos importantes de lugares como o Museu Nacional e a Cinemateca de São Paulo, quem sai queimado é o Brasil-Instagram, apesar de seu acervo estar muito bem protegido nas suas páginas e nos tais stories.

E o nosso jornalista cultural isentão recebendo viagens e hospedagens de graça por bajular bregalhões veteranos, gastando o dinheiro economizado para comprar discos raros de MPB vendidos a preços caríssimos por sítios estrangeiros na Internet.

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