Pular para o conteúdo principal

O REACIONARISMO DE ANTIGOS GRANDES MÚSICOS NOS CHAMA A PENSAR

MARCELO NOVA BANCOU O NEGACIONISTA NUMA ENTREVISTA PARA O JORNAL DA MANHÃ, NA TV BAHIA.

Vivemos uma era de cancelamento e os antigos heróis e musas são derrubados, um a um, por conta de posições negativas aqui e ali.

O mais novo membro desse clube é o roqueiro baiano Marcelo Nova, fundador do Camisa de Vênus.

Ele deu entrevista ao telejornal matutino Jornal da Manhã, da TV Bahia, que o escolheu para falar sobre o Dia Mundial do Rock (que para mim está mais para Dia Intergalático do Arrocha).

Com seu jeito afiado de quase sempre, Marcelo Nova decepcionou quando lhe foi perguntado sobre o que ele estava fazendo durante a pandemia. Ele respondeu:

"Para um sujeito como eu, prestes a fazer 70 anos de idade e com 40 anos de carreira, isso não serve pra mim. Eu fiz minhas regras, eu faço meu caminho, eu não deixo que governadores nem prefeitos, nem presidentes, ninguém manda em Marcelão! Isolamento parcial, porque eu não me submeto a esses ditames do 'fica em casa, fica em casa, não saia, não se aproxime. Eu beijo quem eu quero, eu abraço quem eu quero. E eu vou morrer, se não morrer de covid, vou morrer de câncer, atropelado, assassinado, de zika, chikungunya, essas coisas".

É um negacionismo que lembra muito o de Eric Clapton e Van Morrison, que, juntos, gravaram uma canção do irlandês, "Stand and Deliver", que compara a medida justa do lockdown a uma escravidão.

Tanto os gringos quanto o baiano reclamam de não poderem fazer mais concertos ao vivo. Tudo bem, mas precisava abominar medidas que são impostas para salvar a saúde das pessoas e tentar desacelerar o ritmo dos óbitos?

Eu ouvia o programa Let's Rock, na Rede Transamérica - hoje uma morta-viva do rádio brasileiro - , nos anos 1990 e cheguei a ganhar uma promoção.

Admirava Marcelo Nova como admirei tanta gente da qual me afastei por decepções diversas.

Um dos primeiros discos que comprei, em 1985, foi Nós Vamos Invadir Sua Praia, do Ultraje a Rigor, do hoje reacionário Roger Rocha Moreira, que acaba de perder a amizade com Lobão, que parece se tornar quase um Alexandre Frota do Rock Brasil. Lobão era um dos convidados da faixa-título.

Fã dos Smiths, já cheguei a me identificar com as letras de Morrissey, mas com o tempo passei a repudiar suas opiniões racistas, machistas e sua fase fascista, apoiando o movimento For Britain.

Não era um fã ardoroso de Clapton, mas gostava muito de várias músicas e a fase que eu mais curtia dele era do Cream.

Ele teve uma fase lamentável nos anos 1980 e 1990, quando roqueiros veteranos aderiram à fórmula do "rock de estádio" para enriquecer homens de negócios a partir do Live Aid, festival que trouxe dor de cabeça e traumas para seu idealizador, Bob Geldof.

Mas imaginava que Clapton pudesse dar a volta por cima, se aproximando do blues, com discos que, embora fossem mais "adultos", seriam de fino talento musical, com a guitarra eficiente do britânico.

E o pior é que, nos anos 1970, veio o episódio do apoio de Clapton ao extremo-direitista Enoch Powell, desejando o fim da imigração de negros e outras etnias na Grã-Bretanha, preferindo um Reino Unido "branco" e "anglo-saxônico".

Essa declaração, dada em 1976, foi chocante porque Clapton parecia ter sido um discípulo fiel e fervoroso de Robert Johnson, um bluesman dos EUA que viveu apenas 27 anos, entre 1911 e 1938.

Sobre a Covid, Clapton reclamou de ter sentido dores intensas depois de ter sido vacinado contra essa doença. 

Eu tive reações de um dia depois que me vacinei contra a Covid. Mas mesmo assim fico muito feliz por ter sido vacinado e, daqui a dois meses, receberei outra dose.

E aí vemos o quanto aquele universo de referências acaba mudando completamente, por força das circunstâncias.

Ficamos pensando o quanto somos obrigados a mudar, ainda que houvesse um esforço para manter a essência de nós mesmos.

Eu não caio na ilusão do etarismo de que eu tenho que, agora com 50 anos, ter que parecer forçadamente maduro, bancando o patriarca pedante, rígido em etiqueta, sisudo e voltado a ouvir só canções românticas e orquestradas.

Felizmente, eu não tenho filhos e, por isso, não tenho um rapagão de 25 anos gerado por mim que possa ser um "outro" de um mundo "alheio a mim".

É como disse Edgard Scandurra na voz de Nasi, na canção do Ira! "Dias de Luta": "Se o meu filho nem nasceu, eu ainda sou um filho". E talvez eu nem venha a me tornar pai, a essas alturas.

(O Ira!, felizmente, segue uma postura progressista e, por ironia, Edgard foi o guitarrista do Ultraje no primeiro compacto da banda, "Inútil" / "Mim Quer Tocar", de 1983).

Mas se eu não tenho a obrigação de ser fã de Frank Sinatra e Elton John na entrada dos 50, como quem faz serviço militar quando entra nos 18, eu me sinto forçado a ter que mudar como quem joga fora uma barra de ouro fora para fazer o balão voar.

Já fui nerd, loser e ultrarromântico. Hoje renego o nerdismo e, poeticamente, estou mais próximo do Modernismo que do Romantismo.

Já tive a infelicidade de, por influência da família, seguir o caquético Espiritismo brasileiro guiado por "médiuns" farsantes que lançam livros claramente fakes enfeitados de nomes famosos ou de outros nomes nem tão famosos assim nos créditos autorais, mas aquém das personalidades originais.

Já me iludi com essa religião, tal como muita gente se ilude e teima em se iludir hoje em dia. Só depois de perceber que a religião "espírita" me dava serpentes quando eu pedia pão, pulei fora e não tenho a menor vontade de voltar.

Neste caso, se nós somos obrigados a mudar, na verdade não somos nós que mudamos drasticamente, mas é o mundo que muda e muitos dos antigos ídolos e das antigas escolhas revelam seus lados negativos.

Nós temos é que abrir mão deles ou, no caso dos Smiths, ouvir o repertório antigo da banda, esquecendo um pouco do Morrissey ranzinza de hoje.

Eu não gosto desse universo acrítico e abobalhado das esquerdas festivas que adoram funqueiros e "médiuns de peruca", seus "brinquedos culturais" prediletos. Mas não é por isso que me tornarei um reacionário.

A situação no Brasil e no mundo, nos últimos anos, está complicada, e não dá para ser maniqueísta.

Afinal, não é porque grandes músicos se tornaram reacionários que a imbecilização brega-popularesca se tornou genial. Ela continua sendo o mesmo lixo de sempre e, de vez em quando, o "popular demais" mostra que também tem gente como o DJ Ivis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"ANIMAIS CONSUMISTAS"AJUDAM A ENCARECER PRODUTOS

O consumismo voraz dos "bem de vida" mostra o quanto o impulso de comprar, sem ver o preço, ajuda a tornar os produtos ainda mais caros. Mesmo no Brasil de Lula, que promete melhorias no poder aquisitivo da população, a carestia é um perigo constante e ameaçador. A "boa" sociedade dos que se acham "melhores do que todo mundo", que sonha com um protagonismo mundial quase totalitário, entrou no auge no período do declínio da pandemia e do bolsonarismo, agora como uma elite pretensamente esclarecida pronta a realizar seu desejo de "substituir" o povo brasileiro traçado desde o golpe de 1964. Vemos também que a “boa” sociedade brasileira tem um apetite voraz pelo consumo. São animais consumistas porque sua primeira razão é ter dinheiro e consumir, atendendo ao que seus instintos e impulsos, que estão no lugar de emoções e razões, ordenam.  Para eles, ter vale mais do que ser. Eles só “são” quando têm. Preferem acumular dinheiro sem motivo e fazer de ...

A PROIBIÇÃO DO "FUNK" E DO USO DOS CELULARES NAS ESCOLAS

Nos dois lados da polarização, há iniciativas que, embora bastante polêmicas, pretendem diminuir a fuga de foco dos alunos dos ensinos fundamental e médio no cotidiano escolar. Do lado lulista, temos a aprovação de uma lei que limita o uso de telefones celulares para fins pedagógicos, proibindo o uso recreativo nos ambientes escolares. Do lado bolsonarista, várias propostas proíbem projetos que proíbem o "funk" e outras músicas maliciosas a serem tocados nas escolas. Lula sancionou a lei surgida a partir da aprovação do Projeto de Lei 104, de 03 de fevereiro de 2015, do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que estabelece a proibição do uso informal dos telefones celulares pelos alunos das escolas públicas e privadas. A lei só autoriza o uso dos celulares para fins pedagógicos, como pesquisar textos indicados pelos professores para exercícios em salas de aula. ""Essa sanção aqui significa o reconhecimento do trabalho de todas as pessoas sérias que cuidam da educação, de ...

QUANDO, NO ATEÍSMO, O GALINHEIRO SE TRANSFORMA EM TEMPLO DE RAPOSA

O ateísmo virou uma coisa de gente à toa. Além da má compreensão do que é mesmo a descrença em Deus - uma figura lendária e folclórica que grande parte da humanidade atribui como "o Criador de todas as coisas" - , que chega mesmo a se tornar uma "religião invertida" cheia de dogmas (como a certeza da "inexistência de Jesus Cristo", sem admitir pesquisas nem debates sobre o suposto "Jesus histórico" que causa polêmicas nos meios intelectuais), há costumes estranhos nessa descrença toda. Como se vê em comunidades como Ateísmo BR, há uma estranha complacência e até devoção em torno de um farsante religioso, o tal "médium da peruca" que transformou a Doutrina Espírita em um chiqueiro. O "médium dos pés de gelo", que amaldiçoou alguns de seus devotos famosos que, tempos depois, viam seus filhos morrerem prematuramente de repente, é defendido por supostos ateus com uma persistência muitíssimo estranha. As alegações sempre se referem...

NÃO SE ACHA UM WALTER SALLES EM QUALQUER BOATE DESCOLADA OU BAR DA ESQUINA

Costumo dizer que exceção é como um micro-ônibus no qual as muitos querem que tenha a lotação de um trem-bala. Todos querem ser exceção à regra. A regra quer ser exceção de si mesma. E num Brasil afundado de muito pretensiosismo e falsidade, todos querem ser reconhecidos pelo que realmente eles não são. Na burguesia e, principalmente, na elite financeira, temos uma brilhante exceção que é o cineasta Walter Salles, de uma obra humanista e progressista. Por uma questão de vínculo familiar, Walter é membro de uma família de banqueiros, acompanhou o auge da carreira do pai, Walther Moreira Salles - do qual herdou o nome, acrescido da palavra "Júnior" - , e é uma das pessoas mais ricas do país. Mas Walter Salles é uma grande exceção à regra, e o seu cinema tem uma proposta de lançar questões que ele mesmo tem em mente, indo do documentário sobre Chico Buarque ao recente drama sobre Rubens Paiva, Eu Ainda Estou Aqui , passando por temas como a geração beat  e a juventude de Che Gue...

BOLSONARISTAS CAUSAM PÂNICO COM MENTIRAS SOBRE PIX

Os últimos dias foram marcados, na Economia brasileira, por um escândalo provocado por uma onda de mentiras transmitidas por bolsonaristas, a partir de um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Assim que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que pretende aumentar a fiscalização para movimentações financeiras, as mentiras se voltaram para a hipotética taxação do Pix. Trata-se de uma interpretação leviana do que a equipe econômica cogitava fazer, que seria o aumento da fiscalização sobre transferências em valores superiores a R$ 5 mil através do Pix de pessoas físicas e acima de R$ 15 mil de pessoas jurídicas (empresas). A interpretação supunha que o Governo Federal iria aumentar os impostos de pessoas físicas que utilizassem pagamentos através do Pix, sistema de pagamento criado pelo Banco Central. Várias pessoas ligadas a grupos bolsonaristas espalharam a mentira e estarão sob investigação pela Polícia Federal, a pedido da Advocacia-Geral da União. A medida causou pânic...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

A VELHA ORDEM SOCIAL LUTOU PARA SOBREVIVER EM 2024

OS NETOS DA GERAÇÃO GOLPISTA DE 1964 SE ACHAM OS PREDESTINADOS E "DONOS" DO FUTURO DO BRASIL. O nosso país vive uma não declarada pandemia do egoísmo. A "liberdade" desenfreada de quem quer demais na vida, de uma elite que não se sentiu representada por Jair Bolsonaro e que viveu as limitações da Covid-19, mostra o quanto o Brasil preferiu, de 2022 para cá, viver em ilusões, a ponto de haver um novo "isentão", o negacionista factual, que sente fobia de senso crítico e mede a qualidade da informação pelo prestígio de quem diz, pouco importando se o fato é verídico ou não (e, se for, é mera coincidência). Como jornalista, minha missão é juntar as peças dos quebra-cabeças e não me contentar com a realidade fragmentada que confunde contradição com equilíbrio ou versatilidade. Criando uma "linha do tempo" da elite do atraso, vejo que não há contraste entre a "democracia" pedida pelos que defendiam a queda de João Goulart em 1964 e a "de...

PRÉ-CANDIDATURA DE GUSTTAVO LIMA À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA REVELA ESTRATEGISMO PERIGOSO DA EXTREMA-DIREITA

RONALDO CAIADO APADRINHA A POSSIBILIDADE DO BREGANEJO GUSTTAVO LIMA SER CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. O anúncio do cantor breganejo Gusttavo Lima para se candidatar à Presidência da República em 2026 revela uma habilidade estratégica da extrema-direita em diversificar suas opções e pulverizar o jogo eleitoral. Diferente dos lulistas, que apostam na velha opção de Lula, que busca reeleição, numa arriscada iniciativa de investir num idoso para conduzir o futuro do Brasil, os extremo-direitistas buscam renovar e diversificar as opções, buscando atrair o público jovem e as classes populares. O caso de Pablo Marçal, influenciador e empresário, mas representante do brasileiro “indignado”, foi um teste adotado na campanha para a Prefeitura de São Paulo. É uma tendência perigosa, que mostra a habilidade dos extremo-direitistas em jogar pelo improviso. Eles podem ser patéticos no conjunto da obra, mas são muito, muito habilidosos em suas estratégias. O Brasil vive um cenário viciado de ...

AS REAÇÕES PARANOICAS DO BURGUÊS ENRUSTIDO

Na “sociedade do amor” guiada pela “democracia de um homem só” de Lula, a burguesia comanda uma “frente ampla” social que vai do ex-pobre “reMEDIAdo” por loterias e promoções de produtos ao famoso e/ou subcelebridade dotado de muito dinheiro e extravagância. Nessa fauna de “animais consumistas”, essa frente, a elite do bom atraso, é dotada também de muita falsidade, além de um culturalismo vira-lata que os faz gostarem de músicas de gosto duvidoso e a falarem jargões como a intragável e cafona gíria “balada” (© Jovem Pan) e neologismos em portinglês como “doguinho” e “lovezinho”. Mesmo os mais “modestos” membros dessa classe cujos avós suplicaram a queda de João Goulart em 1964 nem que seja pelo preço de uma guerra - conforme revelaram documentos da felizmente nunca realizada Operação Brother Sam, décadas depois - podem ser incluídos nesse banquete simbólico da burguesia, por compartilharem, pelo menos em parte, dos privilégios e interesses da aristocracia bronzeada que temos. A falsid...

VERDADES QUE O NEGACIONISTA FACTUAL NÃO ACEITA

Sabemos que o negacionista factual é uma espécie de isentão pós-Bolsonaro, sintonizado com os tempos “democráticos” atuais e usando as supostas imparcialidade e objetividade como “carteiradas”. Cão de guarda da classe dominante, esta adaptada às conveniências sociopolíticas e culturais do governo Lula 3.0, o negacionista factual boicota e pede para seus seguidores boicotarem textos que fogem do limitado perímetro do “estabelecido”, que não lhe agradam nem causam o devido interesse. Pode ser o aviso de um perigo iminente, mas o negacionista factual reage perguntando quem foi que divulgou tal aviso. Foi a revista Isto É? Foi O Globo, a Rede Globo? Foi a Folha? Foi o jornal O Dia (RJ)? Foi o Brasil 247? Foi o William Bonner? Foi o José Luiz Datena? Foi a CBN, a Band News?  Não que ele se declarasse fã de tudo que consome da mídia oficial - mesmo a chamada mídia alternativa se situa neste contexto - , pois o negacionista factual, tido como “imparcial”, se julga “distanciado” de qualque...