O Brasil não está socialmente nem culturalmente em boa fase. Devemos admitir isso.
Só porque existe plena atividade nas redes sociais e o "mundo cor-de-rosa" do Instagram ilude até o "isento" de plantão, não significa que estamos vivendo um bom momento.
O bolsonarismo ainda não foi derrotado e o Titanic digital segue alegremente até que o aicebergue da realidade lhe atinja num momento mais delicado.
Ver que pessoas com mais de 50 anos falam a gíria clubber "balada" (©Jovem Pan), termo que insiste em ser usado pelo chamado jornalismo "sério" (sobretudo as tais "baladas clandestinas" da pandemia) é um porre.
A supremacia da música popularesca e do comercialismo pop mais rasteiro chegou a níveis totalitários, que agora temos que escolher entre o menos ruim e o pior.
Tanto que, agora, tudo o que era ruim e medíocre (quando era "palatável" para muitos, não para mim, é claro) na década de 1990 agora é "genial", "vanguarda" e até "não-comercial" ou "anti-comercial".
Ver que É O Tchan agora é "não-comercial", Leandro Lehart "anti-comercial" e Michael Sullivan "MPB de vanguarda" é de fazer alguém com um mínimo de lucidez correr para o primeiro banheiro que encontrar pela frente para soltar sua porção de vômito.
Ver que agora a idiotização cultural virou "vintage" é de partir o coração.
E para completar o modo "sorvete na testa" que gourmetiza a mediocridade reinante, as esquerdas médias e identitaristas insistem na tese ridícula de que "Xi Bom Bombom" sucesso de axé-music do grupo As Meninas, é "inspirada em O Capital de Karl Marx".
Numa comparação aproximada, é como se dissesse que "Florentina de Jesus" de Tiririca fosse inspirada na obra de Jane Austen ou que "Apocalipse", uma canção ruim de Roberto Carlos em sua pior fase, fosse inspirada na Divina Comédia de Dante Alighieri.
Não faz sentido algum. Mas se o BTS, grupo de pop comercial sul-coreano, viraram os "Bob Dylan da hora" (reivindicação disputada, também, pelos funqueiros "de raiz" dos anos 1990), então não dá para entender o mundo em que vivemos. Franz Kafka ficaria pirado com tanto surrealismo.
Pelo menos eu aprendi que, nos anos 1960, havia o bubblegum e a música de protesto. Coisas diferentes e opostas. O bubblegum de hoje se passa por "música de protesto" e todos vão pra cama felizes com essa lorota.
Pois nosso "bom momento" não consegue derrubar Jair Bolsonaro, que 'decai" aos poucos mas ainda resiste em pé, e também não consegue dar uma dura punição ao DJ Ivis, o "rei da pisadinha", que no seu modo troglodita espancou e chutou a ex-mulher Pâmela Holanda, toda vez em que o então casal discutia.
E foram várias vezes, não bastasse o truculento DJ tratar de forma violenta e humilhante a mulher, até pelo mero prazer dele em agredí-la.
O máximo que Jair Bolsonaro recebe é uma multiplicação de notas de repúdio e estatísticas negativas de avaliação do seu (des)governo. E o DJ Ivis? Ele apenas perdeu o emprego que tinha nas festas promovidas pela empresa do ex-parceiro Xand Avião.
Como é que os jornalistas culturais "isentões" dizem que estamos vivendo "no melhor momento da História do Brasil"?
Porque eles, vendo a cultura como um mero mega store, podem comprar bens culturais que quiserem e viajar para onde desejarem? E eles, à distância, no conforto de seus apartamentos, felizes porque, em tese, há "inúmeras vozes e narrativas" esquentando nosso Brasil?
Até parece que tudo virou oxigênio, até o entretenimento mais comercial agora é "hidropônico", "orgânico", tudo teria virado "tão natural quanto o ar que respiramos".
Grande engano.
O que temos é uma sociedade midiatizada e mercantilizada até as últimas consequências.
Temos uma grande maioria de pessoas conectadas pelas redes sociais, que são a nova grande mídia, o novo mainstream, o novo establishment, só para citar os termos estrangeiros para quem só entende portinglês.
Afinal, os novos barões da mídia são os Big Techs. Isso não minimiza o caráter de poder elitista dos Marinho, Frias e Mesquita, no plano nacional brasileiro, ou dos Kertèsz e Mayorana mais ao Norte e Nordeste, mas tudo se configura em "grandes mídias" de diversos âmbitos locais.
Temos magnatas controlando as redes sociais de tal forma que as pessoas que utilizam gratuitamente seus serviços ignoram que elas mesmas são as mercadorias do negócio.
Daí que uso pouco as redes sociais. As pessoas pensam que sou arredio, antissocial ou recluso.
Nada disso. É porque eu não quero me tornar mais uma mercadoria na prateleira digital. E também eu não quero fingir que o Brasil vai bem, com uma realidade terrivelmente vulnerável.
A sociedade brasileira está encharcada de mídia e mercado contaminando os neurônios, as veias, os glóbulos brancos e até os anticorpos. E, principalmente, o inconsciente tanto coletivo quanto individual.
Pensamos que Gretchen, Michael Sullivan, BTS, Britney Spears, Spice Girls, As Meninas, Leandro Lehart, Chitãozinho & Xororó etc são o "novo alternativo", a "nova vanguarda".
Não. Eles são o contrário, são o suprassumo de um comercialismo ainda mais voraz, que apenas se encaixa na catarse hormonal dos jovens mileniais e dos balzaquianos de segunda categoria na casa dos 30 ou 40 anos.
Claro que esse pessoal todo (tenho que chamá-los de "galera irada"?) parece a "turma do contra", se revoltando contra valores de grandeza que, por estarem associados aos sonhos vibrantes dos anos 1960, soam "velhas" e "desgastadas" para essas mentes festivas e hedonistas.
Daí os vários terraplanismos que envolvem identitaristas, bolsomínions e "isentões" que mais parecem um monstro de três cabeças.
E aí ficam vendo comercialismo onde não há e anti-comercialismo onde não existe. Apenas por interpretar mal certas situações.
Membros de bandas de rock clássico dos anos 1970 se envolvem com problemas na Justiça, envolvendo de acusações de plágio a disputas de ex-integrantes para ficar com os nomes desses grupos, a patota milenial e a geração Z (os neo-tios e neo-tias nascidos de 1978 para cá) chama isso de "comercialismo".
Aí vem o BTS com uma ação publicitária de doar cachê de uma apresentação para uma causa filantrópica e a mesma patota chama de "anti-comercial".
Mesmo os dramas respeitáveis de certa forma que atingiram Britney Spears e Demi Lovato são superestimados e muita gente cria Contracultura num copo d'água achando que as duas cantoras pop são "não-comerciais".
E aí sobra ver gente de esquerda dando a cara a tapa (dada pelos bolsomínions), quando se atribui suposto marxismo em letra de axé-music. Depois os bolsonaristas ridicularizam o tal "marxismo cultural" e as esquerdas não gostam.
Essa bagunça toda, que permite até a ação brutal de machistas (outrora) sorridentes como DJ Ivis que, pasmem, ganhou mais seguidores nas redes sociais, faz com que o Brasil esteja numa situação ainda mais frágil.
Se o Brasil fosse uma pessoa enferma, poderíamos dizer que seu estado é gravíssimo.
Nesse turbilhão de idiotização cultural, violências, vida cor-de-rosa nas redes sociais - com famosos brincando de serem "jornalistas" entrevistando pessoas em lives e frases simplórias supostamente "sábias" publicadas em memes - , sinto que pode surgir uma tragédia a caminho.
O momento é ainda de muita apreensão. Não estamos num bom momento. A situação está frágil e muito perigosa. Quem acha que os tempos hoje estão maravilhosos não sabe o que lhe espera na esquina.
Comentários
Postar um comentário