A cultura rock no Brasil que prevalece desde o começo dos anos 1990 é um horror.
As pessoas perderam o espírito de garimpagem e se contentam em ouvir os hits, apesar de usar o eufemismo "clássicos" para ficar ouvindo o mesmo punhadinho de músicas conhecidas.
Não há um esforço em sair do óbvio, mesmo quando a situação, na mídia roqueira, mudou levemente, quando finalmente as canastronas 89 FM (São Paulo) e Rádio Cidade (RJ) perderam o protagonismo radiofônico.
Isso porque as pessoas que curtem rock ainda ficam com preguiça e preferem ouvir canções menores de grupos como Queen ("A Kind of Magic", por exemplo) e Genesis (como "Invisible Touch"), do que ficar procurando canções mais complexas.
E não se fala somente dos meninotes que começaram a conhecer o gênero. Fala-se dos tiozões, até mesmo uns mais velhos do que eu, que estou hoje com 50 anos.
Gente que não consegue enxergar um palmo além do que o mainstream seleciona do rock, ainda mais uma seleção ainda mais restrita, no Brasil, do que ocorre lá fora.
Aqui ocorre o hábito constrangedor de glorificar os chamados hasbeen, ou decadentes, nomes de baixa representatividade musical lá fora mas que aqui são endeusados como se fossem a "oitava maravilha do mundo".
Vide o caso de Johnny Rivers, crooner mediano que mal conseguiu fazer sucesso, lá fora, com "Secret Agent Man" (cover de uma banda de garagem), e aqui ele virou um "deus" com "Do You Wanna Dance?", que nos EUA é mais conhecida na versão dos Beach Boys.
O Outfield é outro caso. O grupo do sucesso "Your Love" foi apenas um clone do Police, virou sucesso a partir de trilha sonora de novela, mas, risivelmente, é considerado "clássico" quando, no seu país de origem, tem menos cartaz até do que um Carter USM.
E o pior é que, se o Outfield e Johnny Rivers são "deuses" no Brasil, cerca de uma dúzia de bandas seminais e mais significativas é criminosamente ignorada pelos brasileiros, com dois ou três sendo vagamente mencionados por jornalistas especializados em rock.
Fiz uma lista de onze bandas seminais de rock desprezadas no Brasil e vale a pena conferir como nossa cultura rock é muito provinciana, matuta e indigente.
O XTC é uma delas. A banda está extinta há 15 anos, mas sua trajetória é bastante honrada e seu legado inclui muitas e muitas grandes canções.
A banda poderia fazer sucesso no Brasil, como teve relativo cartaz na Argentina, onde se consome mais rock alternativo que o nosso país.
O XTC tem faixas com assobios, como "Take This Town" e "Generals and Majors". Os brasileiros adoram sucessos assobiáveis, tanto que tem nomes do pop dançante que ninguém ouviu falar, mas que fazem sucesso porque seus refrãos envolvem assobios.
Há faixas com aquele arranjo "new wave" que os brasileiros estão acostumados a ouvir, como "Chain of Command".
"When You're Near Me I Have Difficulty" poderia ser gravada pelos Foo Fighters e "Day In, Day Out" poderia ter uma versão gravada pelo Blur.
Tem até uma faixa que poderia ser usada como protesto contra Jair Bolsonaro, que é "Here Comes The President Kill Again".
E há muitas faixas inspiradas em Beatles.
O XTC também teve discos produzidos por Steve Lillywhite, conhecido aqui pelos trabalhos com U2 e Simple Minds, e Hugh Padgham, parceiro produtor do Police e Phil Collins.
Aqui a única música que foi tocada nas rádios é "The Ballad of Peter Pumpkinhead", e ainda assim muito mal divulgada. E as páginas de ateísmo se lembram da canção "Dear God". Só isso.
Uma pena. A dupla central do XTC, Andy Partridge e Colin Moulding, deram tudo de si e criaram grandes clássicos do rock que os brasileiros, com as ceras do mainstream entupindo seus ouvidos, se recusam a conhecer.
E olha que existem motivos para o XTC fazer sucesso no segmento roqueiro, como mencionamos os aspectos próximos a referenciais apreciados pelo roqueiro médio no Brasil.
A cultura rock está em baixa por causa da acomodação de mais de 30 anos. Para revigorar o rock, mais garimpagem. É menos lingua para fora, guitarra-aérea e sinal com mãozinha, e mais busca por coisas menos óbvias que os "clássicos" de sempre.
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