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O BREGA SEMPRE FOI A "CULTURA" DOS "ÚLTIMOS A SABER"


O cantor Odair José acabou de anunciar um novo disco, desta vez "de rock", tentando desmentir o status de brega. Mas, de maneira bem brega, anunciou a novidade se apresentando numa praça em São Paulo num vídeo lançado pelo TV Folha.

Odair é o nosso equivalente ao norte-americano Pat Boone, cantor que veio na carona de Elvis Presley e fez muito sucesso não só por lá, mas também no Brasil. A exemplo de Boone, Odair tem uma personalidade conservadora, mas busca alguma reputação como "ícone da cultura jovem".

O Brasil é que é politicamente correto e tenta creditar uma suposta "rebelião revolucionária" nos ídolos bregas, apenas por letras de amor dolorido ou de alusões a práticas sexuais. Waldick Soriano e Odair José foram considerados "subversivos" por coisas mais inócuas do que o hoje ultrarreacionário Lobão ainda é capaz de fazer.

Até mesmo a intelectualidade "bacana" invadiu a mídia esquerdista para fazer seu proselitismo e empastelar os debates culturais, adiando para não se sabe quando o retorno das discussões do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes que o golpe militar interrompeu.

Enquanto isso, a cultura continuou "descendo para o povo", sem que viva alma ("viva" no sentido da visibilidade plena) se encoraje a questionar. Envergonhada por dar ouvidos a um Pedro Alexandre Sanches discípulo de FHC e Francis Fukuyama, a esquerda intelectual baixou a cabeça e agora só fala dentro dos limites de seus gostos pessoais de classe média.

E poucas pessoas conseguem compreender o que é realmente ser brega? É gravar boleros? É cantar letras de amor dolorido? É se vestir exageradamente? Não necessariamente isso. O brega consiste em não entender contextos e aderir a modismos ou movimentos comportamentais depois que eles deixaram de ter uma razão de ser.

Odair José foi um retardatário da Jovem Guarda, embora a mídia o promova como uma resposta "mais arrojada" a Roberto Carlos. No fundo, Odair é o que Roberto seria se este continuasse a ser roqueiro, e nem tanto assim quanto Erasmo Carlos que, sabemos, sempre respeitou a MPB e o rock e aderiu aos dois de forma admirável.

Até o falecido Sérgio Murilo seria mais instigante que Odair, apesar da inócua porém divertida "Broto Legal", de 1960. Se Odair fazia Jovem Guarda quando a "festa de arromba" terminou, Sérgio Murilo fazia JG ainda nos preparativos  para a festa, quando Cely Campello ainda era solteira e considerada a maior cantora de música jovem do país, lá pelo início dos anos 1960.

Mas o Brasil é brega por excelência, no sentido de ser bastante atrasado. Seu "iluminismo de engenho", por exemplo, custou muito a abrir os olhos dos ativistas influenciados pela Revolução Francesa, mas cuja compreensão de Direitos Humanos ainda era precária, teimosos em acreditar que índios e negros eram considerados "animais selvagens" e não cidadãos.

A nossa República foi instaurada tardiamente em relação aos EUA ou mesmo à América do Sul restante. E foi decretada por um monarquista indisposto, o marechal Deodoro da Fonseca, com o apoio de coronelistas e antigos escravocratas descontentes com a falta de indenizações de uma Lei Áurea que deixou senhores de engenho e escravos igualmente "à deriva".

Quando o Brasil começava a estabelecer um caminho no âmbito político, econômico e sócio-cultural, vieram os golpistas a acusarem o presidente João Goulart de promover a "ditadura do proletariado" e o tiraram do poder, criando uma ditadura militar que arrasou o país.

Culturalmente, perdemos aqueles grandes sambistas, violeiros, sanfoneiros, seresteiros, repentistas, violonistas. O que temos de MPB autêntica hoje é fruto dos "ventos" de 1958-1963. Depois desse período, vieram os bregas, em suas diversas tendências, sempre de artistas medíocres que sempre são os "últimos a saber" de cada modismo e posam de "gênios injustiçados".

É muito complicado explicar por que, por exemplo, Altemar Dutra não é brega e Bell Marques, sim. Altemar fez boleros da mesma forma que Raul Seixas fez rock, e pegou o gênero no seu tempo e contexto, e seu repertório, embora cause estranheza, está de acordo com a sofisticação do estilo observada no repertório do Trio Los Panchos.

Já o "moderno" Bell Marques era influenciado por Odair José e Amado Batista no seu pseudo-tropicalismo axézeiro, depois que empastelou o Chiclete Com Banana que Missinho fundou com talento e simplicidade. O prepotente Bell ainda tentou contornar uma crise comprando a imprensa e gravando Sullivan & Massadas, mas teve que sair do grupo e começar carreira solo.

Ser brega é, além de ser culturalmente caricato, ser sempre o "último a saber". De Waldick Soriano a MC Guimê (clone cafona do Eminem que exagerou nas tatuagens e hoje mais parece um palhaço), o que se viu foi uma longa e gigantesca linhagem de canastrões musicais pegando carona em modismos que haviam passado ou que encerram seu processo de apogeu.

A parasitagem musical dos bregas envolveu tudo: serestas, boleros, modas de viola, rock dos anos 60, samba-reggae, frevo, baião, MPB dos anos 70, disco music, sambalanço, música eletrônica etc etc etc. Todo mundo comprando passagem para embarcar no trem que já foi embora.

E isso inclui tanto aquela geração de neo-bregas (Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, Zezé di Camargo & Luciano, Belo, Daniel, Leonardo, Ivete Sangalo etc) que foi fazer arremedo de MPB bem à maneira daquela MPB pasteurizada dos anos 80, num desempenho vergonhoso que só deslumbra os incautos que não conhecem a MPB a não ser pelo contexto bebum do consumo de couvert artístico.

Um pouco antes, o hoje tido como "sofisticado" Michael Sullivan quis comandar um mercado de "música brasileira" baseado nos pastiches que ele queria impor de música norte-americana, a partir de valores que, naqueles idos de 1985-1989 estavam defasados em quase duas décadas, incluindo a risível evocação do inexpressivo Johnny Rivers em "Whisky a Go-go", sucesso do Roupa Nova.

Hoje até alguns nomes do "moderno" cenário atual, como Valesca Popozuda, MC Naldo, MC Guimê Anitta, Lucas Lucco, Luan Santana, MC Ludmila, Mumuzinho e outros que apenas traduzem, com uma defasagem de dez ou quinze anos, o cenário hit-parade dos EUA. O mesmo com os "veteranos" Claudia Leitte, Victor e Léo, Gaby Amarantos e Thiaguinho.

Daí não fazer sentido que se veja o brega como "vanguarda". Seria como colocar lanternas de automóvel no lugar de faróis de caminhão. Não há como creditar uma missão futurista para uma "cultura" que, em vez de olhar para frente, olha para baixo e para trás.

Daí o fracasso do discurso da intelectualidade "bacana", que não conseguiu por muito tempo nos acusar de "preconceituosos". Foi preciso muito argumento para desmascarar esses intelectuais, mas o tempo deu seu parecer: a cultura brasileira nunca vai para a frente com um quadro de ídolos musicais que só ficam olhando para trás.

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