Ontem morreram o vocalista do grupo inglês Prodigy, Keith Flint, e o ator estadunidense Luke Perry.
Com idades próximas, respectivamente 50 e 53 incompletos, Flint e Perry, embora muito diferentes, tiveram em comum o envolvimento com a cultura dos anos 1990.
Eles se somam a um elenco de mortos precoces que se ascenderam na década, indo de Kurt Cobain a Brittany Murphy e de Bradley Nowell (Sublime) a Dolores O'Riordan.
A década de 1990 nos EUA e Grã-Bretanha (no caso de Dolores, a Irlanda é culturalmente "conurbada" com o Reino Unido) foi muito diferente da do Brasil.
O Brasil assimilou tardiamente o hedonismo debiloide e cafona que marcou os EUA na década de 1980 e que continua valendo até hoje, com revivais de uma década que não acabou, através do saudosismo artificial trazido pela novela Verão 90.
Nos EUA e Grã-Bretanha, a década noventista foi uma década de ressaca, marcada pelo niilismo do grunge e pela tristeza do brit pop, espécie de "primo rico" mas menos criativo dos shoegazers.
Foi uma década estranha, mas muito diferente da brasileira.
Tivemos estilos por vezes inovadores, como a electronic body music e o shoegazer, até agora subestimado movimento de rock alternativo britânico, cujo maior ícone foi o Ride.
Tivemos também a tristeza que contagiou nomes como Radiohead e Oasis, que fez até o Blur colocar sessão de cordas na melancólica "The Universal", e o R. E. M. também pegou carona, nos EUA, nesse clima, gravando mais músicas lentas, entre as quais "Everybody Hurts".
Tivemos, em contrapartida, a alegria do poppy punk de Green Day, Offspring e outros e, que, na carona, veio, em parte, com o Supergrass na música "Alright".
Tivemos também a banalização do estereótipo alternativo, que se tornou mainstream e, visualmente, contagiou até os Backstreet Boys.
O mundo estava "fechado para balanço" nos anos 90, o que não significou inércia, mas uma postura de "pausa" para as festas como haviam sido feitas na década anterior.
E aí tivemos tantos nomes como Nirvana, Soundgarden, Sublime, Blind Melon, Alice In Chains, Stone Temple Pilots e até Cranberries, de alguma forma simbolizados pela tragédia.
Na música eletrônica, as tragédias simbolizaram, de uma forma ou de outra, grupos como Shamen e KLF, e, agora, o Prodigy.
No entretenimento teen, tivemos a comédia estudantil As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless).
Tendo como casal romântico interpretado por Alicia Silverstone e Paul Rudd, o filme teve também o ator de Scrubs, Donald Faison, e a saudosa delicinha Brittany Murphy, que os Tears For Fears, mais tarde, bem apropriadamente escolheram para encenar o clipe "Closest Thing to Heaven".
Nos seriados, tivemos a série adolescente Barrados no Baile (Beverly Hills 90210), cujo nome da versão brasileira foi infeliz.
O seriado começou mais cômico, mas depois ficou dramático, mas, em todo caso, antecipou Friends no que se refere a seriados icônicos envolvendo grupos de jovens amigos.
Nos últimos tempos, Beverly Hills 90210 esteve associado a dois dramas: o câncer de Shannen Doherty e, agora, a morte de Luke Perry, efeitos de um passado com álcool e drogas.
Shannen fez uma delicada quimioterapia, que foi bem sucedida, mas ela eventualmente faz exames médicos para avaliar seu estado de saúde.
Luke se recuperou, mas havia sofrido um acidente vascular cerebral que o matou ontem.
Ele estava atuando no seriado Riverdale e prometia novos voos em sua carreira. Uma nova versão de Beverly Hills 90210 com os atores da série original está em planejamento, mas Luke não está mais vivo para aproveitar essa oportunidade.
Esse clima melancólico dos anos 90 dos EUA e Grã-Bretanha é muito diferente do clima brasileiro na mesma década.
Lá fora, o consumismo financeiro e emocional era reavaliado e, de certa forma, questionado.
No Brasil, esse consumismo foi uma novidade da qual se prevalece até hoje, sem questionar.
Apesar do recente saudosismo fabricado pela Rede Globo, a década de 1990 nunca acabou, continuando até hoje.
Nenhum comunicado foi feito em 1999 dizendo que os anos 90 acabaram, mesmo em se tratando de fim de década, de século e de milênio.
Em vez disso todo o oba-oba consumista seguiu-se em frente.
Mesmo as tragédias diversas, envolvendo Daniella Perez, Renato Russo, Chico Science, Leandro, João Paulo, Mamonas Assassinas e, mais tarde, MC Claudinho, só reforçaram a mediocrização que se tornou reinante e crescente dessa década em diante.
A música brega-popularesca cresceu de forma avassaladora que, no fim dos anos 1990, a MPB já havia perdido o protagonismo musical que havia conquistado três décadas antes.
E a mediocridade se deu de tal forma que um canastrão e criminoso, Guilherme de Pádua (curiosamente aniversariando, com 35 anos de diferença, no mesmo dia de Charles Manson), virou uma subcelebridade dos últimos tempos.
Lições amargas trazem a forma como estadunidenses e britânicos e, por associação, canadenses e irlandeses, viveram a década de 1990.
Eles refletiam sobre os excessos da década anterior. Muito diferente do hedonismo, quase sempre em tons pseudo-tropicalistas e em doses bolsomínions, que se tem no Brasil.
Luke Perry e Keith Flint morreram quando o Brasil, em festa, celebrava o totalitarismo carnavalesco e o saudosismo fabricado e pseudo-cult de É O Tchan, Bell Marques e similares, além do "tudismo" musical e lúdico da onipresente Ivete Sangalo.
Aqui no Brasil é só Carnaval. Vai ver que as cinzas só ocorrerão mesmo lá no exterior, apesar do cenário sombrio do nosso país atualmente.
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