Pular para o conteúdo principal

VÃO "GUEVARIZAR" O BONDE DO TIGRÃO?


A declaração de Zeca Dirceu contra o ministro bolsonarista Paulo Guedes, chamando-o de "tchutchuca de uma turma mais privilegiada", abriu um sinal amarelo.

Afinal, toda vez que tem uma crise política no governo plutocrático, o "funk" começa a ser acionado, como o Cabo Anselmo da situação.

É uma espécie de "circo da provocatividade" que se equipara, no âmbito da esquerda, o que as trapalhadas dos ministros de Jair Bolsonaro , sobretudo Damares Alves, Ernesto Araújo e Ricardo Veléz Rodriguez, estão para a direita.

Se bem que até o "sério" Sérgio Moro, tecnocrático como Paulo Guedes, veio com seus erros de pronúncia.

Depois que Sérgio chamou o Estado de Massachusetts (EUA) de "massachutes", ele veio com a pronúncia de "cônjuge" como "conje".

Virou piada e Sérgio Moro ganhou um pejorativo "título de nobreza" de "conje de Massachutes".

Mas voltando ao "funk", o ritmo nunca foi esquerdista, por mais que sua narrativa se apropriasse, com assustadora habilidade, de clichês do discurso militante de esquerda.

Que essa retórica é trabalhada desde 2005, quando o "funk" já estava consagrado pela mídia venal e precisava fazer proselitismo na mídia de esquerda - o que contribuiu para a derrubada da revista Caros Amigos e o fim da versão impressa da Fórum, pela reação do público - , isso é verdade.

Mas não se imaginava que a "guevarização" envolvesse um nome que estava sendo incluído na lista de baixarias midiáticas por intelectuais sérios e renomados, o Bonde do Tigrão.

Vindo de um cenário funqueiro de 1997-2002 que revelou SD Boyz, Vanessa Pikachu e o falecido MC Paulão (de "Ah, Eu Tô Maluco"), o Bonde do Tigrão simbolizava a imbecilização social que preocupava a intelectualidade da época.

Estávamos na véspera do patrulhamento da intelectualidade "bacana" que surgiu pouco depois, mais precisamente a partir de 2003.

Não que iniciativas de blindagem brega-popularesca não tenham existido antes de 2003.

Em 2001, Bia Abramo escreveu o texto "O funk e a juventude pobre carioca", no qual adota uma linguagem um tanto hidrófoba em favor do gênero (que glamouriza a pobreza e a ignorância humana), mesmo num contexto "de esquerda".

Só que, por acidente, ela acendeu o fogo amigo e esculhambou as profissionais de enfermagem, que fazem parte das classes trabalhadoras, mas foram incluídas no "horror moralista" classificado pela filha de Perseu Abramo, "contaminada" de abordagens liberais dos grupos Folha e Abril.

Isso porque ela preferiu defender a Enfermeira do Funk, sem perceber que a personagem foi empresariada por ninguém menos que Alexandre Frota, que nunca fingiu ser de esquerda e hoje é um deputado bolsonarista.

Naquela época dois livros que blindavam a bregalização e são suspeitos de serem patrocinados pela Fundação Ford (ONG ligada à CIA), Eu Não Sou Cachorro Não, de Paulo César Araújo, e Que Tchan é Esse, de Mônica Neves Leme, estavam, respectivamente, em divulgação e elaboração.

Cinco anos antes de Bia Abramo, o antropólogo baiano Milton Moura escreveu um texto porralouca, "Esses Pagodes Impertinentes...", para o periódico Textos de Cultura e Comunicação.

O texto de Milton Moura, desprovido de bases científicas e se valendo do prestígio do autor, blindava o "pagodão" de É O Tchan e derivados, sendo um precursor das pregações da intelectualidade "bacana" brasileira.

O "funk" de 1997-2002 - do qual o último ícone foi Claudinho & Buchecha, cujo remanescente, o segundo membro do nome da dupla, apoiou Bolsonaro em 2018 - não tinha arroubos de pretenso esquerdismo.

Não havia "candidatos" a Cabo Anselmo como MC Leonardo (apadrinhado pelo cineasta-coxinha José Padilha), Bruno Ramos (que reproduz o jeito enfezado-vitimista do ex-sargento da Marinha) e Rômulo Costa (amigo de Luciano Huck e de políticos e jornalistas anti-petistas).

Além disso, era mais escancarado o apoio de figuras como os próprios Luciano Huck e Alexandre Frota ao "funk", que naquela época não tinha o Partido dos Trabalhadores no Governo Federal para bajulá-lo em troca de verbas da Lei Rouanet.

Apesar de tudo isso, o perigo do Bonde do Tigrão, com sua letra machista, ser "guevarizado" em mais um contexto de crise do bolsonarismo, é muito grande.

Há setores das esquerdas que ainda ficam complacentes com a imbecilização cultural do "funk" e pegam carona no surrado misto de vitimismo e papo-cabeça em prol do "combate ao preconceito" e da "expressão das periferias".

Não entendo como esse discurso tão surrado e que repete feito disco riscado sem trazer argumentação relevante persiste a todo momento.

O "funk" é especialista em desviar as esquerdas de assuntos mais relevantes. Daí a habilidade similar a de Cabo Anselmo, um dos pioneiros em desvirtuar causas identitárias para enganar as esquerdas.

O grande risco disso tudo é que, enquanto as esquerdas se desentendem diante da validade ou não do "funk", a reforma da Previdência Social siga em frente.

As esquerdas, ingenuamente, vão protegendo o "funk", enquanto as classes trabalhadoras serão condenadas a pagar a previdência privada para obter "um mínimo de aposentadoria", talvez os prometidos R$ 400.

Infelizmente, as esquerdas também tem seus momentos de tchutchucas, diante dos tigrões da direita.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BRASIL QUER SER POTÊNCIA COM VIRALATISMO

A "CONQUISTA DO MUNDO" DO BRASIL COMO "POTÊNCIA" É APENAS EXPRESSÃO DE UMA ELITE QUE SE SENTE NO AUGE DO PODER, A BURGUESIA ILUSTRADA. A vitória de uma equipe de ginástica rítmica que se apresentou ao som da tenebrosa canção "Evidências", composição do bolsonarista José Augusto consagrada pela dupla canastrona Chitãozinho & Xororó, mostra o espírito do tempo de um Brasil que, um século depois, vive à sua maneira os "anos loucos" ( roaring twenties ) vividos pelos EUA nos anos 1920. É o contexto em que as redes sociais espalham o rumor de que o Brasil já se tornou "potência mundial" e se "encontra agora entre os países desenvolvidos", sinalizando a suposta decadência do império dos EUA. Essa narrativa, própria de um conto de fadas, já está iludindo muita gente boa e se compara ao mito da "nova classe média" do governo Dilma Rousseff. A histeria coletiva em torno do presidente Lula, que superestima o episódio do ta...

TEM BRASILEIRO INVESTINDO NO MITO MICHAEL JACKSON

Já prevenimos que o cantor Michael Jackson, que teria feito 67 anos ontem, virou um estranho fenômeno "em alta" no Brasil, como se tivesse sido "ressuscitado" em solo brasileiro. Na verdade, o finado ídolo pop virou um hype  tão sem imaginação que a lembrança do astro se dá somente a sucessos requentados, como "Beat It", "Billie Jean" e "Thriller". Na verdade, essa reabilitação do Rei do Pop, válida somente em território brasileiro, onde o cantor é supervalorizado ao extremo, a ponto de inventar qualidades puramente fake  - como alegar que ele foi roqueiro, pesquisador cultural, ateu, ativista político etc - , é uma armação bem articulada tramada pela Faria Lima, sempre empenhada em ditar os valores culturais que temos que assimilar. De repente Michael Jackson começou a "aparecer" em tudo, não como um fantasma assombrando os cidadãos, mas como um personagem enfiado tendenciosamente em qualquer contexto, como numa estratégia de...

BEATITUDE VERGONHOSA… E ENVERGONHADA

A idolatria aos chamados “médiuns espíritas” - espécie de “sacerdotes” desse Catolicismo medieval redivivo que no Brasil tem o nome de Espiritismo - é um processo muito estranho. Uma beatitude rápida, de uns poucos minutos ou, se depender do caso, apenas um ou dois dias, manifesta nas redes sociais ou pelo impulso a algum evento da mídia empresarial, principalmente Globo e Folha, mas também refletindo em outros veículos amigos como Estadão, SBT, Band e Abril. Parece novela ruim esse culto à personalidade que blinda esses charlatães da fé dita “raciocinada” - uma ideia sem pé nem cabeça que pressupõe que dogmas religiosos teriam sido “avaliados, testados e aprovados” pela Ciência, por mais patéticos e sem lógica que esses dogmas sejam - , tamanho é o nível de fantasias e ilusões que cercam esses farsantes que exploram o sofrimento humano.  Os “médiuns” foram e são mil vezes mais traiçoeiros que os “bispos” neopentecostais, mas são absolvidos porque conseguem enganar todo mundo com u...

A MIRAGEM DO PROTAGONISMO MUNDIAL BRASILEIRO

A BURGUESIA ILUSTRADA BRASILEIRA ACHA QUE JÁ CONQUISTOU O MUNDO. Podem anotar. Isso parece bastante impossível de ocorrer, mas toda a chance do Brasil virar protagonista mundial, e hoje o país tenta essa façanha testando a coadjuvância no antagonismo político a Donald Trump, será uma grande miragem. Sei que muita gente achará este aviso um “terrível absurdo”, me acusando de fazer fake news ou “ter falta de amor a Deus”, mas eu penso nos fatos. Não faço jornalismo Cinderela, não estou aqui para escrever coisas agradáveis. Jornalismo não é a arte de noticiar o desejado, mas o que está acontecendo. O Brasil não tem condições de virar um país desenvolvido. Conforme foi lembrado aqui, o nosso país passou por retrocessos socioculturais extremos durante seis décadas. Não serão os milagres dos investimentos, a prosperidade e a sustentabilidade na Economia que irão trazer uma cultura melhor e, num estalo, fazer nosso país ter padrões mais elevados do que os países escandinavos, por exemplo....

MICHAEL JACKSON: O “NOVO ÍDOLO” DA FARIA LIMA?

MICHAEL JACKSON EM SUA DERRADEIRA APARIÇÃO, EM 24 DE JUNHO DE 2009. O viralatismo cultural enrustido, aquele que ultrapassa os limites do noticiário político que carateriza o “jornalismo da OTAN” - corrente de compreensão político-cultural, fundamentada num “culturalismo sem cultura”, que contamina as esquerdas médias abduzidas pela mídia patronal - , tem desses milagres.  O que a Faria Lima planeja em seus escritórios em Pinheiros e Itaim Bibi (nada contra esses bairros, eu particularmente gosto deles em si, só não curto as ricas elites da grana farta) acaba, com uma logística publicitária engenhosa, fazendo valer não só nas areias do Recreio dos Bandeirantes, mas também nos redutos descolados de Recife, Fortaleza e até Macapá. Vide, por exemplo, a gíria “balada”, jargão de jovens ricos da Faria Lima para uma rodada de drogas alucinógenas. Pois a “novidade” trazida pelos farialimeiros que moldam o comportamento da sociedade brasileira através da burguesia ilustrada, é a “ressurrei...

MÚSICA BREGA-POPULARESCA É UM PRODUTO, UMA MERA MERCADORIA

PROPAGANDA ENGANOSA - EVENTO NO TEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO EXPLORA A FALSA SOFISTICAÇÃO DO CONSTRANGEDOR SUCESSO "EVIDÊNCIAS", COM CHITÃOZINHO & XORORÓ. O Brasil tem o cacoete de gourmetizar modismos e tendências comerciais, como se fossem a oitava maravilha do mundo. Só mesmo em nosso país os produtores e empresários do entretenimento, quando conseguem entender a gramática de um fenômeno pop dos EUA e o reproduzem aqui - como, por exemplo, o Rouge como imitação das Spice Girls e o Maurício Manieri como um arremedo fraco de Rick Astley - , posam de “descobridores da roda”, num narcisismo risível mas preocupantemente arrogante. Daí que há um estigma de que nosso Brasil a música comercial se acha no luxo de se passar por “anti-comercial” usando como desculpa a memória afetiva do público. Mas não vamos nos iludir com essa mentira muito bem construída e muito bem apoiada nas redes sociais. Você ouve, por exemplo, o “pagode romântico”, e acha tudo lindo e amigável. Ouv...

AS DURAS LIÇÕES DA BOLÍVIA PARA O BRASIL

Na Bolívia, nos últimos anos, o esquerdista Evo Morales foi expulso do poder, a reacionária Janine Anez tomou o poder, depois ela encerrou o mandato e em seguida foi presa e o esquerdista mais do que moderado Luís Arce presidiu o país em seguida. E, agora, é a direita que disputa o segundo turno no nosso vizinho, com os políticos Rodrigo Paz, ex-senador, e Jorge Quiroga, ex-presidente, concorrendo à Presidência da República boliviana. São duras lições para o Brasil e um único parágrafo é bastante para descrever o caso da Bolívia num texto que serve mais para o Brasil. Afinal, o governo Lula fracassou no que se refere ao seu projeto político e não convenceram os “recordes históricos” do chamado “Efeito Lula” porque eles eram fáceis, fantásticos e imediatos demais para serem realidade. Devemos insistir que não dá para fazer reconstrução em clima de festa e, muito menos, sem canteiro de obras. Colheita sem plantação? Com o chefe da nação fora do país? E olha que Lula tem um poder de certa...

LULA VIROU O CANDIDATO DA ELITE “LEGAL” QUE CONTROLA AS REDES

JOVENS DESPERDIÇANDO SEU DIREITO DE ESCOLHA APOSTANDO NA "DEMOCRACIA DE UM HOMEM SÓ" DE LULA. Um levantamento do Índice Datrix dos Presidenciáveis divulgou dados de agosto último, apontando a liderança do presidente Lula no engajamento das redes sociais. Lula teve um aumento de 55% em relação a julho e ocupa o primeiro lugar, com 24,39 pontos. Já Michelle Bolsonaro, um dos nomes da direita brasileira, cai 53%< estando com 18,80 pontos. Ciro Gomes foi um dos que mais cresceram, indo do sexto para o segundo lugar (verificar os pontos). Lula tornou-se o candidato predileto da “nação Instagram/Tik Tok”. Virou o político preferido da elite “legal” que domina as narrativas nas redes sociais. E isso acontece num contexto bastante complicado em que uma parcela abastada da sociedade aposta em Lula como fiador de um desejo insano de dominar o mundo. Vemos começar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de envolvimento em um plano de golpe junto a outros militares. E te...