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ED MOTTA ATACOU O HIP HOP, QUANDO DEVERIA CRITICAR SÓ O TRAP


Numa de suas laives nas redes sociais, o músico Ed Motta resolveu mais uma vez fazer seus ataques musicais. Desta vez, a vítima é o hip hop, que sofreu críticas violentas do cantor, que disparou a seguinte declaração:

"Qualquer um que ouve hip hop é burro. Qualquer um... qualquer um... Sem exceção".

Ed Motta resolveu criticar também o humorista Rafinha Bastos que, com todos os aspectos criticáveis, foi atacado de forma equivocada, por gostar de hip hop. Disse Ed: "Outro dia, eu vi um trecho de uma entrevista desse bobalhão desse Rafinha Bastos: 'Ah, porque hip hop é o tipo de música que eu mais gosto de ouvir'. O cara é um imbecil".

Antes de fazer esse comentário, Ed Motta iniciou sua laive com a seguinte declaração: "Eu não sou branco, p****. Eu sou preto, mas eu represento o que a raça tem de mais sofisticado". Ele acrescentou que "pessoas inteligentes" ouvem jazz e música clássica e, mesmo reconhecendo o engajamento político do Public Enemy e seu líder Flavor Flav, considera o som "muito chato".

A declaração causou uma repercussão bastante negativa. Um internauta lembrou que Ed Motta havia comentado, em outra ocasião, de que todo fã de hip hop "deveria ser preso". A sambista e parlamentar Lecy Brandão também se indignou e chamou o sobrinho de Tim Maia de "elitista".

O hip hop é marcado pela origem ligada às populações negras e pobres, mas em parte também a latinos e descendentes de judeus nos EUA. Nomes como Grandmaster Flash e Sugarhill Gang são os pioneiros do hip hop que conhecemos, mas, em 1940, um admirável precedente foi a música "Noah", do grupo vocal de spirituals The Jubalaires, quando o vocalista principal arriscou um rap.

Ao longo do tempo, nomes como Beastie Boys, LL Cool J, Public Enemy, Niggers With Attitude e outros mostraram a criatividade do hip hop, com vocais ágeis, letras não raro improvisadas e a base sonora de um DJ manejando o disco de vinil, seja para fazer um scratch, seja para tocar a música de fundo, geralmente uma canção previamente gravada por um intérprete "convencional".

No Brasil, os maiores representantes do hip hop são Thaíde e DJ Hum e Racionais MC's, e a força do estilo brasileiro teve um dado peculiar, embora favorecido pelo fenômeno de massa Gabriel O Pensador, um rapper talentoso mas de classe média da Zona Sul carioca. Afinal, durante muitos anos, "rap" era o nome que se dava ao "funk carioca", causando discriminação no hip hop, e teve que haver uma ajuda de um rapagão de elite para abrir as portas para o verdadeiro rap que é a parte vocal do hip hop.

Infelizmente, no fim dos anos 1990, o gangsta rap se preocupou mais em glamourizar a violência e o alpinismo financeiro e, sonoramente, perder aquela criatividade vocal original para fazer um vocal mais preguiçoso, sem agilidade musical e, não raro, robotizado. Eu costumava apelidar o rapper Lil'Waine de "Lil'Ney Tunes" por causa do som robotizado de sua voz, que parecia ter "voz de Pernalonga". Em outros tempos, o saudoso Mel Blanc fazia o mesmo, só que com sua própria voz.

Em 2007, veio o subproduto desse gangsta rap, o trap, a partir de um tal DJ Paul. Cerca de quinze anos depois, o trap foi franqueado pela cena do "funk ostentação" de São Paulo, e aí sim vemos a precarização sonora gritante, com vozes robotizadas e batida com som de lata de ervilha. Chego a comentar que, com tantos MC's com voz robotizada, o trap brasileiro "tem mais robô do que feira de tecnologia de Tóquio".

No contexto da música brega-popularesca, o trap segue o embalo dos mesmos sucessos popularescos que viram mania entre o grande público durante seis meses e envelhecem mal depois disso, soando antiquadas e terrivelmente datadas. E isso se reflete até na nostalgia de araque de Michael Sullivan, Bell Marques, É O Tchan e Chitãozinho & Xororó, cujos sucessos cheiram a mofo tóxico de tão ultrapassados.

Querendo generalizar as coisas, Ed Motta foi infeliz em atacar o hip hop. Se ele atacasse apenas o trap, ele continuaria repercutindo mal, mas dos males o menor. Afinal, o hip hop brasileiro, a julgar pelo exemplo conscientizado de Mano Brown (que, por ironia, já participou de uma apresentação com Ed), um sujeito que honra sua origem negra e pobre, difere muito do trap, cujos MC's se preocupam mais em enriquecer às custas de seu discurso hipócrita, e depois do sucesso acumulam bens de luxo como mansões, carros sofisticados, lanchas e jatinhos.

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