Além da gíria “balada” - uma gíria que é uma droga, tanto no sentido literal como no sentido figurado - , outra gíria estúpida com pretensões de ser “acima dos tempos e das tribos” é “galera”, uma expressão que chega a complicar até a nossa língua coloquial.
A origem da palavra “galera” está no pavimento principal de um navio. Em seguida, tornou-se um termo ligado à tripulação de um navio, geralmente gente que, entre outras atividades, faz a faxina no convés.
Em seguida, o termo passou a ser adotado pelo jornalismo esportivo porque o formato dos estádios se assemelhava ao de navios. A expressão passou a ser usada, também no jornalismo esportivo, para definir o conjunto de torcedores de futebol, sendo praticamente sinônimo de “torcida”.
Depois o termo passou a ser usado pelo vocabulário bicho-grilo brasileiro, numa época em que havia, também, as sessões de cinema mostrando notícias do futebol pelo Canal 100 e também a espetacularização dos campeonatos regionais de futebol que preparavam os brasileiros para a catarse do Tri em 1970.
Só no Brasil para misturar futebol e cultura jovem, atingindo até mesmo os hippies de ocasião, que ouviam Jovem Guarda nos anos 1960 e depois, no começo da década seguinte, copiavam o figurino hippie que viram no musical teatral Hair, e mais tarde viraram pessoas destinadas à mais confortável caretice.
Em seguida, a gíria "galera" se disseminou como uma palavra pretensamente substituta à expressão "turma", primeiramente no coloquial dos programas infanto-juvenis. Em seguida, passou a ser uma expressão pretensamente "universal", que na novilíngua da Faria Lima, aquela difundida pela grande mídia e que se espalha facilmente entre o grande público, acabou por complicar as coisas.
Assim como "balada" foi usada para substituir ideias díspares como uma festa numa boate, um jantar entre amigos e uma apresentação de um DJ, cumprindo a norma da novilíngua do livro 1984 de George Orwell de empobrecer o vocabulário criando uma palavra para vários sinônimos, a palavra "galera" seguiu o mesmo caminho, tornando o vocabulário coloquial até mais complicado do que poema parnasiano.
Dessa forma, em vez de investirmos na diversidade simplificada de falar "equipe", "família", "turma" e similares, o uso da palavra "galera" complica seriamente o vocabulário na medida em que se fala "galera lá de casa", "galera do trabalho", "galera da escola", "galera da viagem" etc. Até para escrever mensagens no X (antigo Twitter) fica difícil, com tamanho desperdício de letras.
A gíria "galera" virou um jargão populista, no pior sentido do termo, e deu margem até a hipocrisia. Nos tempos do Domingão do Faustão da Rede Globo, o apresentador Fausto Silva não passava um minuto sem falar a palavra "galera". No cotidiano e nas redes sociais, víamos pessoas que diziam odiar o Faustão falarem a gíria "galera" com a mesma frequência do apresentador. Parece aquela coisa de fulano odiar o professor e amar seus ensinamentos, ou então aquela mania dos internautas de dizerem "odeio tudo que eu amo".
E aí, com esse jargão da Faria Lima que é a gíria "galera" tendo como origem a denominação de tripulação de navio, fico imaginando que bons faxineiros de convés não dariam essas pessoas que adoram falar "galera" o tempo todo. É pegar na vassoura, no pano de limpeza e escovar o chão com espuma. Se a "galera" ficar irada é só lavar as bocas com sabão.
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