A burguesia ilustrada, a elite do bom atraso que se fantasia de gente simples para ficar bem na foto, adora uma música brega, através da qual despejam seus “generosos” preconceitos - supostamente “desprovidos de qualquer tipo de preconceito - , reviveu os tempos em que a intelectualidade pró-brega saiu das tocas da Globo e da Folha para tentar converter as editorias culturais da mídia de esquerda à visão pessoal de Otávio Frias Filho.
A revista Fórum, um dos veículos da mídia impressa de esquerda dos anos 2000 e 2010, fez uma lista das “dez melhores músicas brega de todos os tempos”, um título pretensioso bem nos moldes do antigo “combate ao preconceito” que em parte contribuiu para o golpe político de 2016. O periódico já encalhou em março de 2010, quando colocou a cantora de tecnobrega, Gaby Amarantos, na capa.
A matéria de Julinho Bittencourt mostrou os mesmos clichês do sentimentalismo piegas que o discurso da sociedade burguesa, com seus juízos de valor, atribui ao povo pobre como um suposto remédio para suas frustrações pessoais. Diz Julinho no seu etnocentrismo bem no agrado da elite descolada do Alto de Pinheiros:
"Elas são irresistíveis. Por mais que se diga preferir Chico Buarque, Tom Jobim ou Milton Nascimento, em um momento ou outro da vida o ouvinte sempre se entrega. São canções derramadas, que não têm vergonha nem medo da paixão e muito menos do sofrimento. São as canções brega.
O termo, apesar de já ter sido usado de forma pejorativa, hoje é celebrado como parte importante da cultura popular brasileira. Vários cantores e compositores são festejados com orgulho como reis do brega. Entre eles Reginaldo Rossi, Amado Batista, Odair José, Wando, Waldick Soriano e, é claro, o rei Roberto Carlos".
Fórum tornou-se, mais do que a Caros Amigos, que faliu, e a Carta Capital, o reduto da burguesia positiva que havia lido muito a Folha de São Paulo nos anos 1980. Fórum é a expressão de setores da classe média abastada que, vinculadas inicialmente ao PSDB, passaram a se autoproclamar “de esquerda” para obter vantagens sociais e esse extrato social foi o que mais se comprometeu com os “brinquedos culturais” que a direita moderada ofereceu para setores da centro-esquerda, que passaram a ver o Brasil como uma extensão das novelas das 21 horas da Rede Globo.
A música brega romântica original e outros ritmos da música brega-popularesca são tendências marcadas prlo caráter analgésico que soa muito estranho, tal qual um peixe fora da água, numa pauta realmente esquerdista. Mas nossas esquerdas são pequeno-burguesas que se formaram no culturalismo televisivo da ditadura militar, daí os “brinquedos culturais”, ou seja, valores da direita moderada assimilados pelo imaginário das esquerdas médias.
Recentemente, numa loja de doces no bairro do Butantã, em São Paulo, funcionárias estavam animadas ouvindo o repertório do É O Tchan, conjunto marcado pela positividade tóxica. É sempre a idiotização cultural usando como pretexto a falácia do “prazer sem culpa”, como se a liberdade e o prazer humanos fossem coisas próprias de imbecis.
É esta tese que a Fórum utiliza para falar das “melhores canções” do brega. Aliás, é forçar muito a barra dizer que são “as melhores músicas de todos os tempos”. Menos pretensioso seria classificar como “as músicas brega mais lembradas”. Afinal, o brega sempre foi marcado por canções toscas e muito ruins, pastiches tardios do pop comercial estadunidense que se tornou obsoleto no momento em que estes arremedos musicais começaram a virar moda.
Vale lembrar que o brega nada tem de espontâneo nem de artístico. É tão comercial quanto o Banco Safra, por exemplo, e vive de um poderoso lobby envolvendo executivos de rádio, TV e gravadoras. E a música brega nada tem de subversiva, alternativa, vanguardista nem revolucionária, pois se trata apenas de uma linha de montagem musical feita a partir de uma interpretação bairrista de fórmulas obsoletas de sucessos musicais, assimiladas depois que deixaram de ser moda no país de origem.
Nesse sentido o brega tem muito a ver com a lógica da ditadura militar que a patrocinou. Isso porque a música cafona segue a metodologia dos ministros do general Castelo Branco, o do Planejamento, Roberto Campos - o avô do ex-presidente do Banco Central, do mesmo nome - e o da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões. A política deles é usar matéria prima obsoleta vinda de fora para incrementar a indústria no Brasil.
Da mesma forma, a música brega segue este raciocínio: desenvolver uma suposta cultura popular a partir de matéria prima obsoleta, ou seja, as tendências musicais estrangeiras fora de moda, mas "aproveitáveis" comercialmente no Brasil. Isso já desmente o caráter falsamente vanguardista que a música brega carrega por parte de uma burguesia intelectual metida a "gente simples", e que domina suas narrativas etnocêntricas nas redes sociais.
Essa elite intelectual se acha "mais povo que o povo", mas no fundo não passa de uma burguesia convicta que se disfarça com seus trajes informais para ludibriar a opinião pública. O povo não se sente enganado com isso. Afinal, é a burguesia ilustrada que adora ouvir uma canção bem brega.
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