Pular para o conteúdo principal

SOLTEIRAS, MEDIOCRIDADE E APROPRIAÇÃO CULTURAL

SAMBABACA, PARÓDIA DO SAMBREGA FEITA PELOS HUMORISTAS DO CASSETA & PLANETA.

O Brasil é um péssimo país para pessoas solteiras.

País solteirófobo, culturalmente trata a vida de solteiro de maneira pejorativa, como se homens e mulheres que decidissem pela solteirice fossem uns grandes idiotas.

Há desde a ideologia pseudo-positiva do hedonismo irresponsável até a figura aberrante dos incels, que mesmo as esquerdas investem com vergonhoso desrespeito.

Basta ter mais de 30 anos e continuar vivendo com os pais e abominando bebida alcoólica para ser considerado "violento" e "terrorista", enquanto ninguém se dá conta do "piadista do bar" que corresponde à quase totalidade dos feminicidas brasileiros.

Quanto à mulher solteira, a visão "positivamente" preconceituosa a define como vagabunda, que só quer saber de sexo ou festa, ou é uma fanática por religião ou futebol.

Numa sociedade, como a brasileira, em que o essencial é montar uma Arca de Noé social e formar casais para que se obtenha um reconhecimento social menos humilhante, a mulher solteira é uma "alienada" e uma "inútil".

A narrativa tenta abafar, falando em "liberdade" - num país em que essa palavra virou pretexto para a "boa sociedade" pedir a ditadura militar, em 1964, e o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016 - , mas a visão é completamente pejorativa.

Daí que a imagem da mulher solteira é tão pejorativa, subordinada à mediocridade cultural, que a solteirice é vista como uma vergonha para as mulheres que querem obter alguma emancipação social.

E temos então um contraste surreal: a mulher que precisa estar casada é a que mais fica solteira, por conta de sua impulsividade, e a mulher que poderia estar solteira é a que mais fica casada, se emancipando sob a discreta sombra de um marido poderoso.

Na sociedade pós-moderna, há uma parcela de mulheres casadas que pode viver seus "momentos de solteira", enquanto seu casamento-margarina se sustenta com o marido rebaixado a um "colega de quarto" ou a um parceiro para as encenações conjugais das festas de gala.

Em contrapartida, a mulher solteira brasileira transforma liberdade em lixo. Tem péssimo gosto musical, se apega demais a bobagens, às vezes é beata religiosa ou fanática por futebol, neste caso uma maria-chuteira às avessas, cismando em procurar namorados que não curtam futebol.

As solteiras brasileiras são escravas de seu próprio masoquismo cultural, muito menos livre do que parece (se é que isso pode ser considerado "livre"), por ser algo difundido pela mídia venal e pelo mercado neoliberal associado.

Quando leem livros, alternam, entre um ou outro clássico correto da literatura brasileira e, às vezes, estrangeira, aos deploráveis livros "espíritas", literatura fake de baixo valor intelectual e cercada de moralismo religioso medieval. 

A obra da moda é um tal de Paulo e Estêvão, ficção não-assumida e cheia de constrangedores erros históricos. 

Aliás, é recente e estranhamente tendenciosa a moda das "solteiras espiritualizadas", celibatárias que, suspeita-se, estejam a serviço da religião do Espiritismo brasileiro (leia-se Catolicismo medieval de botox).

Mas a moda das solteiras brasileiras, hoje, também é curtir o suposto "samba de boa qualidade", aqui um processo mal disfarçado de apropriação cultural.

Afinal, essas "rodas de samba" são apenas arremedos do que ocorre nas favelas e nos subúrbios com mais vigor e autenticidade. 

"Sambas" sem alma, por mais que pareçam bem tocados à primeira vista, puxados por ídolos do "pagode romântico" que não sabem a diferença entre um jongo e um lundu, entre um partido alto e um maracatu.

Os "sambinhas" que as solteiras brasileiras ouvem em restaurantes e bares são eventos feitos por encomenda, a exemplo de DJs que animam festinhas infanto-juvenis.

São pastiches de apresentações de sambas, em que o repertório é quase sempre o mesmo: alguns sambas corretos (como "Vou Festejar", de Jorge Aragão, consagrado por Beth Carvalho), sucessos do chamado "pagode romântico" e alguns covers de Tim Maia cantados em ritmo sambista.

No repertório, inclui-se até mesmo estranhezas como "Separação", do ídolo brega (e bolsonarista) José Augusto, consagrado pela cantora Simone numa fase comercial não muito boa e que rendeu até piadas sobre um disco natalino.

Ou então há a inclusão fácil de um samba musicalmente correto, mas muito machista e de certo modo racista, "Dança do Bole-Bole", marcada pela sutil objetificação do corpo de uma imaginária mulher negra que rebola para atender ao prazer de grotescos machões bêbados de cerveja nos bares da vida.

E tem-se também sucessos fáceis do sambrega politicamente correto (aquele que soa pastiche de samba autêntico), como "Eu Te Quero Só pra Mim", do Revelação, e "Se Ela Não Tem Dono", do Exaltasamba, em alta rotação no masoquismo auditivo das solteiras brasileiras.

As solteiras brasileiras se apropriam culturalmente desse ritual dos "pagodes", "churrascos" e "batuques" de fins de semana, que se tornam eventos de classe média, com as elites brincando de "festas de fundo de quintal" em seus condomínios confortáveis.

E dá pena ver que as mulheres negras são depreciadas como objetos sexuais do mercado carnavalesco para turista ver, enquanto mocinhas brancas com pinta de europeias brincam de serem "negras" rebolando a "dança do bole-bole" cheias de pileque por tanta cerveja.

Fico lembrando dos tempos em que o "pagode romântico", ritmo acolhido por essas solteiras culturalmente masoquistas, era mais criticado, seja por programas como Piores Clipes do Mundo, da MTV, seja por atrações como o paródico Sambabaca, dos humoristas do Casseta & Planeta.

Hoje, época em que se passa pano em tudo, num cenário de verdadeira flanelização cultural, o "pagode romântico" é incluído entre as falsas relíquias "vintage" do pseudocult brasileiro, um "saudosismo de resultados" que faz os brasileiros "tomarem no cool" nas redes sociais.

E mais uma vez as mulheres solteiras se oferecem a um papel pejorativo a elas mesmas: em nome da "liberdade", se entregam ao alcoolismo social da cerveja e a um gosto musical ruim, sob a desculpa de serem supostamente solidárias ao povo pobre.

E isso acaba soando duplamente depreciativo. Seja para as solteiras, no seu masoquismo cultural, seja para os negros e pobres, mais uma vez escravizados a serviço de um entretenimento elitista, quando a classe média esconde seus preconceitos sob o som de violões, tambores, cavaquinhos e pandeiros.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESQUISISMO E RELATORISMO

As mais recentes queixas a respeito do governo Lula ficam por conta do “pesquisismo”, a mania de fazer avaliações precipitadas do atual mandato do presidente brasileiro, toda quinzena, por vários institutos amigos do petista. O pesquisismo são avaliações constantes, frequentes e que servem mais de propaganda do governo do que de diagnóstico. Pesquisas de avaliação a todo momento, em muitos casos antecipando prematuramente a reeleição de Lula, com projeções de concorrentes aqui e ali, indo de Michelle Bolsonaro a Ciro Gomes. Somente de um mês para cá, as supostas pesquisas de opinião apontavam queda de popularidade de Lula, e isso se deu porque os próprios institutos foram criticados por serem “chapa branca” e deles se foi cobrada alguma objetividade na abordagem, mesmo diante de métodos e processos de pesquisa bastante duvidosos. Mas temos também outro vício do governo Lula, que ninguém fala: o “relatorismo”. Chama-se de relatorismo essa mania de divulgar relatórios fantásticos sobre s...

BRASIL PASSOU POR SEIS DÉCADAS DE RETROCESSOS SOCIOCULTURAIS

ANTES RECONHECIDA COMO SÉRIO PROBLEMA HABITACIONAL, A FAVELA (NA FOTO, A ROCINHA NO RIO DE JANEIRO) TORNOU-SE OBJETO DA GLAMOURIZAÇÃO DA POBREZA FEITA PELAS ELITES INTELECTUAIS BRASILEIRAS. A ideia, desagradável para muitos, de que o Brasil não tem condições para se tornar um país desenvolvido está na deterioração sociocultural que atingiu o Brasil a partir de 1964. O próprio fato de muitos brasileiros se sentirem mal acostumados com essa deterioração de valores não significa que possamos entrar no clube de países prósperos diante dessa resignação compartilhada por milhares de pessoas. Não existe essa tese de o Brasil primeiro chegar ao Primeiro Mundo e depois “arrumar a casa”, como também se tornou inútil gourmetizar a decadência cultural sob a desculpa de “combater o preconceito”. Botar a sujeira debaixo do tapete não limpa o ambiente. Nosso país discrimina o senso crítico, abrindo caminho para os “novos normais” que acumulamos, precarizando nosso cotidiano na medida em que nos resig...

“ROCK PADRÃO 89 FM” PERMITE CULTUAR BANDAS FICTÍCIAS COMO O VELVET SUNDOWN

Antes de irmos a este texto, um aviso. Esqueçamos os Archies e os Monkees, bandas de proveta que, no fundo, eram muito boas. Principalmente os Monkees, dos quais resta vivo o baterista e cantor Micky Dolenz, também dublador de desenhos animados da Hanna-Barbera (também função original de Mark Hamill, antes da saga Guerra nas Estrelas).  Essa parcela do suposto “rock de mentira” até que é admirável, despretensiosa e suas músicas são muito legais e bem feitas. E esqueçamos também o eclético grupo Gorillaz, influenciado por hip hop, dub e funk autêntico, porque na prática é um projeto solo de Damon Albarn, do Blur, com vários convidados. Aqui falaremos de bandas farsantes mesmo, sejam bandas de empresários da Faria Lima, como havíamos descrito antes, seja o recente fenômeno do Velvet Sundown, grupo de hard rock gerado totalmente pela Inteligência Artificial.  O Velvet Sundown é um quarteto imaginário que foi gerado pela combinação de algoritmos que produziram todos os elementos d...

“GALERA”: OUTRA GÍRIA BEM AO GOSTO DA FARIA LIMA

Além da gíria “balada” - uma gíria que é uma droga, tanto no sentido literal como no sentido figurado - , outra gíria estúpida com pretensões de ser “acima dos tempos e das tribos” é “galera”, uma expressão que chega a complicar até a nossa língua coloquial. A origem da palavra “galera” está no pavimento principal de um navio. Em seguida, tornou-se um termo ligado à tripulação de um navio, geralmente gente que, entre outras atividades, faz a faxina no convés. Em seguida, o termo passou a ser adotado pelo jornalismo esportivo porque o formato dos estádios se assemelhava ao de navios. A expressão passou a ser usada, também no jornalismo esportivo, para definir o conjunto de torcedores de futebol, sendo praticamente sinônimo de “torcida”. Depois o termo passou a ser usado pelo vocabulário bicho-grilo brasileiro, numa época em que havia, também, as sessões de cinema mostrando notícias do futebol pelo Canal 100 e também a espetacularização dos campeonatos regionais de futebol que preparavam...

LULA DEVERIA SE APOSENTAR E DESISTIR DA REELEIÇÃO

Com o anúncio recente do ator estadunidense Michael Douglas de que iria se aposentar, com quase 81 anos de idade, eu fico imaginando se não seria a hora do presidente Lula também parar. O marido de Catherine Zeta-Jones ainda está na sua boa saúde física e mental, melhor do que Lula, mas o astro do filme Dia de Fúria (Falling Down) , de 1993, decidiu que só vai voltar a atuar se o roteiro do filme valer realmente a pena  Lula, que apresenta sérios problemas de saúde, com suspeitas de estar enfrentando um câncer, enlouqueceu de vez. Sério. Persegue a consagração pessoal e pensa que o mundo é uma pequena esfera a seus pés. Seu governo parece brincadeira de criança e Lula dá sinais de senilidade quando, ao opinar, comete gafes grotescas. No fim da vida, o empresário e animador Sílvio Santos também cometeu gafes similares. Lula ao menos deveria saber a hora de parar. O atual mandato de Lula foi uma decepção sem fim. Lula apenas vive à sombra dos mandatos anteriores e transforma o seu at...

ATÉ PARECE BRIGUINHA DE ESCOLA

A guerra do tarifaço, o conflito fiscal movido pelo presidente dos EUA, Donald Trump, leva ao paroxismo a polarização política que aflige principalmente o Brasil e que acaba envolvendo algumas autoridades estrangeiras, diante desse cenário marcado por profundo sensacionalismo ideológico. Com o "ativismo de resultados" pop das esquerdas woke  sequestrando a agenda esquerdista, refém do vício procrastinador das esquerdas médias, que deixam as verdadeiras rupturas para depois - vide a má vontade em protestar contra Michel Temer e Jair Bolsonaro, acreditando que as instituições, em si, iriam tirá-los de cena - , e agora esperam a escala 6x1 desgastar as mentes e os corpos das classes trabalhadoras para depois encerrar com essa triste rotina de trabalho. A procrastinação atinge tanto as esquerdas médias que contagiaram o Lula, ele mesmo pouco agindo no terceiro mandato, a não ser na produção de meros fatos políticos, tão tendenciosos que parecem mais factoides. Lula transforma seu...

NEM SEMPRE OS BACANINHAS TÊM RAZÃO

Nesta suposta recuperação da popularidade de Lula, alimentada pelo pesquisismo e sustentada pelos “pobres de novela” - a parcela “limpinha” de pessoas oriundas de subúrbios, roças e sertões - , o faz-de-conta é o que impera, com o lulismo se demonstrando um absolutismo marcado pela “democracia de um homem só”. Se impondo como candidato único, Lula quer exercer monopólio no jogo político, se recusando a aceitar que a democracia não está dentro dele, mas acima dele. Em um discurso recente, Lula demoniza os concorrentes, dizendo para a população “se preparar” porque “tem um monte de candidato na praça”. Tão “democrático”, o presidente Lula demoniza a concorrência, humilhando e depreciando os rivais. Os lulistas fazem o jogo sujo do valentonismo ( bullying ), agredindo e esnobando os outros, sem respeitar a diversidade democrática. Lula e seus seguidores deixam bem claro que o petista se acha dono da democracia. Não podemos ser reféns do lulismo. Lula decepcionou muito, mas não podemos ape...

A FALSA RECUPERAÇÃO DA POPULARIDADE DE LULA

LULA EMPOLGA A BURGUESIA FANTASIADA DE POVO QUE DITA AS NARRATIVAS NAS REDES SOCIAIS. O título faz ficar revoltado o negacionista factual, voando em nuvens de sonhos do lulismo nas redes sociais. Mas a verdade é que a aparente recuperação da popularidade de Lula foi somente uma jogada de marketing , sem reflexão na realidade concreta do povo brasileiro. A suposta pesquisa Atlas-Bloomberg apontou um crescimento para 49,7%, considerado a "melhor" aprovação do presidente desde outubro de 2024. Vamos questionar as coisas, saindo da euforia do pesquisismo. Em primeiro lugar, devemos pensar nas supostas pesquisas de opinião, levantamentos que parecem objetivos e técnicos e que juram trazer um recorte preciso da sociedade, com pequenas margens de erros. Alguém de fato foi entrevistado por alguma dessas pesquisas? Em segundo lugar, a motivação soa superficial, mais voltada ao espetáculo do que ao realismo. A recuperação da popularidade soa uma farsa por apenas envolver a bolha lulist...

RADIALISMO ROCK: FOMOS ENGANADOS DURANTE 35 ANOS!!

LOCUTORES MAURICINHOS, SEM VIVÊNCIA COM ROCK, DOMINAVAM A PROGRAMAÇÃO DAS DITAS "RÁDIOS ROCK" A PARTIR DOS ANOS 1990. Como o público jovem foi enganado durante três décadas e meia. A onda das “rádios rock” lançada no fim dos anos 1980 e fortalecida nos anos 1990 e 2000, não passou de um grande blefe, de uma grande conversa para búfalos e cavalos doidos dormirem. O que se vendeu durante muito tempo como “rádios rock” não passavam de rádios pop comuns e convencionais, que apenas selecionavam o que havia de rock nas paradas de sucesso e jogavam na programação diária. O estilo de locução, a linguagem e a mentalidade eram iguaizinhos a qualquer rádio que tocasse o mais tolo pop adolescente e o mais gosmento pop dançante. Só mudava o som que era tocado. Não adiantava boa parte dos locutores pop que atuavam nas “rádios rock” ficarem presos aos textos, como era inútil eles terem uma boa pronúncia de inglês. O ranço pop era notório e eles continuavam anunciando bandas como Pearl Jam e...

A CORTINA DE FUMAÇA DA "SOBERANIA" DO GOVERNO LULA

LULISTAS ALEGAM QUE O PRESIDENTE LULA "RECUPEROU" A POPULARIDADE, MAS OS FATOS DIZEM QUE NÃO. O triunfalismo cego dos lulistas teve mais um impulso diante dos tarifaços do presidente dos EUA, Donald Trump, que pelo jeito transferiu a sua esfera de reality show  para a polarização política. Lula, supostamente vitorioso no episódio, havia se reunido ontem com o empresariado para responder à medida lançada pelo empresário-presidente na pátria de Titio Samuca. Essa suposta vitória se deu pela campanha que os lulistas - que, na prática, são a maior e principal corrente dos movimentos identitários brasileiros - estão lançando, a partir do próprio Governo Federal, defendendo a "soberania" brasileira, em tese insubmissa aos EUA. Lula também anunciou a criação de dois comitês para reagir ao tarifaço do presidente estadunidense. Dizemos em tese, porque nosso culturalismo brasileiro - que vai além das pautas politicistas do "jornalismo da OTAN" - se vale por uma músi...