A decadente emissora Energia 97 FM se encanou em engrossar as fileiras do "Aemão de FM" ao investir nas chatíssimas transmissões esportivas, e acabou fazendo gol contra.
Um comentarista, Fábio Benedetti, o "Cheff", ao comentar a expulsão de campo do jogador Marinho, do Santos, durante a partida contra a Ponte Preta, fez um comentário racista, empolgado demais com as licenças do opinionismo que impera no "Aemão de FM" no Brasil.
"Eu vou falar assim: ‘Você é burro, você está na senzala, você vai sair do grupo uma semana para pensar sobre o que fez", disse Benedetti.
O locutor não ficou sem resposta. E, ainda que Marinho tenha feito uma falta que o fez sair de campo, não era para fazer um comentário racista, dentro da histeria que costuma ser a mídia esportiva brasileira.
Marinho chorou ao saber do comentário e chamou os racistas de "vermes", lamentando que a Justiça não os pune.
Estou vivendo em São Paulo e não vi uma mosca sequer ouvindo a Energia 97 FM. Talvez não tenha deparado com um desses "ouvintes de aluguel" que, em troca de brindes ou pagamento de contas, sintonizam essas FMs durante as transmissões esportivas.
Produtores de FM vão para bares, postos de gasolina, portarias de prédio, e oferecem presentes para quem sintonizar tal emissora em programas estratégicos, sobretudo jornadas esportivas, num espetáculo como o futebol, verdadeira arena de enriquecimento ilícito dos dirigentes esportivos.
Em Salvador, o "astro-rei" da Rádio Metrópole FM, Mário Kertèsz, quase morreu de infarto quando um esquema de jabaculê entre rádios FM e "cartolas" (os dirigentes) foi divulgado pela imprensa. O infarto soou acidentalmente como uma confissão.
O jabaculê entre futebol e FM é mais selvagem e tem mais grana envolvida do que o jabaculê musical, que mais parece brincadeira de criança inocente.
Rádios com baixíssima audiência anabolizam o Ibope de graça, negociando sintonias em estabelecimentos comerciais.
Assim, os estabelecimentos "emprestam" o número de fregueses para, artificialmente, se somar à audiência anoréxica das FMs que copiam o rádio AM (que está morrendo aos poucos, por imposição do coronelismo midiático e da telefonia móvel).
Dessa forma, se uma loja é frequentada diariamente por 50 mil pessoas, a rádio que só tem 25 ouvintes (sério!) toma emprestado esse número e passa a ter 50.025 ouvintes, artificialmente. Os anunciantes saem enganados com esse Ibope artificialmente anabolizado.
E o jabá (não confundir com mershandising) corre solto. Tudo em troca de pagamentos no fornecimento de cerveja, de conta de luz, celular novinho dado de presente, combustível para automóvel de Uber etc.
A Energia 97 seguiu essa fórmula do "Aemão" inspirada pela decadente Transamérica, que, por sorte, é de propriedade dos herdeiros do poderoso banqueiro Aloysio Faria.
A Transamérica não é sombra da rádio pop que foi nos anos 1980 e hoje se reduz a uma rádio de aluguel, com horários arrendados para DJs ou dirigentes esportivos.
A audiência da Transamérica é tão ruim que toda a sua rede de rádios têm, no seu todo, uma audiência inferior a de muita rádio comunitária com raio de atuação de 5 km².
É a fórmula decadente que também costura com a Jovem Pan, que foi o paradigma de rádios pop nos anos 1990. Uma fórmula que perece mais do que comida estragada deixada ao ar livre por seis meses.
E se a Transamérica, que chegou a apelar para a canastrice "roqueira" entre 1995 e 1996, hoje está na onda do paybola (trocadilho de payola, "jabá", com bola), a Energia 97 obriga o espaço que já foi de uma rádio autenticamente rock.
Só um lembrete: a Transamérica virou arremedo de "rádio rock" nessa época para deixar caminho aberto para a Jovem Pan firmar mercado.
A Jovem Pan estava se expandindo e investiu na atitude de risco de ter derrubado, no Rio de Janeiro, a histórica Fluminense FM (que não andava bem nas ondas, mas era um patrimônio dos roqueiros).
Daí que esse acordo incluiu também, no Rio, outras rádios pop como RPC FM, que virou a popularesca FM O Dia, e Rádio Cidade, que aproveitou a ciumeira que sempre teve com o carisma da Maldita para virar um pastiche grotesco de "rádio rock".
Quanto à 97, entre 1983 e 1994 estava no ar a histórica 97 Rock, rádio comandada por Leopoldo Rey (alvo de rumores de que teria virado coordenador da Transamérica, quando teria se limitado a fazer consultoria, mal aproveitada pelos produtores da rede).
A rádio tinha vários nomes, como Vitão Bonesso, Fernando Naporano, Valdir Montanari, o saudoso Kid Vinil, e foi a equivalente paulista da Flu FM, com programação rock de primeira.
A 97 Rock decaiu porque teve que concorrer com a canastrice eletrônica da 89 FM, hoje mais ouvida por pitboys e bolsomínions do que de roqueiros em geral, e se adaptar às demandas da MTV Brasil.
Não deu outra. A rádio, cujos artistas negros tocados - lembremos ao Benedetti, que não está mais na Energia 97 - foram, entre outros, o genial Jimi Hendrix e a ótima banda Living Colour, saiu do ar.
E aí Lélio Teixeira assume o comando da Energia 97, joga besteirol esportivo na programação (ainda não havia a transmissão de partidas), esculhamba os roqueiros para, depois, oportunista, vender o seu Na Geral para rádios de rock, como uma raposa pedindo desculpa às galinhas.
E aí vemos o quanto o rádio FM, hoje reduzido a um cassino de empresários de rádio, está decaindo vertiginosamente e perdendo audiência como areia escorrendo por um caminhão em trânsito.
Vivemos uma época em que o YouTube tem mais rock que as "rádios rock" e as transmissões esportivas em FM levam surra nas transmissões de futebol da TV por assinatura, sintonizada em tudo quanto é canto.
Por sorte, é uma concorrência amiga. As FMs não vão lamentar perderem ouvintes para emissoras de TV cujos donos são amigos dos donos das rádios, ou, em muitos casos, os donos são os mesmos (vide CBN/Sportv e Rádio e TV Bandeirantes).
O que vemos é que a Energia 97, que só não irradia apenas para os ventos porque tem a turma do "O Ibope sou eu" (que pela sintonia individual julgam que sua emissora preferida está "em alta"), vive uma grande decadência.
Decadência que se agravou com um comentário preconceituoso e revoltado de um locutor esportivo.
Daí essa histeria influir muito no fanatismo e na violência dos torcedores de futebol, motivados pelas pressões psicológicas da mídia esportiva. Que, no entanto, lava as mãos e se recusa a assumir sua responsabilidade pelas agressões das torcidas organizadas.
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