Pular para o conteúdo principal

MÚSICA BRASILEIRA E DIGNIDADE ARTÍSTICA


A ilusão de que um ídolo musical brega-popularesco irá se transformar num "grande nome da MPB" teve uma tentativa fracassada.

Foi no final dos anos 1990.

A geração de neo-bregas do "pagode romântico", "sertanejo" e outros ritmos popularescos foi convidada a fazer a tal "MPB de mentirinha".

Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, Belo, Harmonia do Samba, Leonardo, Daniel e Zezé di Camargo & Luciano foram alguns dos nomes envolvidos nessa empreitada.

Eles participaram de tributos musicais cantando covers de clássicos da MPB, na tentativa vã de obter um vínculo com os emepebistas.

Com um banho de loja, arranjos luxuosos e participação de instrumentistas talentosos, o resultado, todavia, não foi mais do que uma mera canastrice musical.

A imprensa especializada, que a partir dos anos 1990 deixou o senso crítico de lado para ficar passando pano nos nomes da moda, agiu com muita complacência, motivada pela boa-fé.

Numa tendência em que se confunde imparcialidade com aceitação de tudo, num meio em que a imprensa musical se acha na obsessão de agradar todo mundo, a canastrice dos ídolos neo-bregas fracassou em público, mas foi um relativo sucesso de crítica.

Há uma visão romântica nisso tudo. A ilusão de que o ídolo popularesco "está aprendendo" e que um dia se tornará "tão genial" quanto o emepebista de plantão.

Isso é uma ilusão porque o ídolo popularesco continua tão medíocre quanto antes.

E, além do mais, a "melhoria" de sua música se dá por conta de terceiros.

É o cover de MPB, pela razão de ser de um compositor mais talentoso.

É a atuação de arranjadores que embelezam a execução da canção. Há casos de obras autorais de ídolos popularescos que recebem uma intervenção do arranjador que, sem levar crédito, reformula a música que se torna falsamente sofisticada.

As pessoas ficam complacentes e até conformadas, porque, em tese, é uma criação coletiva que, aparentemente, nada tem de mais.

Até porque Chico Buarque não arranja suas próprias canções, o que faz com que muitos se iludam na comparação superficial aos popularescos.

Só que, no contexto dos ídolos popularescos, isso não passa de uma cosmética que, no âmbito visual, técnico e sonoro, apenas "melhora" na fachada a aparência, a música e as performances.

Essencialmente, a coisa continua tão ruim quanto nos tempos em que o ídolo popularesco era mais explicitamente brega.

Há vários relatos de ídolos popularescos que, em vez de se orgulharem do seu sucesso, bancam os coitadinhos sonhando em fazer parte "do primeiro time da MPB", como se Música Popular Brasileira fosse um esporte olímpico.

Por outro lado, os ídolos popularescos, sem se arrependerem dos erros que fizeram, tentam em vão mudar, se não o seu som, pelo menos a aparência formal do mesmo, assim como nas performances, no vestuário e no comportamento nos palcos.

Não há uma dignidade artística, havendo mais vitimismo e pretensão.

Os sujeitos que gravaram baixarias no começo da carreira - tipo "barata da vizinha" ou "namoro de xampu" etc - não se arrependem dessa fase e, ainda que pretendam fazer algo "diferente", não agem com dignidade artística.

Por que eles não decidiram ser emepebistas antes de começarem suas carreiras?

Primeiro, se expõem ao ridículo com seus primeiros sucessos musicais, para depois quererem ser levados a sério?

Fazer música, assim como se envolver com cultura em outras modalidades, simboliza assumir compromissos sócio-culturais que requerem um mínimo de compostura possível.

Com toda a imperfeição artístico-cultural, esse mínimo de compostura envolve uma série de posições que devam ter um mínimo de dignidade possível.

Há uma responsabilidade sócio-cultural a ser posta em jogo, e é difícil que nomes medíocres que, mesmo fazendo sucesso, demonstram-se constrangedores, deem a volta por cima e façam algo decente.

Não basta fazer uma coisa e depois fazer outra sem prestar contas nem dar satisfações.

Também não dá para o sujeito começar a fazer sucesso fazendo coisas ridículas e cafonas e depois se aventurar, sem ter tido escrúpulos nem remorsos, na MPB.

Como não dá para fazer trainée de MPB nos ídolos popularescos, pois isso se compara a um piloto de aviação fazendo treinamento enquanto conduz um avião de passageiros.

São raras as pessoas que realmente mudam, por elas possuírem uma autocrítica de verdade e uma capacidade de reavaliar corajosamente sua carreira.

Dizer é fácil, e há muitos que dizem "querer mudar de verdade" e só ficam forçando a barra, no desespero de recuperar o sucesso perdido, ainda que fingindo estar no lado oposto deste mesmo sucesso.

É como um Leandro Lehart da vida que, tão comercial quanto os serviços de um banco, queria se vender como pretenso artista alternativo.

Até o contexto não ajuda. Um cantor comercial bancar o "alternativo", apenas porque aceita "fracassar" em seus projetos musicais? Isso é forçar a barra, sem falar que o mercado também gosta de pretensos rebeldes.

O mercado não tem medo de cara feia e ultimamente está gostando muito de gente "malcriada" como Leandro Lehart. É ótimo para fortalecer o marketing e tornar o cantor-mercadoria mais vendável ao se vender como "antimercado".

Não há dignidade artística, porque aqui está a pretensão, o forçamento de barra, aquela coisa do tipo "um dia eu quero fazer algo, outro dia quero fazer outra coisa".

Por sorte, temos uma crítica musical hoje complacente, passadora de pano, procurando agulhas de MPB no palheiro da música brega-popularesca.

Mas a verdade é que os ídolos popularescos dificilmente alcançarão o nível de evolução artística que os equipare ou os deixe próximos a um emepebista.

As limitações do talento, o excesso de pretensão, a arrogância de certos cantores não aceitarem críticas e outros problemas são dificuldades que tornam difícil a melhoria de reputação.

Sem falar que esse alpinismo musical não traz resultados satisfatórios e, com todo o suposto esforço do ídolo popularesco em parecer emepebista, o resultado soa tão fraco que acaba se perdendo no desprezo dos tempos.

Ou seja, os ídolos popularescos cairão no esquecimento e suas tentativas em "parecer MPB" são muito fracas para garantir algum lugar na posteridade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

BRASIL NO APOGEU DO EGOÍSMO HUMANO

A "SOCIEDADE DO AMOR" E SEU APETITE VORAZ DE CONSUMIR O DINHEIRO EM EXCESSO QUE TEM. Nunca o egoísmo esteve tão em moda no Brasil. Pessoas com mão-de-vaca consumindo que nem loucos mas se recusando a ajudar o próximo. Poucos ajudam os miseráveis, poucos dão dinheiro para quem precisa. Muitos, porém, dizem não ter dinheiro para ajudar o próximo, e declaram isso com falsa gentileza, mal escondendo sua irritação. Mas são essas mesmas pessoas que têm muito dinheiro para comprar cigarros e cervejas, esses dois venenos cancerígenos que a "boa" sociedade consome em dimensões bíblicas, achando que vão viver até os 100 anos com essa verdadeira dieta do mal à base de muita nicotina e muito álcool. A dita "sociedade do amor", sem medo e sem amor, que é a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, está consumindo feito animais vorazes o que seus instintos veem como algo prazeroso. Pessoas transformadas em bichos, dominadas apenas por seus instin