Pular para o conteúdo principal

A BRUTAL AGRESSÃO A UM CONGOLÊS NOS FAZ PENSAR SOBRE OS TEMPOS ATUAIS

O CONGOLÊS MOÏSE KABAGAMBE FOI MORTO PORQUE EXIGIU PAGAMENTO DE SALÁRIO POR UM TRABALHO NUM QUIOSQUE.

O Rio de Janeiro paga o preço do seu pragmatismo, sofrendo uma decadência avassaladora.

A outrora "Paris dos trópicos" se encanou, a partir dos anos 1990, em viver a ilusão de "piorar para melhorar", como se os retrocessos de hoje pudessem garantir o progresso permanente no futuro.

Chegava-se ao ponto de haver linchamento digital dos valentões cariocas contra quem discordasse dessa ilusão pragmática dos "retrocessos necessários", do "perder hoje para ganhar mais amanhã".

Radialismo rock, feminismo, sistema de ônibus, ou mesmo o lazer - onde a antiga diversidade da vida carioca deu lugar à monocultura do futebol - , tudo isso estava no pacote de um Rio de Janeiro que "descia para subir".

E aí vimos que isso influiu no inconsciente coletivo, culturalmente precarizado, socialmente decadente e moralmente confuso.

Através desse pragmatismo, tivemos muitas coisas vergonhosas.

A ascensão do tráfico de drogas, da máfia dos banqueiros de bicho e das milícias envolveu organizações criminosas que surgiram por fins pragmáticos que, entre outras coisas, envolviam policiamento informal, loteria popular e "recreação" dos cariocas ricos.

O golpe político de 2016 e a ascensão de Jair Bolsonaro surgiram quando os cariocas apelaram para o país atender a fins pragmáticos de "moralidade, religiosidade e eficiência político-administrativa".

Tivemos a Rádio Cidade, emissora pop que vergonhosamente tentou ser um pastiche de rádio de rock, sob o objetivo, pragmático, de garantir a catarse emocional de jovens rebeldes sem causa.

Tivemos as mulheres-frutas, com o fim pragmático de uma "sensualidade" pronta para o consumo erótico de machões afoitos.

Tivemos os ônibus com visual padronizado, com o fim pragmático de uma "mobilidade urbana de resultados".

Tivemos o "funk" que atendia apenas a expectativas pragmáticas supostamente associadas ao povo pobre, como uma simbologia superficial da vida das favelas, difundida pela grande mídia.

E foi do Rio de Janeiro que veio o modismo das tatuagens, medida pragmática e preguiçosa das pessoas parecerem "diferentes" aos olhos dos outros, sem que possa parecer diferenciado na essência.

E é claro que todo esse pragmatismo fez do Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil e que já foi o reduto da Bossa Nova e de importantes movimentos literários brasileiros, sucumbir a uma decadência devastadora.

Isso embruteceu o povo carioca e refletiu negativamente na Baixada Fluminense, região cada vez mais violenta, São Gonçalo idem, e fez Niterói despencar para um provincianismo de fazer vergonha a um provinciano caipira perdido no interior do Pará.

E aí vemos, de vez em quando, trabalhadores sendo espancados por "cidadãos de bem" em áreas consideradas "chiques", como Ipanema, anos atrás, e Barra da Tijuca, no incidente recente que matou o congolês Moïse Kabagambe.

Para quem não sabe, em Ipanema, em novembro de 2015, o vendedor Fabiano Machado da Silva, de 33 anos, morreu linchado por um grupo de pessoas "mudérnas" porque discutiu com uma mulher que fazia parte da multidão.

É coisa que mais parece típica dessas cidades coronelistas do interior da Bahia, isoladas do resto do país. Mas é a Ipanema cultuada e transada e a violência foi praticada por gente considerada "atraente" e "admirável" nas redes sociais.

Na Barra da Tijuca, no último dia 24 de janeiro, o jovem Moïse Kabagambe apenas foi, de maneira simples e justa, pedir o pagamento de salários atrasados em dois dias (valor total de R$ 200) num quiosque no Posto 8, a poucos metros da Av. Ayrton Senna.

Moïse foi agredido por um grupo de homens e foi espancado até morrer. Natural do Congo, ele estava no Rio de Janeiro desde 2014 com a família, a mãe e os irmãos.

Um crime covarde e revoltante, ainda mais com a atitude cínica de um homem de 27 anos, com pinta de pitboy, chamado Aleson de Oliveira, primeiro a entregar à polícia. Até a edição do texto, outros dois também foram presos.

Num vídeo, Aleson expressou toda a sua hipocrisia politicamente correta. Disse ele na gravação:

"Eu sou um dos envolvidos na morte do congolês. Quero deixar bem claro que ninguém queria tirar a vida dele, ninguém quis fazer injustiça porque ele era negro ou alguém devia a ele. Ele teve um problema com um senhor do quiosque do lado, a gente foi defender o senhor e infelizmente aconteceu a fatalidade dele perder a vida".

Como "infelizmente aconteceu a fatalidade". Eles não podiam controlar os impulsos de ficarem batendo num inocente, negro e trabalhador, que apenas pedia o dinheiro para ele e sua família poderem viver?

Sabiamente, o filósofo e PhD em Direito, o negro Sílvio Almeida, já estava percebendo a hipocrisia que iria ocorrer quando fez o comentário no Twitter:

"Um homem negro foi assassinado quando reivindicava direitos trabalhistas e ainda há quem negue que racismo seja relação de poder e que tenha profundos laços com a economia. Certamente aparecerá algum inocente ou canalha (ou os dois) para dizer que ‘não foi racismo’".

Para piorar, o Posto 8 faz parte de um longo calçadão, entre o Recreio dos Bandeirantes e a Barra da Tijuca, frequentado por muitas pessoas durante o dia. E vários famosos também passam por lá.

E, enquanto o congolês agonizava, o quiosque continuou funcionando normalmente.

É triste ver o Rio de Janeiro cair nessa decadência, quando a violência passa a ser banalizada, ainda mais por motivos fúteis.

É claro que houve racismo e desejo de matar. Aleson declarou com hipocrisia, talvez com medo de pegar uma pena criminal mais rígida.

Mas se até a Folha de São Paulo, um dos panteões da "liberdade humana" dos hedonistas mileniais, consentiu que funcionários fizessem piadinhas racistas contra colegas negros terceirizados, a coisa é muito grave.

E tivemos o caso do grandioso cantor Jean William, tenor de música erudita, foi abordado por policiais armados num trajeto de carro entre Guarujá e Santos.

Fica minha solidariedade aos familiares de Moïse Kabagambe e profundo pesar sobre essa tragédia revoltante, que nos faz a pensar sobre muitas coisas.

Sobre a questão do racismo e da pobreza, problemas subestimados até mesmo pelas esquerdas identitárias.

Sobre o desprezo às questões trabalhistas, tidas como secundárias sem que sua complexidade seja reconhecida, tamanhas as promessas fáceis e as "fórmulas mágicas" (e paliativas) para combater o desemprego, a fome e a miséria.

Sobre o pragmatismo carioca, a "doutrina do piorar para melhorar", que tanto causou estragos, derrubando empresas de ônibus, golpeando a democracia brasileira, banalizando o machismo travestido de "feminismo" e fazendo o rock ceder espaço ao "sertanejo" antes boicotado pelos cariocas.

A morte de Moïse Kabagambe, por si só, envolve uma série de longos problemas que fazem do Estado do Rio de Janeiro um dos mais decadentes do Brasil.

Que a tragédia que atingiu esse honesto rapaz, muito querido em seu meio social, não fique impune.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BURGUESIA ILUSTRADA E SEU VIRALATISMO

ESSA É A "FELICIDADE" DA BURGUESIA ILUSTRADA. A burguesia ilustrada, que agora se faz de “progressista, democrática e de esquerda”, tenta esconder sua herança das velhas oligarquias das quais descendem. Acionam seus “isentões”, os negacionistas factuais, que atuam como valentões que brigam com os fatos. Precisam manter o faz-de-conta e se passar pela “mais moderna sociedade humana do planeta”, tendo agora o presidente Lula como fiador. A burguesia ilustrada vive sentimentos confusos. Está cheia de dinheiro, mas jura que é “pobre”, criando pretextos tão patéticos quanto pagar IPVA, fazer autoatendimento em certos postos de gasolina, se embriagar nas madrugadas e falar sempre de futebol. Isso fora os artifícios como falar português errado, quase sempre falando verbos no singular para os substantivos do plural. Ao mesmo tempo megalomaníaca e auto-depreciativa, a burguesia ilustrada criou o termo “gente como a gente” como uma forma caricata da simplicidade humana. É capaz de cele...

“COMBATE AO PRECONCEITO” TRAVOU A RENOVAÇÃO REAL DA MPB

O falecimento do cantor e compositor carioca Jards Macalé aos 82 anos, duas semanas após a de Lô Borges, mostra o quanto a MPB anda perdendo seus mestres um a um, sem que haja uma renovação artística que reúna talento e visibilidade. Macalé, que por sorte se apresentou em Belém, no Pará, no Festival Se Rasgum, em 2024. Jards foi escalado porque o convidado original, Tom Zé, não teve condições de tocar no evento. A apresentação de Macalé acabou sendo uma despedida, um dos últimos shows  do artista em sua vida. Belém é capital do Estado da Região Norte de domínio coronelista, fechado para a MPB - apesar da fama internacional dos mestres João Do ato e Billy Blanco - e impondo a música brega-popularesca, sobretudo forró-brega, breganejo e tecnobrega, como mercado único. A MPB que arrume um dueto com um ídolo popularesco de plantão para penetrar nesses locais. Jards, ao que tudo indica, não precisou de dueto com um popularesco de plantão, seja um piseiro ou um axezeiro, para tocar num f...

O ERRO QUE DENISE FRAGA COMETEU, NA BOA-FÉ

A atriz Denise Fraga, mesmo de maneira muito bem intencionada, cometeu um erro ao dar uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo para divulgar o filme Livros Restantes, dirigido por Márcia Paraíso, com estreia prevista para 11 de dezembro. Acreditando soar “moderna” e contemporânea, Denise, na melhor das intenções, cometeu um erro na boa-fé, por conta do uso de uma gíria. “As mulheres estão mais protagonistas das suas vidas. Antes esperavam que aos 60 você estivesse aposentando; hoje estamos indo para a balada com os filhos”. Denise acteditou que a gíria “balada” é uma expressão da geração Z, voltada a juventude contemporânea, o que é um sério equívoco sem saber, Denise cometeu um grave erro de citar uma gíria ligada ao uso de drogas alucinógenas por uma elite empresarial nos agitos noturnos dos anos 1990. A gíria “balada” virou o sinônimo do “vocabulário de poder” descrito pelo jornalista britânico Robert Fisk. Também simboliza a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell, no se...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...

JUVENTUDE DESCOLADA MOSTRA UM BRASIL DECADENTE SOB HEDONISMO TÓXICO

FARIA LIMA EM FESTA - JUVENTUDE WOKE  INDO "PRA BALADA" COM A BURGUESIA ILUSTRADA. Enquanto no exterior vemos atores e atrizes ligadas ao universo juvenil ouvindo rock clássico e música folk  e buscando hábito de leitura em livros, no Brasil o hedonismo tóxico é que impera e a juventude woke  parece atuar como um bando de marionetes do empresariado da Faria Lima. Nas conversas que eu ouço, o hedonismo viciado impera. Num dia, é o fanatismo pelo futebol. Noutro, é a adoração a ritmos popularescos, como piseiro, "pagode romântico", "funk" e sofrência. Em seguida, é uma tal de "ir pra balada", "balada LGBT", "balada isso, balada aquilo", usando e abusando desse jargão farialimer . Mais adiante, é falar sobre marcas de cerveja. Noutra, é exaltar aquele intervalo para fumar um cigarro. É esse o Brasil que está pronto para se tornar país desenvolvido? Que geração é essa que vai liderar o futuro da nação? Gente aderindo a um hedonism...