Depois de Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho, mais um trabalhador é morto em um suposto incidente.
Desta vez foi Hiago Macedo, um jovem de 21 anos que era vendedor de bala em Niterói.
Ele foi abordado, no começo da tarde de ontem, por um policial de folga, Carlos Arnaud Baldez, e numa suposta discussão, o jovem foi morto. Um homem que disse ter sido roubado por Hiago estava ao lado do PM, que, pouco depois, foi preso.
O crime ocorreu em plena luz do dia, na Praça Arariboia, em Niterói, um lugar por onde andei muito, às vezes nesse mesmo horário.
É certo que Hiago havia sido, quando era menor de idade, acusado de tentativa de homicídio, furto e lesão corporal. Mas ele estava cumprindo condicional e estava vivendo uma vida digna, com esposa, Taís Conceição de Oliveira, e uma filha de dois anos.
Nada justificava aquilo. Hiago cometeu crimes quando menor porque não havia oportunidades de vida para ele.
E quando ele tenta, aos poucos, aproveitar essa oportunidade, ainda que pela tarefa de vendedor de balas, que é difícil para arrumar dinheiro, ele é morto.
E justamente quando ele estava pensando em fazer uma festa de aniversário para a filha.
Depois de prestar depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, Taís, triste e revoltada, fez um desabafo assim que foi interrogada pela imprensa:
"Ele só desceu para trabalhar, como fazia todos os dias. Estava com uma caixa de balas na mão. Não sabia que hoje em dia a gente oferecer bala era um crime. A gente está só trabalhando. Se o ser humano não quer doce, é só não comprar. Um homem sacar uma arma e tirar a vida de um pai de família desnecessariamente? Em que mundo a gente está vivendo?".
O pior é que não se pode mais sair pelas ruas no começo da tarde em Niterói.
Já houve tiroteio no Rink, feminicídio no Plaza Shopping, assalto nas Lojas Americanas no Jardim Icaraí.
Quando morava em Niterói, até o começo do ano passado, eu costumava esperar 14h40 para sair, porque antes as ruas ficavam estranhamente perigosas.
APÓS O CRIME, POLICIAIS CERCAM A ÁREA, NA PRAÇA ARARIBOIA, CENTRO DE NITERÓI.
Niterói está passando por uma decadência que a chamada classe média que monopoliza o chamado "senso comum" não admite.
Prefeitos do grupo político de Rodrigo Neves e do atual Axel Grael são elogiados por nada. Neves é considerado um superprefeito por motivo nenhum, porque, realizações foram muito poucas.
Niterói virou vassala da cidade do Rio de Janeiro, e seu urbanismo é constrangedor, em que pesem relativos avanços, como o túnel Cafubá-Charitas e a ampliação da Av. Marquês do Paraná.
Mas há outras aberrações que persistem. Os horrendos parquiletes (parklets) que atrapalham a mobilidade urbana e só atendem a interesses de comerciantes, apesar de vender a falsa (e demagógica) imagem de "praças públicas".
E a falta de avenida de ligação entre Rio do Ouro e Várzea das Moças, apesar de haver um terrenão ocioso (provavelmente esperando ser ocupado pela especulação imobiliária e pelas milícias)?
Enquanto isso, a RJ-106, nesses bairros, mantém a humilhante condição de "avenida de bairro", complicando o tráfego de quem vai e vem de muito longe, na Região dos Lagos.
Mas até o motorista niteroiense sofre. Ele tem mais trabalho para se deslocar de Várzea das Moças para Rio do Ouro do que atravessar a fronteira do Brasil e do Paraguai.
Só que a burguesia niteroiense, com os olhos presos no Maracanã, na cidade vizinha, não quer saber dos problemas que ultrapassam os limites de seu solipsismo.
E temos uma periferia niteroiense, um grande número de pobres, tentando resolver alguma coisa na vida. Meu irmão já viu um morador de rua vestindo um uniforme de trabalho, pois era trabalhador assalariado mas não tinha dinheiro para sequer alugar uma moradia.
Hiago era um deles, e estava feliz em mudar de vida.
Mas a Niterói decadente, a dos ricos solipsistas que não entendem de mobilidade urbana e muito menos de justiça social e só tiram de letra as escalações dos times do Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo, maltrata os pobres, os negros e quem destoar do ideário elitista local.
Outro incidente terrível foi no último dia 09, no restaurante Mocellin, no bairro de São Francisco, onde fiz muitas caminhadas nos fins de semana. O Mocellin é conhecido de vista por mim.
Uma mulher negra de 43 anos deixou o filho de dois anos no espaço infantil do restaurante e, depois, uma menina branca de 10 anos foi implicar com o menino negro.
A mãe do menino advertiu a menina para encerrar a implicância, mas aí a menina chamou a mãe desta e um grupo de pessoas foi agredir verbal e fisicamente a negra, chamando-a de "macaca" e "piranha".
A negra teve que receber atendimento hospitalar, por conta das agressões, e, depois, foi dar depoimento à 79ª Delegacia de Polícia, em Jurujuba.
Que situação decadente, triste, da minha querida Niterói, de onde tive que sair ao ver que, nos últimos anos, sua situação passou a ser degradante.
É claro que isso é reflexo da decadência do Grande Rio como um todo, e recentemente um rapaz, morador do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro, foi detido por um policial, mesmo quando o jovem ia apenas para comprar pão para sua refeição da manhã.
São coisas que apenas só as elites solipsistas, se não ignoram em seu todo, subestimam, fazem vista grossa.
Enquanto isso, trabalhadores inocentes e desejando melhorar suas vidas são mortos por nada, como, recentemente, Moïse, Durval e Hiago, e, meses atrás, as Kathlen e Agatha da vida.
Se é inseguro andar pelas ruas de Niterói por volta de uma da tarde, mais perigoso é ser pobre nesta e em outras cidades do Grande Rio. Triste.
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