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A ONDA DO "VOTO ÚTIL" EM LULA

 
Não vou votar em Lula. Nem por alegações "plebiscitárias". Ando muito cético com sua figura política, depois que ele descumpriu três condições. Uma, por faltar ao realismo quando deseja reconstruir o Brasil fazendo clima de festa. Outra, por se aliar aos seus opositores, sem tomar cuidado com afinidades políticas. E, terceira, a de prometer fazer tudo sem perceber contextos adversos existentes.

Não dá para reconstruir o Brasil com clima de festa, como se, em vez de reconstruir um prédio em ruínas, se pensasse em fazer um palácio. Lula se aliou a seus opositores que divergem de pontos muito importantes de sua causa, como o fortalecimento do Estado e a cobrança de impostos aos mais ricos. E a situação distópica brasileira não permite que, em quatro anos, o Brasil se torne um país de Primeiro Mundo.

Lula foi uma personalidade valiosa até 2020. Até aquela época eu votaria em Lula. Hoje nem com súplicas. Isso porque o Brasil não se preveniu para a farsa do golpe político de 2016, não evitou a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e agora quer desfazer tudo de maneira fácil. Sei que é difícil, mas o Brasil tem que pagar caro por suas más escolhas. Antes tivesse escolhido até o insosso Álvaro Dias para presidente em 2018. Ou o João Amoedo, arroz-de-festa da direita moderada da época.

Desconfio muito dessa "onda Lula", que mais parece um fenômeno de contos de fadas. Sou de esquerda, penso nas causas trabalhistas, mas não voto em Lula porque ele está passando uma imagem de pelego, que quase ninguém percebe.

"Pelego" é uma expressão que, originalmente, remete a um assento de cavalo. Na linguagem do movimento sindical, "pelego" é aquele líder sindical que, indo negociar com os patrões para atender às reivindicações dos empregados, se corrompe. É como se os patrões "sentassem" no colo do líder sindical, lhe dando favores em troca da renúncia de muitas reivindicações. Em outras palavras, "pelego" é quando o líder sindical se submete aos interesses do patronato.

Presto muita atenção ao discurso de Lula e a muitas matérias a respeito dele. Observo o que ele diz e analiso friamente, sem o tom esperançoso de muitos lulistas que fazem do candidato petista o Papai Noel de gente grande.

Daí é que vejo uma tendência: de Lula prometer acelerar e frear ao mesmo tempo. O caso do teto de gastos públicos é um exemplo. Ao mesmo tempo que Lula deseja romper com o teto de gastos, ele depois fala como se desse a impressão de que também não gastará muito. A influência do vice Geraldo Alckmin sinaliza que Lula poderá recorrer à PPP (Parceria Público-Privada) para investimentos de interesse público.

Bolsonaro é, sim, uma ameaça ao país e o que ele causou foi uma grande destruição. Ele e seus seguidores violentos são um perigo para o país, sim. Recentemente, nos bastidores do debate para a corrida estadual para o Governo de São Paulo, a jornalista da TV Cultura, Vera Magalhães, foi xingada e agredida verbalmente pelo deputado bolsonarista Douglas Garcia, do PL paulista. É um ato terrível, um desrespeito que merece todo o repúdio do mundo, e mostra que os bolsonaristas têm um senso de respeito humano zero.

Antes de Jair Bolsonaro, Michel Temer também realizou seus estragos. As reservas financeiras do Brasil, incluindo recursos do FGTS, foram tendenciosamente liberadas para o povo sacar, para compensar as perdas de direitos trabalhistas e outros prejuízos. Mas o Brasil ficou sem a "poupança" que daria para construir moradias e investir em Educação e Saúde.

No entanto, será que um Lula domesticado pelos neoliberais, um candidato que não teve o cuidado de escolher gente de sua afinidade e usou as desculpas da "frente ampla" e da "democracia" para justificar a aliança aos seus opositores, vai resolver o problema?

Será que Lula, amarrado aos apóstolos do Estado Mínimo, vai fortalecer os atributos do Estado? Ou será que o "fortalecimento do Estado" é apenas um eufemismo para as poucas atividades estatais possíveis no neoliberalismo, como o socorro financeiro do BNDES, Caixa e Banco do Brasil para o empresariado, ou para ações de grife do PT como Bolsa Família, Fome Zero e Sistema de Cotas?

E como Lula vai cobrar impostos dos mais ricos, se são eles que ajudam o petista a ter vantagem na corrida presidencial? A lógica diz que não se agradece uma ajuda cobrando dinheiro daquele que ajudou, pois este já fez seu favor.

Acho muito exagero esse negócio do "voto útil", porque Lula poderia ter sido mais sutil e crescido aos poucos e sem se vender à direita neoliberal. Ele poderia ter aceito concorrer com a Terceira Via e similares e se sobressaído pelas ideias. Não se pede uma aliança puro-sangue, mas mesmo com alguém fora das esquerdas o vice poderia ter sido alguém com afinidade política, não um canastrão como Alckmin, que fala frases prontas e repetitivas como "Um bom governo não se faz com motociata".

Não acredito que o Brasil vá crescer com Lula. O problema é que o Brasil não tem povo de Primeiro Mundo, pois se trata de um povo que joga comida fora quando come nos restaurantes e joga lixo no chão das ruas. Que moral tem uma sociedade que deixa restos de comida em falar da "urgência" em eleger Lula no primeiro turno como "necessário para combater a fome dos brasileiros"?

E não é só isso. Culturalmente, é um povo "educado" pelo "milagre brasileiro". Temos um "senso comum" monopolizado por uma classe média que defende a bregalização cultural, o obscurantismo religioso travestido de "espiritualismo moderno", e que agora impõe um clima de positividade tóxica que discrimina o senso crítico, erroneamente confundido com manifestos de ódio.

Como o Brasil vai virar uma "Escandinávia dos trópicos" com gente assim? Com um cenário cultural pavoroso, que torna inútil qualquer fantasia em transformar um MC Créu da vida num Tom Jobim, só por uma questão de injeção de dinheiro ou aplicação de algum método ISO 9000.

Por isso mesmo é que, no meu ceticismo, não vou votar em Lula. Porque, na prática, votar em Lula é votar em Geraldo Alckmin, é apostar num projeto neoliberal que irá frear muito do projeto progressista que seria necessário para o povo brasileiro.

Lula só vai dar paliativos, mas vai cobrar impostos dos trabalhadores, aumentar a carga tributária. Ele não poderá cobrar impostos dos mais ricos, a não ser de quem tiver sido bolsonarista. Os ricos "democráticos", mesmo os que aplaudiram de pé os retrocessos de Michel Temer e em seguida "namoraram" Bolsonaro em 2018, continuarão na isenção fiscal e no seu rentismo de dimensões estratosféricas.

Daí que, para mim, essa conversa de "voto útil" para eleger Lula no primeiro turno é, para mim, inútil. Sinto muito. Os brasileiros deveriam ter evitado a ascensão do bolsonarismo.

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