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PÓS-MODERNISMO CULTURAL É UMA CULTURA CARETA?

TEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO, NA PRAÇA RAMOS DE AZEVEDO, ONDE OCORREU A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922.

O Modernismo, ou melhor, o Pós-Modernismo, se encaretou? O que se observa, nas declarações recentes do cantor e compositor Rogério Skylab contra o Rock Brasil, acusando seus artistas de serem "caretas", é que essa declaração é uma demonstração típica da Projeção Psicológica analisada pelo filósofo Sigmund Freud.

Renato Russo e Cazuza eram caretas? Não. Suas músicas exalam ainda um frescor muito forte. Vejo muita modernidade nas músicas da Legião Urbana, de Barão Vermelho com Cazuza e este em carreira solo. Tem muita música de axé-music da mesma época que soa mais mofada, careta e antiga. Bell Marques, Durval Lelys e Luís Caldas parecem presos em algum momento da década de 1970 e suas canções envelhecem muito mal, sendo hoje muito datadas.

Caretas são os músicos pós-modernos que sinalizam um flerte com a música brega-popularesca. Dá pena o ressentimento oculto de Skylab, creio que ele deve sentir alguma frustração em não ser o poeta visionário como foram os finados dois roqueiros. Rogério Skylab só consegue ser considerado "gênio" para uma panelinha de críticos que possuem também suas "vacas sagradas", como, por exemplo, Marilyn Manson, Kanye West e o superestimado Michael Jackson.

Skylab simboliza a crise do modernismo musical, do esvaziamento de sentido do que havia sido associado à excentricidade modernista ou pós-modernista, à provocatividade original que hoje se rebaixou a uma formalidade, e ao jogo de linguagem da poesia concreta que hoje só serve para inspirar nomenclaturas de estabelecimentos comerciais.

Passaram-se mais de cem anos da Semana de Arte Moderna - realizado no Teatro Municipal da Praça Ramos de Azevedo, aqui em São Paulo - e, daquela provocação original, daquela ousadia original, só restou as vaias da plateia. O palco se deteriorou, e hoje é compreensível o cansaço dos pós-modernistas artísticos, num contexto em que a ousadia do finado Hélio Oiticica deu lugar ao comercialismo plástico de Romero Brito e Vik Muniz.

Ver que, por baixo dos duetos com escola de samba e com a "bolha" de artistas "malditos", Rogério Skylab incluir um nome lamentável como Michael Sullivan, o ultracomercial compositor e produtor brega, é constrangedor. Nem a inclusão de Roberto Campos (o avô) nos primórdios do antigo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) ou a presença de Delfim Netto como colunista de Carta Capital causam tanto vexame.

Se render à bregalização musical é humilhante e constrangedor, embora a ordem social vigente, da elite do bom atraso que só credita como "viralatismo cultural" o que lhes é desagradável, seja favorável a essa postura, já marcada pelo vitimismo de seus defensores.

A música brega é o retrato do viralatismo cultural, e os ídolos cafonas mais antigos não podem jamais serem considerados vanguarda. Muito pelo contrário: eles são retaguarda, olham para trás e para baixo, com talento medíocre marcado pela debilidade vocal, pela precariedade artística e até pelos lamentos resignados de suas canções. Querer supor uma rebelião revolucionária a esse tipo de música é mais do que um contrasenso, é retrato da decadência intelectual do nosso país.

Quem fica glorificando a música cafona acaba se tornando careta. É esse pessoal que glorifica os ídolos cafonas do passado e a música popularesca das últimas décadas que perdeu o senso de modernidade, achando que um país culturalmente precarizado como o Brasil só será salvo pelo economicismo, na vã ilusão de acreditar que umas boas verbas estatais do Ministério da Cultura pudessem transformar um Waldick Soriano num Tom Jobim.

O espírito do tempo permite que esse pessoal careta que defende a bregalização musical se passe por "moderno". Mas já vimos esse filme entre 2002 e 2014, o tal "combate ao preconceito" descrito no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... (Amazon e Clube de Autores), e tudo resultou na desmobilização popular, no isolamento das forças progressistas e na abertura dos caminhos para o golpe de 2016. Será que vamos começar tudo de novo?
 

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