Pular para o conteúdo principal

NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS. MUITO MENOS DE PICANHA DE GADO ZEBU

JOVENS "AGRO" DO INTERIOR PAULISTA - O verdadeiro público-alvo do mito de "cidade barata" de Uberaba.

Devemos sempre desconfiar de muitas notícias veiculadas. Perguntar, indagar, exigir fundamento. Como jornalista, não tenho o compromisso de escrever textos agradáveis nem em narrar contos de fadas. Faço postagens programadas para serem publicadas de manhã, mesmo se eu escrever numa madrugada de um dia anterior, e por isso não sou obrigado a contar estorinhas para ninar marmanjões e marmanjonas.

Dito isso, ainda persistem certos mitos que, numa interpretação fragmentada dos fatos, fazem sentido e são vendidos como "verdades absolutas" por pessoas que aceitam tudo de bandeja. Vide a falácia de que Uberaba é "uma das cidades mais baratas do Brasil", mentira que não tem tamanho, e que é divulgada pela imprensa tendenciosa, muitas vezes através do "Ctrl+C/Ctrl+V" de uma mesma fonte, para atrair o turismo econômico e até religioso, pois a cidade mineira é reduto de um conhecido charlatão tido como "caridoso".

A lorota foi plantada quando Uberaba - que tem passagem de ônibus mais cara que Rio de Janeiro e São Paulo, o que complica nos passeios de quem quer conhecer ou morar na cidade do Triângulo Mineiro - passou por uma onda de promoções no comércio, nos padrões da black friday, quando pesquisadores de institutos estavam na cidade.

A farsa foi desmontada por nosso blogue com exclusividade. Afinal, como é que uma cidade conhecida pela pecuária, através da criação de gado zebu, espécie bovina mais cara do mundo, vai se tornar assim uma das quatro cidades mais baratas do Brasil? Isso soa tão sensacionalista quanto gritar na rua que a atriz Juliana Paes está "soltinha e querendo dar para todo mundo".

MENOR CUSTO... PARA QUEM, CARA PÁLIDA?

Recentemente, o discurso mudou um pouco e uma matéria publicada no jornal O Estado de Minas, mas já copiada em outras fontes, dá indícios a isso. Uberaba já não é mais a "quarta cidade mais barata", mas se mantém entre as cerca de dez mencionadas com "baixo custo-benefício" do Brasil. 

Os argumentos continuam sendo desprovidos de qualquer fundamentação, embora mencionem como "vantagens" as supostas oportunidades profissionais e educacionais (faculdades), além da moradia "barata". Vejamos:

"Uberaba, uma das maiores cidades de Minas Gerais, seduz pelo seu equilíbrio entre economia agrícola sólida e infraestrutura robusta. Com cerca de 300 mil habitantes, a cidade se constitui como uma alternativa atraente para estudantes e famílias, dada a presença de universidades e um mercado de trabalho abrangente. O custo acessível de vida e os serviços de qualidade fazem de Uberaba um lugar desejado para se estabelecer".

Realizando mais pesquisas a respeito dessas matérias, eu pude perceber a ênfase que tais argumentos mostram para o público, em itens que não necessariamente fazem uma cidade ser considerada realmente de baixo custo:

1) Mercado imobiliário;
2) Mercado de trabalho;
3) Infraestrutura urbana (bairros centrais e considerados "nobres" ou "quase nobres").

Se eu verifiquei que Uberaba tem a passagem de ônibus mais cara do que Rio de Janeiro e São Paulo, e que nem de joelhos o passageiro que quiser passear de ônibus na cidade mineira poderá conseguir do motorista autorização para viajar de graça, outros aspectos derrubam a atraente narrativa da "cidade barata".

Em primeiro lugar, vamos ao mercado imobiliário. Segundo dados de 2024, os imóveis mais baratos de Uberaba custam, em média, R$ 88 mil reais, mas tudo apartamentos de menos de 50 m², studios ou quitinetes. As incorporadoras tentam afirmar que são valores "abaixo do mercado", com taxas de condomínio de, em média, R$ 350.

O preço é o dobro mais caro do que os imóveis do padrão studio que eu tentei vender no Trinity, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, que estavam em torno de R$ 43 mil em 2023 o que, segundo o Índice Geral de Preços no Mercado (IGP-M), seria de R$ 46,5 mil em 2024. E estamos falando de um dos bairros mais caros da Zona Sul da capital paulista.

Quanto aos supermercados, a cidade de Uberaba apresenta padrões de preços "normais", aparentemente nem muito caro nem muito barato. As grandes redes, estaduais e nacionais, seguem o padrão de preços adotado pelas mesmas. A compra de alimentos, portanto, pesa nos bolsos dos consumidores como de qualquer capital brasileira com preços que tendem a ser relativamente caros. 

Portanto, não espere comprar, em Uberaba, um litro de leite longa-vida a R$ 2,99, azeite de oliva de 500 ml por R$ 15 e, muito menos, cinco quilos de picanha por R$ 19. Ir a um restaurante esperando comer um rodízio de picanha de gado zebu com preço de espetinho de rua é sonhar demais e levar um tombo da cama até doer nas costas.

E para que público serve todo esse discurso de "cidade barata"? É para o pé-rapado que não consegue ter um emprego? É para a costureira ou lavadeira que precisa trabalhar mais para obter um pouco mais de dinheiro? É para o sem-teto que precisa vender papelão para sobreviver? É para o operário de chão de fábrica que foi demitido num "programa de demissão voluntária"? É para o incel que, com mais de 40 anos, ainda vive com os pais e nunca consegue trabalho? E é para o camponês que acabou sendo expulso de uma fazenda porque seu dono trocou a mão-de-obra humana por máquinas agrícolas?

Com a máxima e segura certeza, não.

Não existe almoço grátis, muito menos de picanha de gado zebu. O público-alvo de Uberaba é o jovem adulto de classe média, entre 20 e 45 anos, integrante das boas famílias do interior de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, um público que já tem considerável poder aquisitivo e que, para ele, soam "verdadeiras" as alegações de que a cidade mineira oferece "preços mais baratos". Para quem acha aluguel de R$ 2 mil "barato", Uberaba é a cidade exata.

As pessoas convidadas a viver na cidade do Triângulo Mineiro são, portanto, pessoas de elite, com uma boa reserva financeira na conta bancária, e que, portanto, pode gastar as coisas "com menos custo", ou seja, nada muito barato, mas o suficiente para os padrões de consumo financeiro dessas elites. É um público que pode comprar automóvel e pagar a prestações e que, pelos seus padrões de ganho, muita coisa soa "barata", até um quilo de carne a R$ 60 e arroz e feijão a R$ 10.

É gente que ganha a partir de oito salários mínimos e possui reserva financeira de, pelo menos, R$ 200 mil. Portanto, trata-se de um público que a propaganda de Uberaba não vai divulgar, mas que é justamente o que a cidade mineira quer atrair. Um público simpatizante do agronegócio, que ouve música breganeja, que já possui um bom currículo profissional, que já está com a situação financeira próspera. É para eles que o mito da "cidade barata" se destina, pois, para quem está na pindaíba, Uberaba custa muito, muito caro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

O POVO POBRE VÊ EM LULA UM TRAIDOR

O POVO POBRE QUER UM BRASIL COM OS PÉS NO CHÃO, NÃO VOANDO SOBRE NUVENS. Não se pode fetichizar Lula e achar que ele, mesmo nos seus graves erros, sempre está certo. Do mesmo modo, é ilusório que Lula só possa somar apoio ao se aliar com a burguesia dita “democrática”. Em dado momento, Lula tem que abrir mão de muita coisa e é aí que, tentando agradar a todos, o presidente paga um preço muito caro. A queda de popularidade de Lula, registrada pelas supostas pesquisas de opinião, é só uma amostra leve de um fato aparentemente inesperado e impensável: a de que Lula está cada vez mais sendo repudiado pelo povo pobre que, carente de políticas públicas, buscou assistência das igrejas neopentecostais e até do crime organizado para ao menos tornar a miséria suportável. Lula se iludiu iniciando seu mandato em clima de festa. Perdido, só age quando pressionado pelas circunstâncias, tal qual um boneco de corda. E as classes trabalhadoras não aceitam fazer de Lula um soldadinho de chumbo, ter que ...

SERIADO ADOLESCÊNCIA PROBLEMATIZA O TERMO "INCEL"

Os nerds do passado perderam a nomenclatura que os definia, pois o termo “nerd” passou a ser usado para qualquer fanfarrão que curta quadrinhos, jogos eletrônicos (games, em portinglês) e seriados de TV. Até os valentões da escola, que humilhavam os antigos nerds a ponto de carregá-los para jogar na lata de lixo, hoje se autoproclamam “nerds”, bastando caprichar na linguagem aloprada e no humor grosseiro nas redes sociais. Até pouco tempo atrás, os antigos nerds, que não podiam ser mais nerds porque seus algozes se apropriavam do rótulo, viam num novo termo, “incel”, uma denominação alternativa diante da banalização do antigo nome. Hoje o termo “nerd” se volta mais para o rapagão boa vida e bem casado que tem preguiça de fazer a barba e de fazer dieta e exagera na comilança com cerveja. Mas aí o termo “incel” passou a ser associado a um neo-machismo de extrema-direita, criando atribuições negativas ao rapaz não atrativo que tem dificuldades para conquistar as mulheres. Reforçado por pr...

POR QUE O JORNALISMO ESTÁ DECAINDO?

As demissões de jornalistas experientes, ao lado do falecimento de vários outros, o enxugamento empresarial dos veículos de Comunicação e a substituição dos veteranos por jovens jornalistas sem uma vivência real e com difícil aprendizado sobre a realidade da vida, mostram o quanto o Jornalismo vive seu inferno astral, mesmo num contexto aparentemente "de democracia plena" em que vivemos hoje. A invasão de comediantes influenciadores digitais, não só no ramo da dramaturgia mas também no ramo do Jornalismo, sobretudo através da porta dos fundos (olhe o trocadilho) do cargo de "analista de redes sociais" (espécie de marketing  aplicado nessas mídias), mostra o quanto a missão de informar bem está declinando de maneira catastrófica (sim, é isso mesmo que estou escrevendo). A supremacia do showrnalismo  e a onda do "noticiário água com açúcar", temperada com um sensacionalismo light  que aposta em mentiras como definir a cidade DO Salvador, na Bahia, como ...

A OBSESSÃO DA ELITE DO BOM ATRASO EM DOMINAR O MUNDO

A sucessão de eventos de música estrangeira e a ênfase extrema ao entretenimento internacional, aliada à transformação do Brasil em um parque de diversões em forma de nação, combinando hedonismo frenético e consumismo pleno, dá sinal de quem realmente interessa ver o Brasil dominando o mundo, como um pretenso país desenvolvido. A elite do bom atraso, comandada pelos herdeiros e descendentes das velhas aristocracias historicamente opressoras, envolvidas desde o extermínio de indígenas e a escravização dos negros até a defesa do golpe militar de 1964 e de sua etapa radical do AI-5, tenta se configurar como a “classe social mais legal do planeta”. Ao perceberem o jeito “mão aberta” de Lula, os membros da velha burguesia mudaram de atitude, sem alterar seus princípios elitistas. Afinal, que maravilhoso é preservar a fortuna quase inteira para a diversão, enquanto se criam “coletivos culturais” para receber as verbas do Ministério da Cultura e, ainda por cima, tirar onda de pobrezinho nas r...

“EU ODEIO TUDO O QUE EU AMO”

As redes sociais se tornaram um paraíso da hipocrisia humana. Gente que quer parecer legal costuma se tornar mentiras de si própria. Usam nomes falsos, adotam posições ideológicas falsas, se passam por outras pessoas e exaltam virtudes e personalidades que não admirariam em situações normais. Até uma comunidade como, nos tempos do Orkut, a chamada Eu Odeio Hipocrisia foi a que mais tinha gente hipócrita. Hipócritas e mentirosos não são aqueles que dizem “Cuidado que eu minto! Eu sou hipócrita!”, mas aqueles que se passam por honestos e sinceros para enganar os mais ingênuos. Um hábito muito caraterístico dos hipócritas das redes sociais é dizer que odeiam aquilo que na verdade amam profundamente. O mito da Globolixo, por exemplo, é uma grande mentira montada por pessoas fanáticas pela Rede Globo só para dizer que “não são influenciadas” pela mídia. Essa mentira tem uns vinte anos mas só foi encampada pelos bolsonaristas de uns dez anos para cá, até porque eles são tietes da concorrente...

GÍRIA "BALADA": SÍMBOLO DO BRASIL HIPERMIDIATIZADO E HIPERMERCANTILIZADO DE HOJE

A persistência da gíria “balada’ no noticiário sério se torna um vício de linguagem tão tendencioso que perguntamos se alguém recebe por fora para publicar essa palavra que, no sentido de festa, deveria estar em desuso há mais de vinte anos.  O uso mais recente foi numa matéria do G1 sobre o Foster The People, na qual mencionou umas tais de “baladas indie”. A matéria está relacionada ao tema controverso de “Pumped Up Kids”, uma música com melodias alegremente vibrantes que escondem uma temática macabra. Hoje também o UOL, da Folha de São Paulo, braço midiático da Faria Lima, também veio com a pérola do vocabulário "giriátrico": "Em Barcelona, é possível frequentar a academia e a balada ao mesmo tempo". E mais uma vez a delirante mídia empresarial descontextualiza as coisas, inventando “baladas” em outros lugares e outras épocas, quando “balada”, no sentido de “festa”, só existe, ou melhor, só existiu uma: as festas de jovens riquinhos da Faria Lima, bairro nobre de ...

ELITE DO BOM ATRASO CRUZA OS BRAÇOS FELIZ COM LULA

A acomodação que faz os lulistas festejarem diante de Lula como presidente do Brasil é um fenômeno estranho, mas real. Apostar num idoso para conduzir sozinho o futuro do nosso país, confiando demais no que ele fizer e disser, mesmo quando, hoje, o petista fez concessões à direita moderada mais do que qualquer pelego sindical poderia fazer. O conformismo social, que se acentua sobretudo na juventude, agora submetida em maioria ao modismo woke, tornou-se tão grande que hoje o Brasil virou um parque de diversões para uma parcela da sociedade que se considera feliz. E todos dormindo tranquilos porque vovô Luís, com 80 anos aparentando 100, segundo os padrões de velhice de hoje, vai conduzir sozinho o nosso país. O mais triste é ver Lula, que chegou a ser uma figura admirável, se tornar tão dissimulado e sem autocrítica de hoje, desempenhando um papel constrangedor de mascote da Faria Lima, fingindo estar em treta com essa elite para ficar bem na foto. A luta da elite do bom atraso para ma...

MÚSICA POPULARESCA SEMPRE SOA VELHA E MOFADA

"DEIXA ACONTECER", DO GRUPO DE "PAGODE ROMÂNTICO" REVELAÇÃO, SOA QUASE TRÊS DÉCADAS MAIS ANTIGA DO QUE QUANDO FOI LANÇADA. Há poucos dias, o supervisor de uma equipe de telemarketing estava tocando no computador uma sequência de “pagode romântico” e, de repente, tocou “Deixa Acontecer” do grupo Revelação. Diante de todo repertório mofado de outras músicas, tive a sensação de que “Deixa Acontecer”, que é de 2001, parece um daqueles pastiches bregas do samba gravados por volta de 1974, apenas menos tosco do que o repertório do Raça Negra, também mais "antigo" do que parece. A título de comparação, as músicas de Cazuza soam sempre novas, e o cantor faleceu prematuramente há 35 anos. “O Nosso Amor a Gente Inventa”, por exemplo, mantém sempre o seu frescor. E ver que os sucessos da atual música brega-popularesca envelhecem, e mal, após seis meses de execução é estarrecedor. O trap que fazia sucesso em 2021 hoje já soa antigo e cheirando a bolor. “Macetando”, re...

LULA ESTÁ FICANDO REPETITIVO

Visando reverter sia queda de popularidade, o presidente Lula está se comportando como o cachorro que corre atrás do próprio rabo. Mesmo trocando o cpmando da Secretaria de Comunicação, substituindo Paulo Pimenta por Sidônio Palmeira, Lula persiste nos mesmos apelos, sem oferecer algo novo na propaganda do governo. As recentes atitudes de Lula, como sua viagem para o Japão e para o Vietnã, além dos comentários em relação às acusações de que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, estaria sendo aproveitadora nas viagens internacionais, dão sinal desse caráter repetitivo. No caso de Janja, aliás, Lula manteve seu hábito impulsivo de cometer gafes ao dizer que sua esposa “não nasceu para ser dona de casa” e que ela “vai onde ela quer”. A declaração irritou os lulistas de raiz e até o filho Luís Cláudio Lula da Silva, do casamento com Marisa Letícia, a falecida primeira-dama dos dois mandatos anteriores. Ex-operária, Marisa teria se tornado dona-de-casa assim que casou com o petista, ...