INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA.
A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos.
Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos, quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor.
Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro (Back to the Future) quanto a do ator estadunidense Bruce Willis, o que é duplamente dramático.
Com isso, sabemos que é menos um artista de MPB em atividade que temos. A MPB aumenta sua galeria de mortos. Tudo bem, é a vida, mas não dá para dizer que estamos num cenário de cultura musical excelente, quando a supremacia da música brega-popularesca já produziu até suas ondas nostálgicas, como se observa no brega-vintage que já elegeu "Evidências", com Chitãozinho & Xororó, como seu maior hino.
Enquanto a Faria Lima, com seus parceiros da indústria do entretenimento, mantém sua estratégia de multiplicação e consolidação dos ídolos musicais popularescos - favorecidos pela campanha "contra o preconceito" da intelectualidade "bacana" - , enquanto o legado da Bossa Nova, na verdade uma aula prática de Antropofagia Cultural modernista, era demonizado pela badalada intelligentzia que se tornou o think tank do período 2002-2016.
A MPB contemporânea virou uma cultura musical de bolhas. Tem apenas metade da visibilidade da chamada "MPB carneirinha" de nomes como Anavitória, Tiago Iorc, Melim e companhia, que já possuem 75% da visibilidade de um nome como Liniker, por exemplo.
Por isso, não dá para dizer que o Brasil vive "seu melhor cenário cultural de toda sua História" porque a visibilidade plena está sempre entre o que há de pior. A situação não resolve se, por exemplo, a filha de um advogado vira crooner numa festa de aniversário e faz tributo à Elis Regina, ou se aquele grande guitarrista de música instrumental tem seu concerto transmitido de madrugada por um canal de TV por assinatura.
Li uma entrevista de Dori Caymmi que ele lamentou a decadência da música brasileira. "Quando a música brasileira subiu no trio elétrico, ela dançou". O termo "dançou" deve ser entendido como no sentido negativo.
Mas aí me lembro de outras decadências, como o "funk" que glamourizava a pobreza e o "sertanejo" que não passava de uma tentativa caricata de tornar o country um "ritmo brasileiro". E aí me vêm à mente aquela pavorosa canção, "Clima de Rodeio", originalmente gravada por uma cantora chamada Jameyka e depois consagrada por Sandy & Júnior, com aquele refrão sem pé nem cabeça "Alô, galera de caubói, alô galera de peão...", alvo desse "saudosismo de resultados" do brega-vintage.
E temos também um documentário sobre o ídolo brega Odair José, supervalorizado pela elite "bacana" brasileira, quando, se ele tivesse nascido nos EUA e surgido no fim dos anos 1958, seria um dos inócuos cantores da safra que revelou Ricky Nelson, Bobby Darin e Pat Boone. Odair virou "subversivo" com letras inofensivas que fariam o grupo teen setentista The Osmonds parecer o Uriah Heep. Mas para quem acha "Xibom Bom Bom" e "Ilariê" grandes "canções de protesto", faz sentido para essa patota chamar Odair de "Bob Dylan da Central".
A crise da MPB atinge níveis catastróficos. Não há como minimizar ou relativizar isso, mesmo dentro de um otimismo solipsista dos que apoiam a MPB e não percebem, mesmo na sua boa-fé, de que só vive uma cultura de nicho, pois fora das adegas e dos apartamentos onde o público mais culto ouve música brasileira de qualidade, ela não existe.
Fica até difícil para um rapaz culto encontrar uma mulher que curta MPB para namorar. Ela existe, mas está casada com aquele empresário ou advogado almofadinha que "chegou primeiro". E aí o que sobra? As encalhadas fãs de brega-popularesco, algumas "também fãs de MPB" (mas aquela MPB que toca em trilhas de novelas, somente uns hits mais manjados)? Ou aquelas que até são "cultas" e parecem ouvir música boa, mas também leem a horrorosa "literatura espírita" do "médium da peruca" e suas ideias dignas do século 12?
Vemos então que a MPB anda perecendo, seus mestres saindo de cena, e poucos novos nomes aparecendo combinando grande talento com visibilidade. Daí a catástrofe em que vivemos, quando a música brega-popularesca, o "popular demais" patrocinado pelos grandes empresários e fazendeiros, já invadiu e tomou os espaços que eram da MPB autêntica.
E ver que, agora, é o mestre Milton Nascimento que, de maneira oficial e definitiva, saiu de cena é de partir o coração. Devemos repensar a cultura musical brasileira de maneira séria e realista, antes que ela desapareça de vez, pois a catástrofe já dá sinais de ocorrência, com breganejos aparecendo nas TVs educativas, ao passo que músicos instrumentais da genuína MPB aparecem na TV paga num horário em que até seus mais ardorosos fãs estão dormindo.
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