Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral.
No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram.
Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos.
Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incêndio suspeito numa instituição em Brasília. Brigas provocaram racha entre “centros espíritas” em Amaralina e Uruguai, bairros de Salvador, Bahia. Em Recife, Pernambuco, uma mulher foi assassinada depois de uma doutrinária numa casa “espírita”. E um homem teria se suicidado na sede da FEESP, no Centro de São Paulo.
E há também indícios de que um suposto “médium” baiano, que atua em fraudes envolvendo artes plásticas e, em suas doutrinárias, faz piadas contra gordinhos, sogras e falsas louras, seria primo de um conhecido político da direita estadual, dono de rádios e ligado à contravenção e ao latifúndio.
São coisas de arrepiar e poderiam mostrar mais bastidores se, diante da “seara espírita”, nossos jornalistas investigativos não decidissem trocar suas canetas e laptops pelas flanelas, a passar pano em “médiuns” picaretas. A coisa também seria desvendada se nossos semiólogos, capazes de enxergar bombas semióticas a mil léguas de distância, lá na Polônia ou nas Coreias, fizessem vista grossa para os paióis explosivos que essa religião obscurantista acumula, principalmente por parte do legado de um “médium” que atuou em Uberaba.
Aliás, vem do “médium da peruca”, pioneiro na literatura fake e um dos maiores apoiadores da ditadura militar, um caso horripilante que a mídia não quer que todos saibam.
Seu sobrinho Amauri iria ter as mesmas atividades do tio e estava usando o nome de Luís de Camões para produzir uma psicografake que prometeria a ascensão do Brasil como “pátria do Evangelho”, versão religiosa da supremacia mundial que a burguesia ilustrada deseja hoje para o nosso país. Isso ocorreu em meados da década de 1950.
Mas Amauri não queria participar dessa tarefa, não tinha a capacidade de fingir que estava recebendo mensagens dos mortos, e aí resolveu denunciar, em agosto de 1958. A revista Manchete, de 09 de agosto daquele ano, publicou uma matéria, assim como um periódico de minas gerais.
O que assusta é que Amauri recebeu ameaças de morte do “meio espírita”, normalmente conhecido pela suposta incapacidade de vingança. Isso está escrito na matéria de Manchete da referida data. E aí Amauri foi vítima de uma campanha caluniosa na qual faziam acusações infundadas contra o rapaz, de ter sido assaltante e alcoólatra.
As acusações eram tão patéticas, por virem de gente tão “fraterna”, que incluíram até a risível atribuição de Amauri ser “falsificador de dinheiro”, ou seja, desenhar um zero a mais para “alterar” a quantia numa nota de dinheiro. Foi essa acusação infundada que fez com que o negro George Floyd fosse assassinado pelo policial branco Derek Chauvin, nos EUA.
Amauri teria sido morto envenenado, em 1961, com 28 anos incompletos. O “movimento espírita” atribui o óbito ao alcoolismo, mas suspeita-se que um colaborador de um “centro espírita” teria fingido amizade com Amauri e, durante uma conversa em um bar, aproveitou a distração do rapaz para botar veneno na bebida dele.
O caso Amauri requer investigação. Mas nossos jornalistas investigativos agora trabalham com a flanela, aposentaram a caneta e o teclado da digitação. O caso, que favoreceu, mais uma vez, a impunidade do “médium da peruca”, faz o caso Flordelis, escândalo criminal ligado a seitas neopentecostais, parecer uma chanchada da Atlântida.
O “médium da peruca” não participou da morte do sobrinho, mas foi favorecido por essa possível “queima de arquivo” que abriu caminho para a compra do céu por um charlatão mineiro que, mesmo ultraconservador, conseguiu enganar até mesmo setores considerados avançados da nossa sociedade.
Em todo caso, só mesmo a elite do bom atraso para fazer com que uma religião como o Espiritismo brasileiro, o Catolicismo medieval de botox, seja tida como sem suspeitas e até associada a um amor. Só se for o amordaçar do sofrimento calado, um dos maiores mandamentos do abominável “médium da peruca”.
E aí o pobre Amauri se juntou a filósofos suicidas e agricultores famintos que desapareceram debaixo dos arquivos. E ainda há quem trate a memória curta como um patrimônio nacional.
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