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INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO



A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”.

É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil.

A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande.

Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões da revista Caras, quando esta publicação estava mais voltada para os granfinos do que para a multidão popularesca de hoje em dia.

Recentemente a Quem Acontece noticiou a presença, num evento de lançamento de um livro, da ex-paquita Bianca Rinaldi e seu marido vinte anos mais velho, o empresário Eduardo Menga, também pai da tenista Vanessa Menga. Eduardo é de uma geração born in the 50s que inclui o oftalmologista Almir Ghiaroni, marido da ex-modelo Geórgia Worthmann, o ginecologista Malcolm Montgomery, marido da atriz Carla Regina, e o publicitário Roberto Justus.

Destes, Menga e Ghiaroni são os mais sisudos e carregados no comportamento “adulto demais” e, aos 50 e tantos anos na década de 2000, queriam parecer “mais velhos” intelectualmente , se pautando no paradigma “maduro” dos coroas dos anos 1970, uma conduta que já soava datada já naqueles “anos dois mil”. Montgomery ainda tentava parecer o “tiozão” e, atualmente, Justus é o que mais aparece na mídia, chegando a ser apoiador de Jair Bolsonaro.

Vítimas do seu próprio etarismo, esses empresários e profissionais liberais nascidos nos anos 1950 se esquecem que, no Reino Unido e nos EUA, seus contemporâneos faziam punk ou new wave, produziam zines e seu foco estava mais para o Reading Festival do que para o Carnegie Hall (com todo o respeito a esta casa novaiorquina que abrigou até a Bossa Nova, vale lembrar). 

Menga e Ghiaroni, nascidos em 1954, focavam num pedante saudosismo “anos 1940” que o mestre Millôr Fernandes - que prefaciou um livro de Ghiaroni mas, em contrapartida, admirava a Legião Urbana a ponto de publicar uma genial e bem rimada tradução de “Feedback Song For a Dying Friend” do disco As Quatro Estações (1989) - chamava de “saudade daquilo que não vivemos”. 

Mas lá fora, outros nascidos de 1954, Adam Ant, do Adam Ant and the Ants, e Captain Sensible, do Damned, “antecipavam” o espírito dos anos 1980. Aqui no Brasil, os nascidos nos anos 1950 mal conseguiam entender a TV Tupi, enquanto lá fora seus contemporâneos inauguraram a MTV. Por ironia, a MTV Brasil (1990-2013) se instalou nos aposentos da antiga rede de TV dos Diários Associados, no bairro paulistano da Pompeia.

Fico refletindo de como os 50 anos eram os 18 anos da terceira idade. Quem nasceu nos anos 1950 e via, nos filmes e revistas nos anos 1970, aqueles coroas caretas de paletós, sapatos de couro nos pés e segurando taças de vinho ou uísque, um modelo de vida masculina, enquanto as mulheres viam nas beatas semelhante reputação. 

No caso dos homens, foi só completar 50 anos em algum ano da década de 2000 para “caprichar” na pose de maturidade e na imitação datada daqueles “antigos coroas” que viram na década setentista. A gente até pergunta se isso não seria um tipo de adultização. Ter 50 pu 70 anos obriga alguém a ouvir música orquestrada? Um homem de 70 anos não pode ir ao Lollapalooza? 

Sinceramente, se eu tivesse a idade do Eduardo Menga hoje, eu correria para ver o McFly e o Foster the People num festival descolado de música. E ia de bermudão e tênis e com lanchinho montado em casa, pois lanchar nestes festivais custa muito caro e mesmo tendo dinheiro para gastar isso é uma humilhação. Idade tornou-se uma coisa relativa com o contexto de cada um, depois que modos de vida próprios da juventude foram importados pelos mais velhos para dar luz e cores à terceira idade.

Por outro lado, vemos que a esposa de Menga, a ex-paquita Bianca Rinaldi viveu o contexto da adultização das crianças pelos programas de Xuxa Meneghel da Rede Globo. A própria Xuxa já foi atriz pornô e mesmo como modelo ela já era um símbolo sexual por conta de sua formosura física que, pelo que consta, continua intata.

A adultização alcançou a geração nascida principalmente entre 1978 e 1983, que normalmente é descendente de pais nascidos na década de 1950. E o curioso, embora também irônico, é que, enquanto os pais da geração 1950 tentam se apropriar de um passado que não viveram, como os anos 1940, os filhos viveram os anos 1980 entendendo superficialmente a década.

E isso ocorreu de tal forma que “anos 80”, para essa geração, não era exatamente a década em si, mas aquilo que viam na televisão. Podem ser até os desenhos do Pica-Pau e do Tom & Jerry, por ironia produzidos em boa parte na década de 1950, que eles seriam “anos 80” do mesmo jeito, assim como os desenhos do Bozo produzidos em 1958, 1959 e 1962.

E aí vemos um cenário em que os avós fingiam entender de jazz, escondendo que, na juventude, nunca iam além da disco music e, quando muito, do soft rock, que tiveram filhos que acham que "sertanejo" e "pagode romântico" são "classicos da música brasileira" e estes se tornaram pais de jovens que acham que "Ilariê" e "Xibom Bom Bom" são "músicas de protesto".

E aí vemos a complexidade que é a adultização e a infantilização, desnorteando a vida e criando um quadro confuso no qual os ensinamentos da vida ocorrem mais pelo lado negativo dos atos equivocados o que qualquer acerto obtido. 

Coroas pedantes, crianças adolescentizadas e universitários infantilizados são espécies diferentes de um contexto de um país complicado demais para ser sequer um esboço de um país desenvolvido. Cabe o Brasil descer do pedestal e olhar para dentro de si, esta nação criança de apenas 525 aninhos de idade.

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