Pesquisa recente do Ministério Público de São Paulo mostra que o envolvimento de rapazes pobres na criminalidade pode ser explicado, em parte, pela falta da figura do pai na família.
Jessé de Souza, conhecido sociólogo que havia presidido o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), definia a estrutura familiar típica das classes pobres como "monoparental", no caso com a presença fixa apenas da mãe.
Geralmente uma mãe com uma dezena de filhos, em que o mais velho ganha atributos de responsabilidade paternal com os próprios irmãos.
Uma vida difícil, na qual crianças são obrigadas a trabalhar para dar um acréscimo à apertada renda familiar.
É uma realidade complexa, que a intelectualidade "bacana" se recusou a admitir.
Achava divertido ver, na chamada "cultura popular demais" do brega-popularesco, a ênfase na solteirice como padrão de vida das mulheres "da periferia".
Representadas por sub-celebridades que se expressam pelo erotismo exagerado, as moças pobres são induzidas pela grande mídia a serem solteiras ou adotarem uma vida amorosa "pouco convencional".
Isso sem elas estarem preparadas para parceiros amorosos diferentes das convenções sociais.
Elas são manipuladas o tempo todo a ter referenciais sócio-culturais convencionais, conservadores e os menos diferenciados possíveis.
No entanto, são também empurradas, contraditoriamente, a desejar pares amorosos fora das mesmas convenções.
Rapazes "perdedores" ou "caseiros", ou, quando muito, fortões "pacatos", e isso quando não são empurradas para uma opção lésbica da qual não entendem.
Isso porque as periferias também são influenciadas pelo conservadorismo religioso.
A intelectualidade "bacana" não entende isso.
Seus acadêmicos, cineastas, jornalistas culturais, produtores e outros agentes associados acham que na "cultura popular demais" tudo é tão fácil e tão livre.
Não, não é.
As classes pobres, com baixa escolaridade, baixo poder aquisitivo e uma conflituosa influência de valores difusos trazidos pela mídia e pelo mercado, é o que mais tem dificuldades de compor as novas estruturas familiares.
Esta constatação é fruto de algum preconceito? Não.
Ela se dá porque é nas classes populares que há o conflito entre valores avançados e retrógrados.
Vem a intelectualidade dizer que as chamadas periferias podem se adaptar a valores modernos.
Depois vem as igrejas evangélicas dizerem o contrário, que tais comunidades têm que resgatar valores dos mais tradicionais possíveis.
Não há um preparo social para tantas transformações ou dilemas, e os pobres muitas vezes não sabem o limite entre a mudança e a volta aos velhos valores.
Baixa renda, escolaridade deficitária (quando há), descaso do poder público, manipulação da mídia, do mercado e de outras forças que variam da religião ao crime organizado.
As moças pobres são induzidas pela propaganda midiática a quererem homens diferentes do seu meio.
Em Salvador, as rádios "populares" as manipulavam cruelmente para isso.
Se afastam de homens de sua afinidade pessoal só porque eles vão jogar bola nas manhãs de domingo.
Mas se fascinam cegamente por homens de classe média da qual elas não têm a menor ideia do que são.
Outras cidades têm esse problema, com menor ou maior intensidade.
E faz com que a chamada "liberdade sexual" seja uma utopia que, contraditoriamente, é assimilada com igual naturalidade do que ouvir trechos da Bíblia narrados por pastores locais.
Muitas mulheres pobres se sujeitam a ver o "príncipe encantado" até em possíveis traficantes de mulheres para a prostituição num lugar bem distante.
E, quando as mulheres são mães, a solteirice é forçada pela péssima imagem que se trabalha dos homens das comunidades pobres.
Eles são sempre induzidos a cometer erros, deslizes, crimes, num ciclo vicioso. Cafajestes, ébrios, ladrões, encrenqueiros, o quanto a mídia "popular" trabalha o homem pobre da pior maneira.
Mesmo sob o pretexto da denúncia, isso vira uma propaganda pejorativa.
E aí faz com que nossos meninos pobres não tenham uma auto-estima como homens.
A figura do pai, que poderia contribuir na formação masculina do filho, é praticamente ausente.
O menino pobre vê, na televisão, as famílias de classe média com o pai dizendo para seu filho o que o mundo lhe espera, brinca com ele e lhe dá o carinho paternal necessário.
O menino pobre pensa e compara a situação da TV com a sua e se vê um órfão de pai vivo.
Enquanto isso, a mãe, que já tem outros tantos filhos, está com a vida sobrecarregada demais para dar o carinho necessário, pois até para pagar as contas ela trabalha até cansar, ficando estressada e potencialmente agressiva.
É uma vida difícil, da qual um texto como este não pode narrar com tão contundente fidelidade.
Só vivendo um drama desses que a nossa intelligentzia, tida como tão admirável, ignora.
Se, na classe média alta, uma mulher com, pelo menos, três filhos, pensa uma ou duas vezes para se separar do marido, refletindo o efeito que pode causar nos rebentos, a mulher pobre tem um drama muitas vezes menor.
Mas a intelectualidade "bacana", mesmo da parte de algumas ditas feministas, acha que mulher pobre ficar solteira com muitos filhos é o máximo.
Pelo menos, se estimularem a formação de casais afins nas periferias, para uma parceria econômica e social menos dolorosa para toda a família.
A vida nas comunidades pobres é muito complexa, não tem a intuição plena das classes médias ilustradas que podem formar casais LGBT com a facilidade com que apreciam poemas concretos cujos versos são meros jogos de fonemas.
Nas periferias bombardeadas pelo noticiário reacionário da Globo, pelos cultos evangélicos da Record, pela violência glamourizada da imprensa policialesca, pelo grotesco nos tabloides popularescos, isso fica muito, muito difícil.
E ainda mais com escolas públicas em greve, preços dos produtos disparando, salários desvalorizados, tiroteios em frente de casa, não bastassem as péssimas residências, a baixa qualidade de vida, o acúmulo de problemas que causa até insônia!
As comunidades pobres não são a Disneylândia do consumismo pleno e da liberdade sem limites.
E é isso que documentários, reportagens e monografias "atraentes" sobre brega-popularesco ignoram.
E é essa realidade dura que o menino que cresce sem um pai para lhe servir de exemplo tem que enfrentar.
E, se ele não for firme na sua moral, pode sucumbir ao crime.
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