Cultura virou um grande negócio.
E está revelando escândalos diversos em todo o país.
Há a "máfia dos shows", que cobra propinas para incluir ou deslocar atrações em eventos regionais no interior do país, inclusive grandes festivais.
Há a polêmica da Lei Rouanet, que sob a desculpa do "combate ao preconceito", privilegiou atrações comerciais e culturalmente inexpressivas que já tinham verbas privadas lhes sustentando.
Ver que um grupo musicalmente oco como Tchakabum abocanhar uma grande soma de verbas do Ministério da Cultura é constrangedor.
Mas tudo pelo "fim do preconceito". Tchakabum, que lançou Gracyanne Barbosa, representa o paradigma oficial de "cultura das periferias".
E Gracyanne é esposa do cantor Belo, de uma geração de "pagodeiros" dos anos 1990, que, assim como os "sertanejos" contemporâneos, foram depois fazer "MPB de mentirinha".
Uma "MPB" que se baseia apenas numa combinação de trajes de gala e plateias lotadas, mas que nada nos diz em termos de contribuição real à Música Popular Brasileira.
Em nome do "fim dos preconceitos", verdadeiras nulidades eram tratadas com o mesmo peso de valores autênticos de nossa música.
E, em muitos casos, a MPB autêntica é que era vítima de preconceito.
Os discriminados agora nem de longe correspondem à breguice dominante.
Os bregas estão bem na fita, no vinil, no CD e no MP3, entrando na mídia privada pela porta da frente.
Já quem sofre discriminação é a MPB autêntica: Edu Lobo, Fátima Guedes, Diana Pequeno, Toninho Horta, Turíbio Santos.
Eles é que são vistos como "chatos", "insuportáveis", "antiquados".
Como se a música vigorosa de Edu Lobo fosse "mais antiquada" que o primarismo sonoro de um funqueiro.
E é sob essa perspectiva que o império do jabaculê se estabelece.
Às custas da intelectualidade "bacana" que tentou fazer proselitismo na mídia esquerdista, para desencorajar os debates sobre a cultura brasileira, sobretudo musical.
E isso cria escândalo atrás de escândalo.
Em Florianópolis, mais precisamente Jurerê Internacional, um escândalo foi revelado em denúncias sobre a aplicação irregular de verbas previstas pela Lei Rouanet.
Um casamento animado por um cantor "sertanejo" teria sido financiado pela Lei Rouanet.
O casal, Felipe Amorim e Caroline Monteiro, tem ligação familiar com Antônio Carlos Bellini, empresário da Bellini Eventos Culturais.
Bellini é um dos alvos da Operação Boca Livre (curiosamente nome de uma banda de MPB dos anos 1970), e é suspeito de aplicar fraudes visando desviar verbas da Lei Rouanet.
A festa ocorreu no 300 Beach Club, um dos principais redutos de música brega-popularesca na capital catarinense.
E Jurerê Internacional virou o pólo da bregalização cultural que se exibe para os florianopolitanos e turistas locais, sobretudo vindos da Argentina.
O mais risível é que o cantor "sertanejo" foi pago com o dinheiro que deveria ser para um evento voltado à música erudita, o "Caminhos Sinfônicos".
Aí a gente reflete sobre esses escândalos, reflexo de muitas e muitas manobras.
Como toda a campanha desesperada de intelectuais em querer que o brega-popularesco gozasse da mesma reputação da MPB mais conceituada.
Tudo com aquele discurso choroso do "combate ao preconceito", que era feito na esperança do jabaculê de hoje ser promovido ao folclore de amanhã.
É claro que emepebistas também aparecem nas denúncias da "máfia dos shows" etc. Só que mais como vítimas do que algozes.
É porque os emepebistas com algum acesso nas rádios, como Elba Ramalho e Zeca Pagodinho, também são escalados para festivais que predominam "sertanejos", "axézeiros" e "forrozeiros-bregas".
Mais como coadjuvantes de uma festa liderada por Chicletes, Calypsos, Chitões, Tchans, Aviões, Luans, Ivetes, Zezés e Calcinhas.
E são esses popularescos que ficam posando de coitadinhos quando fazem dueto com emepebistas ou roqueiros brasileiros.
Se Zezé di Camargo & Luciano gravam com Nando Reis, por exemplo, muitos pensam que quem "luta por espaço" é a dupla "sertaneja".
Grande engano. A dupla é "dona do pedaço".
Quem luta por espaço é Nando Reis, que precisa divulgar seu trabalho para fora do eixo Rio-São Paulo e cortejar os bregas é uma forma dele furar o cerco do interior do país.
Porque, para tocar no interior, tem que compactuar com os ídolos radiofônicos que dominam o mercado nessas áreas.
Daí não ser difícil ver que a "máfia dos shows" é apenas efeito desse mercado dominador.
E mostra o quanto a corrupção que envolve o brega-popularesco está muito além do jabaculê em rádio FM, que hoje mais parece brincadeira inocente diante de tantas outras práticas.
A intelectualidade "bacana" dá indícios de que defendeu a bregalização cultural visando abocanhar abusivamente as verbas da Lei Rouanet.
E que todo esse papo de "combate ao preconceito" só revelou a intenção dos ídolos bregas, neo-bregas (geração 1990, pseudo-sofisticada) e pós-bregas (geração 2000 em diante, pseudo-moderna), só teve um fim.
Tornar os ídolos do brega-popularesco aceitáveis pelo público de melhor poder aquisitivo.
Portanto, um jabaculê travestido de monografias, documentários e grandes reportagens.
Uma conversa mole que mais parecia estragédia de marketing, mas que era divulgado como se fosse um apelo cultural "sério".
Passamos dez anos aceitando tudo isso, porque os intelectuais "bacanas" monopolizaram o mercado de visibilidade, não havia contraponto, alguém que desse uma visão oposta.
Aliás, até tinha: mas quem poderia enfrentar os "bacanas" era barrado nos cursos de pós-graduação.
Teve até caso de turmas de 30 alunos-ouvintes de um curso de Mestrado que teve que fechar com 29, por causa de um candidato considerado "problemático" e excluído pela bancada.
É por isso que no Brasil não há grandes intelectuais ao mesmo tempo com o nível e a visibilidade de um Umberto Eco, Guy Debord ou Jean Baudrillard.
Os equivalentes brasileiros até haviam, mas eles não tinham visibilidade, marginalizados pelo mercado acadêmico, boicotados pela mídia, reduzidos a pequenos blogueiros sem muita repercussão.
E as vozes que denunciariam as manobras do mercado popularesco foram abafadas, se não silenciadas.
Mas aí o mercado teve mesmo que deixar expor seus podres.
Não dá para esconder práticas ilícitas por muito tempo.
E hoje são os intelectuais "bacanas" que andam envergonhados.
A Internet compensou a falta de visibilidade e a opinião pública foi fazer as críticas que a intelectualidade festiva temia virem de intelectuais conceituados.
O Brasil vive um período turbulento.
É certo que há ameaça de retrocessos sociais diversos, mas pelo menos os escândalos também começam a vazar.
E é aí que, pelo menos, os antigos privilegiados começam a ter medo.
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