A intelectualidade "bacana" se silenciou, de repente.
Antropólogos, cineastas, jornalistas culturais que se achavam os mais legais do país, de repente baixaram a guarda.
Eles, que se achavam mais povo que o próprio povo, e prometiam fazer do jabaculê de hoje o folclore de amanhã, não estão mais fazendo as habituais pregações.
Eles apareceram como pombos no milharal da crise do governo Fernando Henrique Cardoso.
Fizeram o maior barulho defendendo a bregalização sob a desculpa do "combate ao preconceito".
Era desculpa para empurrar expressões de valor artístico-cultural duvidoso para públicos culturalmente mais qualificados.
Durante toda a Era Lula e parte do governo Dilma Rousseff, a intelectualidade "bacana" tinha seu monopólio de visibilidade.
Era de propósito.
Aparentemente, não havia um contraponto com visibilidade compatível à dos "pensadores" que lutavam por um Brasil mais cafona e culturalmente ridículo.
Poderia haver, com os equivalentes brasileiros a Guy Debord, analisando a espetacularização da pobreza, e a Umberto Eco, pesquisando sobre o grotesco do "popular demais".
Mas a própria burocracia universitária os boicotava, barrando-os já nos primeiros cursos de pós-graduação.
O debate cultural saiu comprometido, diante da ação unilateral dos provocativos mecenas do "deus mercado".
Esses festivos membros da intelligentzia transbrasileira faziam o jogo da grande mídia, defendendo os produtos culturais por ela lançados, sob o rótulo do "popular demais".
Mas faziam o trabalho freelancer, o que lhes permitia fazer falsos ataques à grande mídia, dando uma falsa impressão de independência e liberdade intelectual.
Faziam todo um bolo de ideias neoliberais com todo o recheio de ideias vindas de Francis Fukuyama e Fernando Henrique Cardoso, pinceladas com cobertura pós-tropicalista.
Disfarçavam ideias de Ludwig Von Mises com conceitos de Antonio Gramsci interpretados de forma deturpada.
Tentavam, com sua etnografia de mercado, usar até mesmo Simone de Beauvoir para "justificar" o falso feminismo das mulheres-objetos siliconadas.
Sonhavam com Disneylândias do consumismo nos subúrbios, favelas, roças e sertões e usavam pretextos falsamente guevaristas.
Criavam discursos etnográficos aqui e ali, evocando um who is who do pensamento intelectual só para dizer que o jabaculê das rádios e o sensacionalismo da TV tinha "profundo valor artístico-cultural".
Temperavam esta retórica com alegações "progressistas": "rebelião popular", "cultura LGBT", "negritude", "ameaça ao bom gosto", e outras "provocatividades".
Chegaram mesmo a etnicizar o jacaculê com esse papo de "negro-branco-índio" como um "bom etnocentrismo" desses intelectuais festivos.
E estruturavam seu discurso usando técnicas do Novo Jornalismo (Tom Wolfe, Gay Talese) e da História das Mentalidades (Marc Bloch, Lucien Febvre) para parecer "substancial".
Fizeram tudo isso quando havia governo de centro-esquerda no poder e o Ministério da Cultura financiando livremente as instituições culturais.
O livre financiamento, sabemos, foi prejudicado pela concorrência predatória do brega-popularesco.
Com seus ídolos e intelectuais abocanhando verbas que deveriam ser para quem faz e pesquisa cultura de verdade.
De repente, foi Dilma Rousseff ser afastada, ainda que provisoriamente, do poder, e o Ministério da Cultura, tal como conhecíamos até maio passado, ser extinto, e a intelectualidade "mais legal do país" se calou.
Claro, houve as lágrimas de crocodilo contra o fim do MinC.
E há os ideólogos do "funk", como uma versão 2.0 do Cabo Anselmo, querendo ser donos das esquerdas e obrigá-las a ter compostura com os funqueiros.
Os funqueiros insistem que são amigos das esquerdas, que são progressistas e coisa e tal.
Mas depois traem as esquerdas e vão para a Globo fazer a festa, se dirigindo depois para os condomínios de alto luxo.
A blindagem dos intelectuais "bacanas" favoreceu os funqueiros e eles agora estão aí, fazendo festas milionárias, se apresentando para socialites (falamos socialites, não socialistas) e apoiados com gosto pelos barões da mídia.
Mas hoje tudo está em silêncio.
Até parece que os intelectuais "bacanas", vindos dos porões ideológicos do PSDB e da grande mídia (Folha e Globo), queriam empastelar os debates culturais dos períodos de Lula e Dilma.
Desqualificaram o debate cultural, por não querer que intrometamos a questionar a jabaculecracia do "popular demais".
Mas agora, com Michel Temer no poder, a pregação da intelectualidade "bacana" se arrefeceu.
Eles não precisam mais fazer proselitismo na mídia esquerdista, para fazê-la acreditar no jabaculê de hoje como o folclore do futuro e o modismo da hora como a etnografia de sempre.
Com o Brasil ameaçando se retroceder de vez, não precisa mais esse esforço.
Serão retomadas as condições econômicas, educacionais, políticas e sócio-culturais que permitiam a formação do brega-popularesco, seus valores e processos diversos.
Um povo culturalmente confuso, colonizado, subordinado ao latifúndio, aos barões da mídia locais e nacionais e às regras de mercado.
Uma "cultura das periferias" que não só não ameaça o poder midiático como a ele colabora com muito gosto.
E cujas palavras usadas pela intelectualidade associada revelam a herança de Fernando Henrique Cardoso que seus ideólogos tentaram, em vão, esconder.
"Periferia", por exemplo, vem dos conceitos que o ex-presidente, ainda como mero sociólogo, definiu na sua Teoria da Dependência.
"Transbrasileira" é um epíteto cultural para o "transnacional" do pensamento econômico de FHC.
Até que ponto os intelectuais "bacanas" vão voltar a fazer seu teatrinho pseudo-progessista, no caso de Dilma Rousseff retomar o mandato, não se sabe.
O que se sabe é que, mais cedo ou mais tarde, os "provocativos" intelectuais "bacanas" que faziam proselitismo em Caros Amigos, Carta Capital e Fórum, pedindo a bregalização da cultura popular, serão os Olavo de Carvalho de amanhã.
Citando Renato Russo, hoje é só questão de idade, passando desta fase, tanto fez e tanto faz.
Comentários
Postar um comentário