Pular para o conteúdo principal

A POBREZA COMO UM FETICHE


No seu perfil no Facebook, a apresentadora Xuxa Meneghel publicou uma foto e uma mensagem que demonstram uma visão puramente elitista.

Na foto ela aparece dentro de um carro importado ao lado de três meninos negros e pobres que faziam malabarismos no semáforo.

"Daivison, João e Pedro...meus novos amiguinhos ralando para conseguir um dindin", disse a apresentadora, na postagem.

Foi uma sutil apologia ao trabalho infantil, que partiu de uma apresentadora muito associada, ainda que irregularmente, ao público de crianças e adolescentes.

A fetichização da pobreza é algo que a intelectualidade "bacana" sempre quis botar debaixo do tapete.

Eles tiveram coragem de ir para a mídia esquerdista para adotar uma atitude não muito diferente da ex-estrela global, hoje na Rede Record.

Os intelectuais "provocativos" da cultura "popular demais" sempre falavam do "orgulho de ser pobre", de "como é lindo" viver numa favela, "como é fascinante" ser ignorante e "como deve ser maravilhoso" o trabalho da prostituição.

E questionar esse "bom etnocentrismo" era garantia, pasmem, de acusações levianas de "preconceito higienista e aristocrático" de nós mesmos.

Como estrela da Globo, Xuxa Meneghel foi uma grande articuladora dessa "cultura transbrasileira" do brega-popularesco.

Sem ser grande coisa como cantora, ela foi uma das maiores porta-vozes das "preciosidades" do compositor Michael Sullivan, então sob parceria com Paulo Massadas.

Xuxa também foi uma das maiores divulgadoras da música brega-popularesca.

Através de seus programas, ídolos da mediocridade musical obtinham visibilidade para depois usarem seus métodos arrivistas de atingir o topo do "alpinismo social" que acreditavam ser a MPB.

Ela mesma um ícone da cultura "popular demais", Xuxa Meneghel também influenciou o comportamento erotizado das menores de idade, as "baixinhas".

Xuxa simbolizou um plano do comercialismo voraz da mídia privada em estimular uma sexualidade ainda em formação nas crianças e adolescentes, impulsionando-a para um erotismo voraz.

A apresentadora usava roupas sensuais e dançava como uma versão brasileira de Madonna, ícone do pop estrangeiro daqueles tempos, os anos 80.

Xuxa Meneghel, na década seguinte, passou o bastão para o É O Tchan e derivados trabalharem, de forma mais intensa, a erotização infantil.

Com roupas de cores fortes e alegres que lembram guloseimas e paisagens de contos de fadas, o É O Tchan era abertamente difundido por pais incautos que ficavam alegres vendo seus filhos rebolarem os pornográficos sucessos do grupo baiano.

O É O Tchan veio acompanhado de um monte de genéricos, como Companhia do Pagode, Terra Samba e Gang do Samba, este último enfiado em um documentário sobre o respeitado sambista Riachão, em pleno auge da intelectualidade "bacana".

A Companhia do Pagode veio com a dança da "boquinha da garrafa" e o É O Tchan gravou um álbum de remixes pelo carioca DJ Marlboro.

Era a deixa para outra passagem de pastão: do "pagodão" baiano ao "funk".

E aí entra mais uma vez a fetichização da pobreza.

Os ideólogos do "funk" até se apropriaram dos movimentos de esquerda para impedirem o debate cultural em muitos aspectos.

Não era permitido mexer na fetichização da pobreza pelo "funk".

Qualquer tentativa era acusada de "preconceito", "elitismo", "moralismo policialesco" e outras classificações tendenciosamente depreciativas.

E aí tinha as apologias à pedofilia, tida como "iniciação sexual das meninas pobres", algo que não era muito disfarçado pelo discurso apologista de intelectuais tidos como "sérios".

E tinha o sensualismo grotesco das mulheres-frutas e outras funqueiras, que usavam a desculpa do "discurso direto", e apostavam na absurda tese de promover um feminismo fundamentado em valores machistas.

E novamente entra a fetichização da pobreza.

A ideia de "como é lindo" morar numa favela onde o primeiro temporal pode derrubar várias casas, matando famílias pobres que não têm outro lugar para ir.

A ideia de "como é lindo" a mulher pobre se prostituir, sujeita a levar surra de fregueses machistas, quando ela poderia ter outra ocupação mais digna e humana na vida.

Combater essa fetichização é preconceito? Não. É elitismo? Também não. Moralismo? De jeito nenhum!

Os pobres são vistos de maneira glamourizada, como se a pobreza fosse uma fatalidade, como se fosse inútil intervir contra ela.

A "cultura" brega-popularesca, seja o "funk", o "pagodão" e outros estilos "das periferias", nunca fizeram para intervir nesta realidade.

Os ídolos musicais transformavam a pobreza em fetiche e a única coisa que os pobres tinham que fazer é consumir, consumir e consumir tais sucessos radiofônicos.

Tudo sob a desculpa de que esse consumismo era "ativismo".

O discurso funqueiro, mais ambicioso dessa breguice toda, tentava articular uma argumentação confusa, forjar "ativismo sério", "vanguarda cultural" e outras qualidades inexistentes.

No grosso, era só um monte de desculpas para manter os pobres sendo pobres.

E, diferente da verdadeira cultura popular, a bregalização sempre expôs os pobres da pior forma.

Era aquela coisa, em três etapas.

Primeiro, expõe-se os pobres da forma mais ridícula que for possível.

Segundo, intelectuais são recrutados para forçar a aceitação, por intelectuais mais sérios, dessa imagem idiotizada do povo pobre que a intelectualidade "bacana" diz ser "verdadeira".

Terceiro, consolidada essa aceitação etnocêntrica, os intelectuais da bregalização ressurgem como super-heróis para "remodelar" os pobres à imagem e semelhança da classe média higienista.

Isso é o que quer a fetichização da pobreza pela dita "cultura transbrasileira" ou "popular demais" do brega-popularesco.

Primeiro o pobre é visto como caricatura, somos obrigados a aceitar essa imagem pejorativa como verdadeira e depois é a intelectualidade apologista que reaparece como "heroína" para transformar os pobres caricatos em uma classe média também caricata.

Daí todo aquele papo: "a favela é linda", "prostituir é o máximo", "pedofilia nas periferias é brincadeira de criança" e outras alegações igualmente aberrantes despejadas sob o pretexto do "combate ao preconceito".

As classes populares manobradas pelos intelectuais tidos como "simpáticos" e "provocadores", mas dotados de uma ideologia preconceituosa, tida como "sem preconceitos".

E essa fetichização da pobreza, sob a desculpa de valorizá-la, desvaloriza o povo pobre.

Deixa os pobres reféns de sua própria inferioridade social.

Quando muito, só conseguem se superar sob a sombra de uma classe média paternalista, representada pelos festivos intelectuais "bacanas".

Fora essa condição, os pobres continuam pobres, diante dos sorrisos hipócritas dos paternalistas.

"A sociedade os separa, o sorriso os une"?

Não. Os sorrisos são separados pelo significado oculto. Os sorrisos das elites são de esnobismo. Os dos pobres, uma desinformação sobre as armadilhas tramadas pelas elites paternalistas.

O separatismo continua com o fetichismo da pobreza.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CANELADA DE UM ARTIGO SOBRE AS "CANELADAS DA MPB"

A revista Veja, hoje vivendo uma fase mais "comportada" depois de tanta hidrofobia nos anos 2010, mesmo assim não deixa de aprontar das suas. Uma matéria, que até soa bem intencionada, sobre as cinco canções brasileiras que " dão caneladas nas regras da gramática ", creditando-as como "sucessos da MPB", incluiu sem necessidade um sucesso da música brega, por sinal de um cantor bolsonarista. A matéria foi publicada na coluna O Som e a Fúria, da revista Veja, em 03 de dezembro de 2024. A matéria cita canções de Raul Seixas e, também, erros propositais da canção "Inútil", do Ultraje a Rigor, e "Tiro ao Álvaro", de Adoniran Barbosa (consagrada pela voz de Elis Regina), respectivamente para expressar a "indigência" do brasileiro comum e a coloquialidade do paulista do bairro do Bixiga. A música incluída é "Não Quero Falar com Ela", do ídolo brega Amado Batista, cuja única ligação, digamos, com o Ultraje a Rigor é que, hoj...

"ANIMAIS CONSUMISTAS"AJUDAM A ENCARECER PRODUTOS

O consumismo voraz dos "bem de vida" mostra o quanto o impulso de comprar, sem ver o preço, ajuda a tornar os produtos ainda mais caros. Mesmo no Brasil de Lula, que promete melhorias no poder aquisitivo da população, a carestia é um perigo constante e ameaçador. A "boa" sociedade dos que se acham "melhores do que todo mundo", que sonha com um protagonismo mundial quase totalitário, entrou no auge no período do declínio da pandemia e do bolsonarismo, agora como uma elite pretensamente esclarecida pronta a realizar seu desejo de "substituir" o povo brasileiro traçado desde o golpe de 1964. Vemos também que a “boa” sociedade brasileira tem um apetite voraz pelo consumo. São animais consumistas porque sua primeira razão é ter dinheiro e consumir, atendendo ao que seus instintos e impulsos, que estão no lugar de emoções e razões, ordenam.  Para eles, ter vale mais do que ser. Eles só “são” quando têm. Preferem acumular dinheiro sem motivo e fazer de ...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

BRASIL TÓXICO

O Brasil vive um momento tóxico, em que uma elite relativamente flexível, a elite do bom atraso - na verdade, a mesma elite do atraso ressignificada para o contexto "democrático" atual - , se acha dona de tudo, seja do mundo, da verdade, do povo pobre, do bom senso, do futuro, da espécie humana e até do dinheiro público para financiar seus trabalhos e liberar suas granas pessoais para a diversão. Controlando as narrativas que têm que ser aceitas como a "verdade indiscutível", pouco importando os fatos e a realidade, essa elite brasileira que se acha "a espécie humana por excelência", a "classe social mais legal do planeta", se diz "defensora da liberdade e do humanismo" mas age como se fosse radicalmente contra isso. Embora essa elite, hoje, se acha "tão democrática" que pretende reeleger Lula, de preferência, por dez vezes seguidas, pouco importando as restrições previstas pela Constituição Federal, sob o pretexto de que some...

JOO TODDYNHO NOS LEMBRA QUE O "FUNK CARIOCA" É "IRMÃO" DE JAIR BOLSONARO

A postura direitista que a funqueira Jojo Toddynho assumiu, apoiando Jair Bolsonaro, esbanjando reacionarismo e tudo, pode causar grande surpresa e até decepção por parte daqueles que acreditam na ingênua, equivocada porém dominante ideia de que o "funk" é um movimento culturalmente progressista. Vendo que Jojo Toddynho, a one-hit wonder  brasileira do sucesso "Que Tiro é Esse?" - que, nos últimos momentos da "campanha contra o preconceito" da intelligentzia  do nosso país, chegou a ser comparada, tendenciosamente, com "Gaúcho (Corta-Jaca)", de Chiquinha Gonzaga - , tornou-se garota-propaganda da pavorosa rede de lojas Havan, as pessoas dormem tranquilas achando que a funqueira é uma "estranha no ninho", ao lado de nomes como Nego do Borel, Pepê e Nenem e o "divertido" Buchecha. E aí o pessoal vai acreditando na narrativa, carregada de muito coitadismo, de que o "funk" é ideologicamente "de esquerda", que o...

QUISERAM ATIRAR NO PRECONCEITO E ACERTARAM NA DIGNIDADE HUMANA

  Meses atrás, em diferentes ocasiões, fotografei estas duas imagens aqui em Sampa para mostrar o quanto a tal campanha do "combate ao preconceito", que na verdade empurrou a deterioração da cultura popular como se fosse um "ideal de vida" das classes populares, tornou-se bastante nociva para o povo. A foto acima, tirada de um vídeo publicitário num desses relógios eletrônicos na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, no Limão, no cruzamento com a Avenida Casa Verde, mostra uma campanha bem caraterística da gourmetização da pobreza humana através da transformação das favelas em "habitats naturais", "aldeias pós-modernas" e até "paisagens de consumo", com uma cosmética das periferias para turista inglês (padrão Diplo) ver. Trata-se de um anúncio de uma série de camisetas, promovida pela ONG Afroreggae, que explora a "estética faveleira" para o consumo confortável da classe média abastada e politicamente correta, e, portanto, da el...

CURTIR MÚSICA ESTRANGEIRA NO BRASIL É ALGO "BEM BRASILEIRO"

Se você ouve os mesmos hits  estrangeiros repetidos 200 vezes ao dia pelas rádios de pop adulto, se você superestima nomes estrangeiros pouco representativos no exterior, como Outfield, Live, Johnny Rivers e Double You, se você supervaloriza ao extremo Guns N'Roses e Michael Jackson como se fossem as "maiores maravilhas do mundo", temos que reconhecer uma coisa. Você é provinciano e seu hábito de curtir música estrangeira tem pouco a ver com estar sintonizado com o mundo, sendo algo, digamos, "bem brasileiro". Devemos nos lembrar que o que consumimos de música estrangeira do mainstream  é fruto dos interesses mercadológicos de editores musicais representantes de canções estrangeiras, executivos de rádios e TVs e gerentes da indústria fonográfica. Daí o caráter de previsibilidade do gosto musical do brasileiro médio em relação à música estrangeira. É aquele gosto meio avassalado, que de maneira cegamente deslumbrada e submissa, se rende a tudo que é estrangeiro c...

SEQUESTRO DE MODELO É AVISO PARA OS "ANIMAIS CONSUMISTAS"

O recente sequestro da modelo Luciana Curtis, seu marido, o fotógrafo Henrique Gendre, e a filha adolescente do casal, ocorrido na noite do último dia 27, é um aviso para a burguesia de chinelos que tem mais do que precisa e ganha demais sem querer muito. Não falamos do casal em si, que representa o que há de inofensivo e discreto na burguesia, mas o fato de Luciana, Henrique e a filha terem sido sequestrados por um grupo de assaltantes serve para os chamados "animais consumistas" que empoderaram os anos pós-Covid e pós-Bolsonaro. A família estava jantando num restaurante no Alto da Lapa, na Zona Oeste de São Paulo, quando, na saída, foi rendida por uma quadrilha que sequestrou os três e os manteve por doze horas em cativeiro em Brasilândia, na Zona Norte, enquanto os assaltantes roubaram o carro do casal, o GWM Haval, avaliado em mais de R$ 200 mil, e transferiram o dinheiro dos dois para as contas dos envolvidos no sequestro. O carto foi achado carbonizado nas proximidades ...

AS FRANQUIAS DO ARROCHA E DO TRAP

As narrativas oficiais que circulam na mídia e nas redes sociais até tentam definir o arrocha e o trap brasileiro como "movimentos culturais", com um discurso que mistura etnografia com rebelião popular. No entanto, os dois estilos refletem o quanto a música brega-popularesca, o "popular" comercial que faz sucesso fácil entre o grande público brasileiro, demonstra ser não mais do que um mero negócio empresarial, com seus esquemas marqueteiros e suas propagandas enganosas, daí o discurso falsamente folclórico-libertário destes fenômenos. O arrocha e o trap se revelam grandes franquias, nas quais a introdução ou a expansão nos mercados brasileiros se dá sob os claros processos de negócios. Sim, com empresários negociando contratos e tudo. Os dois estilos se servem do processo empresarial da franquia ( franchising ) para serem lançados ou expandidos nos mercados de música popularesca no Brasil. No caso do arrocha, ritmo que recicla o antigo brega dos anos 1970, tipo Wa...

BRASIL SOB A POLARIZAÇÃO ENTRE O SONHO E O PESADELO

VIOLÊNCIA DA PM COMETENDO CRIMES EM SÃO PAULO. O Brasil virou um grande Instagram / Tik Tok / Facebook. Sendo uma sociedade hipermidiatizada e hipermercantilizada - apesar dos esforços de fazer de conta que os valores culturalistas presentes no imaginário dos brasileiros fluem como o "ar que respiramos" - , nosso país parece uma alternância entre os filmes água-com-açúcar da Sessão da Tarde e a truculência barata do Domingo Maior. Mas ainda discutimos se o Brasil é uma concessão da Rede Globo ou da Folha de São Paulo. Talvez seja de ambas. De um lado, temos o mundo da fantasia do "esquerdismo chapeuzinho vermelho" de Lula, o "Papai Noel" da "sociedade do amor", prometendo, sob a fantasia de palavras, números e gráficos dos relatórios, a entrada certa do Brasil no mundo desenvolvido, quem sabe tirando da Finlândia o título de "país mais feliz do mundo". O Brasil de Lula 3.0 se torna um país em que os movimentos identitários usam flores c...